terça-feira, 31 de maio de 2011

JT reverte justa causa e condena empresa a indenizar trabalhador obrigado a cumprir ordens absurdas

A 9ª Turma do TRT-MG confirmou a sentença que afastou a justa causa aplicada a um auxiliar de mecânico acusado de omitir que estava dirigindo um veículo da empresa envolvido em acidente de trânsito. Além disso, os julgadores mantiveram a condenação da ex-empregadora ao pagamento de uma indenização por danos morais, fixada em R$9.000,00. Isso porque, no entender da Turma, ficou comprovado que o auxiliar de mecânico foi vítima de constantes perseguições, humilhações e constrangimentos no ambiente de trabalho. Já em relação à justa causa, os julgadores entenderam que a empresa não conseguiu produzir provas consistentes capazes de justificar a aplicação da penalidade máxima.

A ex-empregadora relatou que foi surpreendida com um e-mail da seguradora, informando sobre a ocorrência de acidente envolvendo veículo da empresa, no momento em que era conduzido pelo ex-empregado, contudo esse fato não havia sido comunicado à reclamada. Essa teria sido a motivação da justa causa. Mas, o relator do recurso da empresa, juiz convocado Milton Vasques Thibau de Almeida, entendeu que, nesse ponto, as afirmações patronais não ficaram comprovadas, pois nenhuma das testemunhas soube informar sobre os fatos. Ficou comprovado no processo, apenas, que houve um acidente de trânsito em novembro de 2009, no qual o reclamante esteve envolvido.

Além disso, o julgador enfatiza que não se pode ignorar a necessidade de imediatidade na aplicação da punição: "Tendo em vista que o referido acidente teria ocorrido em novembro de 2009 e que a sanção disciplinar somente foi aplicada em setembro de 2010, não há como ignorar que a ausência da imediata punição implica o perdão tácito, não podendo o referido acidente ser considerado como motivo para a dispensa". Nesse contexto, concluiu o magistrado que não há prova de qualquer conduta do trabalhador que justifique a dispensa por justa causa, pois os motivos alegados não passam de meros indícios insuficientes para produzir o efeito desejado pela empresa. Em face disso, o relator considerou correta a sentença que reverteu a dispensa por justa causa em dispensa imotivada, deferindo ao reclamante as parcelas rescisórias a que tem direito.

Ao analisar a questão do dano moral, o julgador constatou que, na realidade, ficou comprovado que quem praticou falta grave foi a própria empresa e não o ex-empregado. As testemunhas declararam que o preposto da reclamada tinha o estranho hábito de derrubar parafusos no chão de propósito e, em seguida, obrigar o reclamante a catá-los um por um. Além disso, o trabalhador recebia ordens absurdas, como, por exemplo, permanecer sentado o tempo todo, não podendo se levantar nem pra ir ao banheiro ou se locomover dentro da empresa.

Também chamou a atenção do relator o fato de o reclamante ter sido contratado para exercer a função de instalador, mas, apesar disso, realizava tarefas como limpeza de carros, além do carregamento e descarregamento de caminhão de areia, em evidente desvio de função. Por essas razões, a Turma concluiu que as reiteradas condutas patronais abusivas desqualificando o trabalho do empregado e expondo-o a situação ridícula e humilhante, causaram-lhe inegável sofrimento psíquico, o que caracteriza assédio moral, gerando a obrigação de indenizar. Por isso, foi mantida a indenização fixada pela sentença.

( 0001375-66.2010.5.03.0005 RO )

Fonte: TRT

Perguntas sobre a inadimplência em condomínio

1) Quais são as formas para o condomínio cobrar essa dívida?

Temos 03 formas para cobrar esta dívida:

1) de forma amigável entre o condômino e o condomínio;
2) levar o título a protesto; e
3) via judicial.
Em relação protesto, a Lei 9.492/77, em seu art. 1º estipula que:

“Protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação
originária em título e outros documentos de dívida.”

Logo, a despesa condominial é um documento de dívida passível de ser protestado. O
apontamento do protesto deve ser acompanhado de pelo menos da ata da assembléia em que a
obrigação se constitui como legítima; da planilha que torne a dívida líquida (pode ser substituída pelo
boleto do condomínio que contenha o timbre do condomínio ou da administradora); e da investidura do
síndico, do administrador ou que qualquer legitimado em assembléia para este f específico.

2) Quando o caso vai parar na Justiça, como se dá o processo?

No momento da distribuição da ação é marcada uma audiência de conciliação na busca da
solução do conflito. Não chegando as partes num acordo em audiência, o juiz decidirá, de forma que a
pessoa condenada poderá oferecer recurso.

Na hipótese da ação ser favorável ao Condomínio, o inadimplente tem o prazo de 24 horas para
saldar a dívida. Na maioria das vezes o inadimplente não liquida a dívida, restando ao Condomínio a
penhora dos bens, podendo, inclusive recair sobre o próprio imóvel.

Após a penhora é nomeado um perito para avaliar o bem, em seguida é publicado edital de
leilão e o bem é vendido.

3) Quanto tempo leva? E os recursos ao longo do caminho, atrasam o
processo? Com quanto tempo de atraso vale a pena entrar na justiça?

Estipular um tempo para o trâmite do processo é praticamente impossível, já que o andamento
processual depende do andamento das Secretarias, do volume de processo que tramita naquela Vara.

Em média ele pode demorar 06 meses, como pode ser reduzido diante de um acordo judicial, como pode
perdurar anos em decorrência de recursos.

O ideal é que se o título venceu de imediato procurar o condômino para saldar da dívida. Caso não seja
liquidado de imediato acionar o judiciário, em decorrência de que quanto maior o valor da dívida, maior
será as custas judiciais, logo maior será o prejuízo do Condomínio, que além de estar utilizando o fundo
reserva para cobrir o rombo do Condômino inadimplente, terá de custear despesas para propor ação
judicial.

4) É causa ganha? Porque vemos uma série de condomínios que estão anos a
fio brigando na Justiça, e não se decide nada.

Uma ação de cobrança de condomínio pautada com a documentação correta é uma demanda que
terá sucesso, já que tem o Direito a seu favor.

O que ocorre com muitas ações em andamento e que após o tramite processual, que pode ser longo em
decorrência do acúmulo de processos no judiciário, e que ao chegar na fase de execução não exista
mais o patrimônio, ou o mesmo esteja com outra penhoras.

5) Como os condôminos podem acompanhar o trabalho do advogado?

O trabalho do advogado em uma ação em andamento pode ser acompanhada pelo próprio site do
Tribunal correspondente, indicando a parte o nome do Condomínio, bem como através do número do
processo caso o advogado tenha informado.

Outra forma de acompanhar é indo na Secretaria e verificando o processo.

Texto de Luciana Gonçalves Advogada Associada da CRZAdvocacia

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Prova emprestada só pode ser utilizada com concordância expressa das partes

A utilização da prova emprestada só é possível com a expressa concordância das partes. Porém, no processo analisado pela 7ª Turma do TRT-MG, faltou esse requisito essencial. No caso, a empresa reclamada requereu que fosse juntada ao processo uma ata de audiência na qual a empregada prestou depoimento como testemunha. O juiz sentenciante acatou o requerimento, sob protestos da reclamante. Acompanhando o voto do juiz convocado Mauro César Silva, os julgadores deram provimento ao recurso da trabalhadora para declarar a nulidade da sentença, por entenderem que ficou caracterizado o cerceamento de defesa.

A chamada prova emprestada é aquela produzida em outros processos semelhantes, geralmente utilizadas como forma de economia e celeridade processuais. A trabalhadora relatou que não lhe foi concedida oportunidade para se manifestar sobre a prova emprestada, que, além disso, está preclusa, isto é, já havia se encerrado o prazo para o pedido de juntada da prova. No entender do relator do recurso, a reclamante tem razão. Em seu voto, ele explicou que o artigo 852-D da CLT confere aos juízes ampla liberdade na direção do processo, inclusive, quanto à definição das provas a serem produzidas, podendo limitar ou excluir aquelas que considerarem excessivas, impertinentes ou protelatórias.

O relator acrescentou que, nos termos dos artigos 125 e 130 do CPC, o juiz tem o poder-dever de velar pela rápida solução do litígio, indeferindo as diligências inúteis ou que servem apenas para retardar o andamento do processo. No caso analisado, o julgador verificou que, de fato, ocorreu a utilização da prova emprestada sem a concordância expressa da trabalhadora, o que, no seu entender, caracteriza cerceamento de defesa.

Acompanhando esse entendimento, a Turma, por maioria de votos, acolheu a preliminar invocada pela reclamante e declarou a nulidade da sentença, determinando o retorno do processo à Vara de origem para a reabertura da fase de produção de provas e a realização de novo julgamento.

( 0116500-74.2009.5.03.0019 RO )

Fonte: TRT

Cuidados em assembléias de condomínio

SUMÁRIO: 1. Introdução. - 2. Convocação. - 3. Quorum. - 4. Direito de defesa em assembléia e participação do inadimplente. - 5. Conclusão. - 6. Referências bibliográficas.


1. INTRODUÇÃO


O tema proposto para este trabalho, Assembléia Geral (AG), ordinária (AGO) e extraordinária (AGE), integra profundamente a vida em condomínio. E, mediante análise do texto legal, buscaremos explicitar algumas cautelas que devem ser observadas para que o condomínio não seja surpreendido com algum pedido de anulação de AG.

O presente trabalho não visa esgotar todo o tema, por esse motivo, não exploramos todas as posições doutrinárias e jurisprudenciais existentes.


2. CONVOCAÇÃO


Devemos ter em mente que a convocação tem o intuito de dar ciência a todos os membros de uma comunidade que determinada matéria será debatida. Nesse contexto, deve-se ter dois cuidados principais: (1) todos os condôminos devem ser convocados; e (2) definir no edital de convocação quais os assuntos que serão debatidos.

Sobre a convocação de todos os condôminos, existe previsão expressa em lei, é o Artigo 1.354 do Código Civil Brasileiro, que diz: "a assembléia não poderá deliberar se todos os condôminos não forem convocados para a reunião". A Lei Federal nº 4.591 não previa essa obrigatoriedade. Mas regras comportam exceções, como o julgado abaixo do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:

"AÇÃO ANULATÓRIA. PROCEDIMENTO SUMÁRIO. ASSEMBLÉIA GERAL ORDINÁRIA. CONDOMÍNIO HORIZONTAL. IRREGULARIDADES NA CONVOCAÇÃO DOS CONDÔMINOS. PRETENSÃO DE OBTER ANULAÇÃO DA ASSEMBLÉIA A FIM DE AFASTAR AS DELIBERAÇÕES NELA TOMADAS. Algumas exigências formais de convocação para assembléias condominiais não são levadas em conta quando não há prejuízo para os condôminos em geral. Ao que se vê dos documentos anexados o quorum foi válido e alcançara todos os objetivos. A falta de convocação de oito condôminos não é suficiente para anular o ato, já que o condomínio possui 288 unidades, sendo correta a convocação por documento colocado na caixa de correio de cada apartamento. Sem dano não há nulidade. Inexistência de dano. Correta a decisão monocrática de improcedência que ora se mantém. Desprovimento do apelo." (TJ/RJ, 10ª Câmara Cível, Apelação Cível 2006.001.12551, rel. Des. WANY COUTO, j. 07/03/2007)

Embora a lei não determine a forma de convocação, é aconselhável que a convocação seja feita por escrito e que seja colhida alguma prova de seu recebimento, embora o Art. 1.334 III do Código Civil dê liberdade para que a convenção determine tais condições. Dependendo da previsão da convenção, até mesmo cartas simples podem ser utilizadas para a convocação, como já foi decidido pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial nº 801.295/SP, cujo relator foi o Ministro Castro Filho:

"RECURSO ESPECIAL. CONDOMÍNIO HABITADO. ASSEMBLÉIA GERAL. CONVOCAÇÃO. CARTA SIMPLES. VALIDADE.
I - A exigência de carta registrada ou protocolar para convocação da assembléia geral do condomínio, nos termos do artigo 49, § 2º, da Lei nº 4.591/64, diz respeito tão-somente ao período em que o edifício está em construção.
II - Validade da assembléia convocada por carta simples, em condomínio habitado.
Recurso não conhecido, com ressalva quanto à terminologia."

A lei também não impõe nenhum prazo mínimo para a convocação, deixando à livre disposição da convenção do condomínio. Mas, para deliberações em geral, sem urgência, mesmo que a convenção permita um prazo menor, orientamos que a convocação seja promovida com, pelo menos, dez dias de antecedência, pois na prática de gestão condominial, esse prazo tem se mostrado mais adequado para a publicidade da AG.

A assembléia geral ordinária pode ser convocada pelo síndico ou por ¼ dos condôminos ou mediante requerimento judicial de qualquer condômino. Assim prevê o Artigo 1.350:
"Art. 1.350. Convocará o síndico, anualmente, reunião da assembléia dos condôminos, na forma prevista na convenção, a fim de aprovar o orçamento das despesas, as contribuições dos condôminos e a prestação de contas, e eventualmente eleger-lhe o substituto e alterar o regimento interno.
§ 1o Se o síndico não convocar a assembléia, um quarto dos condôminos poderá fazê-lo.
§ 2o Se a assembléia não se reunir, o juiz decidirá, a requerimento de qualquer condômino".

Por outra banda, a assembléia geral extraordinária pode ser convocada pelo síndico ou por ¼ dos condôminos, conforme o Artigo 1.355 do Código Civil. Mas, como será visto em capítulo posterior, sugerimos que o condomínio permita a convocação por condômino que deseje recorrer de alguma penalidade aplicada. Essa convocação era prevista no § 3º do Art. 22 da Lei nº 4.591: "a Convenção poderá estipular que dos atos do síndico caiba recurso para a assembléia, convocada pelo interessado". A adoção desse dispositivo, mesmo que facultativa, é altamente recomendável, pois será vista com bons olhos frente eventual questionamento judicial do direito de defesa de um condômino ou ocupante.

Ainda sobre quem pode convocar uma AGE, na hipótese de obras ou reparos necessários que gerem despesas excessivas, o Art. 1.341, § 3º permite a convocação de AGE por qualquer condômino.

O segundo item indicado no início deste capítulo diz respeito a definir no instrumento de convocação quais os assuntos que serão debatidos. Tanto o Código Civil quanto à antiga lei de condomínios não dedicam muito espaço em seus textos para esse detalhe, porém, é de grande importância que os assuntos a serem debatidos sejam conhecidos pelos condôminos de antemão. É importante que conste como item de pauta qualquer matéria que (a) implique em aumento de despesas (tais como obras ou fixação de quota), (b) afete direitos dos condôminos (deliberação de multa, destituições, sorteio de vagas de garagem, criação de normas, etc.) ou (c) possua quorum definido pela lei.

É freqüente a anulação de assembléias que deliberam sobre assuntos importantes, mas cuja pauta consta apenas a expressão "assuntos gerais". Como ensina Marco Aurélio Bezerra de Melo (MELO, 2007, página 267):
"Dentro do possível, deve ser evitada a expressão vaga e imprecisa 'assuntos gerais', pois o condômino tem o direito de saber adredemente quais serão os temas versados na assembléia, até mesmo para que decida sobre o seu comparecimento".

O único item que permite a discussão de vários assuntos de interesse do condomínio, seja ele envolvendo despesas ou normas que restrinjam direitos, é, ao nosso ver, o item "aprovação/alteração de convenção".


3. QUORUM


Quorum é o número mínimo de votos exigido por lei ou convenção para a aprovação de determinado assunto. Matérias como alteração de convenção, alguns tipos de obras, construção de novo pavimento, alteração de destinação, destituição do síndico, dentre outras, têm quorum fixado pela Lei.

Embora opinemos pela prevalência do quorum legal perante um quorum convencionado, caso a convenção estipule quorum diferente do da Lei, orientamos que o condomínio, se possível, aprove com o quorum mais rígido possível, para evitar que a decisão do condomínio fique à mercê da interpretação do Juiz sobre o quorum aplicável ao caso.

Todos os votos em assembléia devem ser proporcionais às frações ideais, salvo estipulação em contrário na convenção (Art. 1.352 Parágrafo único do Código Civil Brasileiro).
Também é importante que diferenciemos os termos "maioria simples" e "maioria absoluta":

"... analisemos o significado da expressão "maioria absoluta". Maioria absoluta representa mais da metade de todos os votos do condomínio. Por outro lado, maioria simples consiste em mais da metade dos votos dos condôminos presentes à assembléia. As expressões não são sinônimas, o legislador sempre busca expressar uma idéia sem o emprego de sinonímia, essa é a regra expressa no Art. 11, II, "b" da Lei Complementar Federal n° 95." (JUNQUEIRA, 2007).

Quando possível, também sugerimos que se inclua no edital de convocação o quorum respectivo de deliberação de cada item de pauta, essa medida permite que os condôminos tenham noção de que as suas ausências impedirão a aprovação de uma matéria relevante.

A seguir, relacionamos as matérias que possuem forma de aprovação fixada pela Lei (assunto, fundamentação legal e quorum, respectivamente).

a) Aplicação de multa de até 5 quotas por descumprimento de deveres condominiais - Art. 1.336 § 2° do CCB - 2/3 dos votos (OBS¹: essa multa não pode ser aplicada se o dever descumprido é o do pagamento de quotas; OBS²: essa multa pode ser aplicada mesmo se não houver previsão na convenção);

b) Aplicação de multa de até 5 quotas por descumprimento reiterado de deveres condominiais - Art. 1.337 caput do CCB - ¾ dos votos (OBS¹: essa deliberação só pode ocorrer se a convenção estipular o critério de reiteração, uma vez que o Código não o faz);

c) Aplicação de multa de 10 quotas por descumprimento reiterado de deveres condominiais e que gere incompatibilidade de convivência com os demais - Art. 1.337 Parágrafo único do CCB - ¾ dos votos (OBS¹: essa deliberação só pode ocorrer se a convenção estipular o critério de reiteração, uma vez que o Código não o faz; OBS²: o valor de 10 quotas não pode ser diminuído, afinal, se a assembléia reduzir o valor, ao nosso ver, fica claro que a conduta não era tão insuportável a ponto de causar incompatibilidade de convivência);

Como mencionado, as multas por reiterado descumprimento de 5 e 10 quotas não são aplicáveis sem previsão expressa da convenção. Isso se deve não só pela falta de definição da reiteração (número de transgressões em determinado período de tempo), mas, principalmente pela obrigação legal da convenção prever todas as sanções a que os condôminos estão sujeitos, por força do Artigo 1.334 IV do Código. Em outras palavras, se a convenção não prevê a penalidade não pode ser aplicada. Com exceção da multa prevista no Art. 1.336 § 2°, onde o legislador teve o cuidado de permitir a sua aplicação, ainda que a convenção fosse omissa.

Outro detalhe importante é o termo "anti-social". Anti-social significa o que é contrário a sociedade. Quando associado a uma pessoa, anti-social seria aquela que transgride as normas de determinado lugar ou tempo, portanto, ao inserirmos esse significado em matéria de condomínio edilício, obtemos o seguinte conceito: conduta anti-social é toda aquela que transgride as normas internas do condomínio criadas pela Convenção, Regimento Interno ou Assembléia. Toda conduta anti-social é punível, mas somente a que for reiterada e gerar incompatibilidade de convivência é que será punível pela multa de 10 quotas prevista no Parágrafo único do Art. 1.337. Por isso destacamos a necessidade de tratamento adequado do assunto na convenção do condomínio.

a) Realização de obras voluptuárias - Art. 1.341 I c/c Art. 96 § 1° do CCB - 2/3 dos votos (OBS¹: o Código Civil expressa que: "são voluptuárias as de mero deleite ou recreio, que não aumentam o uso habitual do bem, ainda que o tornem mais agradável ou sejam de elevado valor"; OBS²: exemplos desses tipos de obras seriam as construções de uma quadra esportiva ou de uma piscina);

b) Realização de obras úteis - Art. 1.341 II c/c Art. 96 § 2° do CCB - maioria absoluta (OBS¹: o Código Civil expressa que: "são úteis as que aumentam ou facilitam o uso do bem" ; OBS²: um exemplo dessa obra seria a instalação de um portão de garagem eletrônico no lugar de um mecânico);

c) Realização de obras necessárias e que importem em despesas excessivas - Art. 1.341 § 3° c/c Art. 96 § 3° do CCB - maioria simples em 2ª convocação (OBS¹: o Código Civil não fixa quorum algum para esta deliberação, o que nos remete à regra geral do Art. 1.352 e 1.353; OBS²: em nossa opinião, a convenção não pode fixar um quorum mais rígido para essa votação, devido à essencialidade da obra; OBS³: o Código Civil expressa que: "são necessárias as que têm por fim conservar o bem ou evitar que se deteriore"; OBS4: por exemplo, seriam obras necessárias as de reforma de fachada ou telhado que ameace ruína);

d) Realização de obras de acréscimo em partes comuns - Art. 1.342 do CCB - 2/3 dos votos (OBS¹: a ampliação da área da garagem seria um exemplo desse tipo de obra);

É importante deixar claro que a classificação de uma obra como necessária, útil, voluptuária ou de acréscimo tem espaço para inúmeras interpretações. Deve-se sempre analisar o caso concreto antes de se tirar conclusões definitivas quanto à natureza da obra.

Selecionamos alguns julgados do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que demonstram a dificuldade na classificação das obras:

"CONDOMÍNIO - COBRANÇA DE COTAS EXTRAORDINÁRIAS - ELEVADORES COM MAIS DE CINQUENTA ANOS DE USO REFORMA - OBRA ÚTIL E NECESSÁRIA - APROVAÇÃO POR MAIORIA DOS CONDÔMINOS (Artigo 1.341, II, do Código Civil vigente).A reforma de elevadores com mais de 50 (cinqüenta) anos de uso não pode ser considerada voluptuária e sua aprovação por maioria em Assembléia Geral obriga a todos condôminos no pagamento das respectivas cotas extraordinárias. Recurso improvido". (TJ/RJ, 7ª Câmara Cível, Apelação Cível 2007.001.38066, rel. Des. JOSE GERALDO ANTONIO, j. 25/07/2007)

"CIVIL. SUMÁRIA. CONDOMÍNIO EDILÍCIO. DELIBERAÇÃO ASSEMBLEAR. DECLARATÓRIA DE NULIDADE. Deliberação de AGE que acatou parecer jurídico e concluiu pela natureza voluptuária de obra de aquecimento de piscina, considerando prejudicado o tema da ordem do dia pelo não comparecimento da totalidade dos condôminos. Rejeição da obra em AGE posterior, por maioria absoluta de votos. Pretensão de condômino em anular a deliberação, por entender que a obra é útil e não voluptuária, com pleito de que seja declarada, incidentalmente, essa natureza jurídica. Deliberação soberana sem qualquer vicio, impossibilidade de sua modificação pelo órgão de justiça, sentença de improcedência incensurável, improvimento ao recurso que pretendia revertê-Ia. Unânime". (TJ/RJ, 3ª Câmara Cível, Apelação Cível 2005.001.18518, rel. Des. MURILO ANDRADE DE CARVALHO, j. 17/01/2006)

"CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. CONDOMÍNIO. COTAS EXTRAS. OBRAS ÚTEIS E NECESSÁRIAS, APROVADAS EM AGE, POSTERIORMENTE À SUA REALIZAÇÃO, POR MAIORIA DE VOTOS. INEXISTÊNCIA DE IRREGULARIDADE. A alegação de que teriam sido voluptuárias depende de prova pericial, não produzida. Interpretação dos artigos 1.315, 1.341 e parágrafos do Código Civil. O condômino responde pelos encargos aprovados em assembléia, ainda que ausente ou tenha sido vencido na votação. Sentença correta. Apelação improvida". (TJ/RJ, 7ª Câmara Cível, Apelação Cível 2005.001.17010, rel. Des. CARLOS C. LAVIGNE DE LEMOS, j. 16/11/2005)

a) Aprovação da convenção do condomínio - Art. 1.333 caput do CCB - 2/3 dos votos, obrigatoriamente proporcionais às frações ideais (OBS¹: essa é a forma de aprovação da primeira convenção do condomínio, por isso os votos deverão ser proporcionais às frações ideais, conforme o Parágrafo único do Art. 1.352);

b) Alteração da convenção do condomínio - Art. 1.351 1ª parte do CCB - 2/3 dos votos;

A alteração da forma de rateio das despesas do condomínio também deve respeitar esse quorum, uma vez que cabe à convenção determinar a forma de contribuição para as despesas do condomínio (Art. 1.334, I do Código Civil). No Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o acórdão a seguir adotou a mesma interpretação:

"ACÃO DE COBRANÇA. COTAS DE RATEIO DE DESPESAS CONDOMINIAIS. AUSÊNCIA DE QUORUM DE 2/3 EM ASSEMBLÉIA PARA ALTERAÇÃO DE CONVENÇÃO. NULIDADE. Ao contrário do que alega o Condomínio, a decisão tomada para o rateio das despesas do orçamento anual vai contra o que determina a Convenção, configurando alteração, sendo assim o quorum da Assembléia para alteração de Convenção foi desrespeitado, ensejando nulidade, pois não alcançou dois terços dos condôminos.Sentença que se mantém". (TJ/RJ, 13ª Câmara Cível, Apelação Cível 2007.001.08548, rel. Des. LINDOLPHO MORAIS MARINHO, j. 08/08/2007)

A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça também já decidiu da mesma forma:

"AgRg no Ag 420775 / SP
Relator Ministro ARI PARGENDLER
DIREITO CIVIL. DESPESAS CONDOMINIAIS. CRITÉRIO DE RATEIO, SEGUNDO A FRAÇÃO IDEAL DE CADA UNIDADE AUTÔNOMA, FIXADO NA CONVENÇÃO DE CONDOMÍNIO.
O critério de rateio das despesas condominiais fixado na Convenção de Condomínio somente pode ser alterado em assembléia se respeitado o quorum mínimo previsto no artigo 25, parágrafo único, da Lei nº 4.591, de 1964. Agravo regimental não provido."

Por outro lado, a 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro aplicou interpretação diversa no julgamento da Apelação Cível nº 61.538/2007, cuja ementa reproduzimos:
"DECLARATÓRIA. CONDOMÍNIO. CONVENÇÃO. ASSEMBLÉIA GERAL EXTRAORDINÁRIA. ALTERAÇÃO DA CONVENÇÃO NO QUE SE REFERE APENAS AO RATEIO DAS DESPESAS CONDOMINIAIS. QUORUM. MAIORIA SIMPLES. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO DIREITO DE PROPRIEDADE DOS AUTORES-APELANTES. SENTENÇA CORRETA. IMPROVIMENTO DO RECURSO." (TJ/RJ, 1ª Câmara Cível, Apelação Cível 2007.001.61538, rel. Des. MALDONADO DE CARVALHO, j. 11/12/2007)

Particularmente, concordamos com o acórdão fluminense, todavia, se o texto da convenção precisa ser mudado para que a forma de rateio de despesas seja modificada, recomendamos que a aprovação em assembléia se dê por 2/3 dos votos de todos os condôminos.

a) Aprovação ou alteração do Regimento/Regulamento Interno - Art. 1.334 V do CCB - 2/3 dos votos, mas a convenção pode fixar quorum diferente (OBS¹: Enunciado 248 da Jornada de Direito Civil da Justiça Federal);

Sobre o Regimento Interno, há necessidade de algumas considerações. Como mencionado, no que tange as normas internas do condomínio, não há uniformidade entre os entendimentos da doutrina e da jurisprudência. A grande maioria entende que Regimento Interno e Regulamento Interno seriam a mesma coisa, e quando o Código Civil determinou que o Regimento Interno deve fazer parte da convenção (Art. 1334, V), a maioria sustentou que a própria convenção poderia fixar um quorum diferenciado (menos rígido) para a alteração do Regimento, não sendo obrigatoriamente 2/3 (conforme consta até do Enunciado 248 da Jornada de Direito Civil da Justiça Federal, que embora não tenha força de súmula, trata-se de respeitável referência). Concordamos com este entendimento, considerando que o Art. 1351 foi alterado pela Lei federal ordinária n° 10.931, que, por sua vez, excluiu a alteração do regimento interno por 2/3 dos condôminos.

Mas aí chegamos a um impasse: os Cartórios de Registros de Imóveis somente registram Convenções inteiro teor, e geralmente se recusam a registrar Regimentos Internos em separado, e se o Regimento Interno não é registrável, seria ele oponível a terceiros? E mais, se o Regimento estiver no corpo da Convenção, pode o RGI fazer o registro sem a assinatura de 2/3 dos proprietários?

Não nos alongaremos nesse assunto específico, temendo nos afastar do tema, contudo, a presença dessas questões nos leva a ponderar a oponibilidade a terceiros das normas internas de condomínio criadas por uma convenção/regimento não registrado em cartório de imóveis. Mas, respondendo às questões do parágrafo anterior: o registrador imobiliário está correto em recusar o registro de Regimentos/Regulamentos em separado ou que, mesmo inclusos na convenção, não possuam aprovação de 2/3 dos votos dos condôminos. A conduta do registrador não está incorreta e também não gerará prejuízo aos condomínios, isso porque um Regulamento Interno não deve conter disposições que afetem diretamente os direitos reais dos condôminos, mas tão somente regras de conduta ou detalhes do cotidiano da comunidade que não têm a necessidade de produzir efeitos erga omnes.

Finalizamos com um exemplo: o direito uso concedido a um proprietário sobre laje adjacente a seu apartamento de cobertura deve estar contido na convenção para que esta possa ser registrada em cartório de registro de imóveis e, conseqüentemente, gerar efeitos contra terceiros.

b) Construção de outro pavimento ou edifício ou novas unidades imobiliárias - Art. 1.343 do CCB - unanimidade (OBS¹: esse é um assunto que afeta a todos, demandando recálculo das frações ideais adquiridas; OBS²: em nossa opinião, não há como impedir um condômino, mesmo inadimplente, de votar em matéria deste tipo);
c) Alteração da destinação do edifício ou da unidade - Art. 1.351 2ª parte do CCB - unanimidade (OBS¹: essa deliberação se limita à alteração da qualificação do edifício/unidade como residencial, não residencial ou misto, ao nosso ver, não é o quorum adequado para alteração da finalidade de determinada área comum);
d) Alteração de fachada - Art. 10 § 2° da Lei n° 4.591 - unanimidade (OBS¹: embora acreditemos na revogação tácita do referido dispositivo pelo Código Civil, consideramos temerária a aprovação de modificação de fachada por quorum menor que o da unanimidade).
e) Eleição do síndico e conselho fiscal - Art. 1.347 e 1.356 do CCB, respectivamente - maioria simples em 2ª convocação (OBS¹: o Código Civil não fixa quorum algum para esta deliberação, o que nos remete à regra geral do Art. 1.352 e 1.353; OBS²: em nossa opinião, a convenção não pode fixar um quorum mais rígido para essa votação, sob pena de não se eleger nenhum síndico);
f) Destituição do síndico em Assembléia de transferência de poderes - Art. 1.349 c/c Art. 1.348 § 2° do CCB - maioria absoluta (OBS¹: recomendamos a leitura de nosso trabalho "Destituição de síndico de condomínio edilício", JUNQUEIRA, 2007).


4. DIREITO DE DEFESA EM ASSEMBLÉIA E PARTICIPAÇÃO DO INADIMPLENTE


O direito fundamental de defesa. O Art. 5°, LV da Constituição prevê a obrigação de se conceder de o direito de ampla defesa a qualquer cidadão que for acusado em processo judicial ou administrativo, inclusive na aplicação de penalidades à condôminos ou ocupantes. A norma mencionada determina que: "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".

Muito embora os direitos fundamentais tenham sido inicialmente concebidos para proteger o indivíduo do poder de império do Estado. Acreditamos ser hoje pacífico o entendimento de que os direitos fundamentais também são oponíveis entre particulares (a chamada eficácia horizontal dos direitos fundamentais).

Sendo assim, nos condomínios, o presidente da AG deve permitir ao condômino ou ocupante a apresentação de sua defesa. Para garantir que o condomínio não irá prejudicar o direito do acusado, recomendamos que, nas deliberações que envolvem punições, se inclua "defesa do condômino/ocupante" como item de pauta no edital de convocação da AG, para deixar clara a oportunidade de defesa do acusado.

Ressaltamos a necessidade de tratamento adequado na convenção do condomínio, concedendo mecanismos aos condôminos para que possam recorrer à assembléia contra decisões que lhes afetem. Tal providência representa um grande passo para o condomínio, na medida em que favorece a resolução de divergências internas sem intervenção judicial.

Também demanda cautela a questão do condômino inadimplente não poder votar ou, sequer, participar de assembléias de condomínio. Conforme preceitua o Código Civil: "Art. 1.335. São direitos do condômino: (...) III - votar nas deliberações da assembléia e delas participar, estando quite" (grifo nosso). Não se deve confundir o condômino isento da participar no rateio das despesas, que tem direito a voto, com o condômino inadimplente, que não tem direito (Apelação Cível n° 2007.001.22424 julgada pela 4ª Câmara Cível do TJ/RJ).

Diferente da antiga lei de condomínios, o Código Civil garante sérias restrições ao condômino inadimplente. Tendo em vista que a multa pelo não pagamento da quota de condomínio em seu vencimento sofreu forte redução (o Art. 12 § 3º da Lei nº 4.591 permitia aplicação de multa de até 20%, mas o Art. 1.336 § 1º do Código Civil limitou a multa para até 2%), claramente o legislador concedeu outros meios para que o condomínio pudesse evitar e punir a inadimplência.

Além da possibilidade fixação de juros moratórios em índice superior a 1% ao mês (Art. 1.336, § 1º) e aplicação de multa de até cinco quotas por atrasos reiterados (Art. 1.337, caput), o Código Civil permitiu que o inadimplente fosse proibido de participar e votar em assembléias. Não se trata de um tratamento abusivo, mas tão somente um tratamento proporcional ao descumprimento do dever do condômino. Afinal, se o condômino dá "as costas" para o condomínio não pagando sua contribuição, ele abdica da sua participação em assembléias. Lembrando que o inadimplente deve ser convocado, mas não poderá participar ou votar.

O inadimplente terá ciência do que foi deliberado mediante comunicação da administração ou por meio de consulta ao livro de atas de assembléia.

É importante destacar a hipótese de um condômino ou morador inadimplente que faz um acordo de parcelamento de débito com o condomínio. A realização de uma acordo de parcelamento de débito não desqualifica a condição de inadimplente do devedor, todavia, salvo disposição em contrário na convenção ou no termo do acordo (neste último caso, somente se a convenção for omissa), suspende todas as penalidades aplicáveis ao inadimplemento. Sobre essa questão, selecionamos uma decisão colegiada do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro:

"DIREITO CIVIL. CONDOMÍNIO. DIREITO DE VOTO. Ação cautelar com pedido de liminar em que objetivam os autores exercer o direito de voto nas assembléias condominiais, não obstante se encontrem cumprindo acordos administrativos. Fumus boni iuris e periculum in mora presentes. Na hipótese vertente, foi publicado Edital de Convocação para a Assembléia Geral Ordinária do Condomínio-réu, que exigiu, como condição para participação nas eleições de síndico, não se encontrar o condômino com qualquer pendência, inclusive acordos em andamento. Todavia, o condômino que está em dia com as obrigações condominiais, mas cumpre acordo administrativo, o qual está sendo quitado a medida dos vencimentos das respectivas parcelas, não pode ser tido como inadimplente e, por via de conseqüência não pode ser impedido de votar e ser votado em assembléias condominiais. Precedente desta E. Corte. Verba honorária corretamente fixada, em observância aos ditames do § 4º do artigo 20 do CPC, diante das circunstâncias do caso concreto. Pedido procedente. Sentença mantida. Desprovimento do recurso." (TJ/RJ, 17ª Câmara Cível, Apelação Cível 2006.001.61830, rel. Des. MARIA INES GASPAR, j. 13/12/2006, grifo nosso).

Em outras palavras, em nossa opinião, ao inadimplente que está cumprindo acordo extrajudicial ou judicial de parcelamento de débitos condominial deve ser concedido direito de participar e votar nas assembléias.

Como mencionado no capítulo anterior, independente da existência de acordo, entendemos que os inadimplentes não podem ser impedidos de votar em certos assuntos que afetem diretamente sua propriedade, que classificamos como "matérias de direito de propriedade stricto sensu".

Outra questão importante é da harmonia entre o direito do condomínio em restringir o acesso do inadimplente à assembléia e o direito de defesa desse mesmo condômino. Se solicitado, o condomínio deve permitir que o inadimplente se manifeste em assembléia em prol de sua própria defesa.

Recomendamos muita cautela ao punir condôminos que atravessam por dificuldades financeiras, pode ser mais razoável não aplicar algumas penalidades nesses casos. Embora não possam ser consideradas como um abuso de direito, uma vez que não ultrapassam os limites objetivos da lei e, portanto, não indenizáveis, tais penalidades podem ser anuladas dependendo da análise do caso concreto pelo Juiz.


5. CONCLUSÃO


Por fim, estas são apenas algumas das precauções que o condomínio deve tomar para evitar transtornos futuros com uma anulação judicial de Assembléia. Lembrando que é de suma importância que toda Assembléia seja realizada em um ambiente de cortesia e respeito, uma vez que os excessos, como gritarias e xingamentos, devem ser evitados, pois, podem ser objeto de futuros pedidos de indenização.

E, entendemos que não se deve anular determinada cláusula convencional ou ato do condomínio (obra, multa, etc.) se este não causar um claro desequilíbrio entre os condôminos gerando, necessariamente, dano a alguém. Assim como, também se deve analisar se esse "dano" realmente pode ser considerado como tal, pois, alternativamente, pode-se causar um dano ainda maior aos demais (hipótese de alteração da forma de rateio ou penalidades). Não se pode anular uma AG simplesmente por não respeitar o quorum legal ou outra formalidade, porque a vida em condomínio é, por sua natureza, flexível.

Fonte: escriório online

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Salário atrasado por dois meses motiva rescisão indireta e indenização

O atraso no pagamento de salários por dois meses possibilita a rescisão indireta do contrato de trabalho por culpa do empregador. Esse foi o entendimento da Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho ao julgar o recurso de revista de um empregado da Gipsocar Ltda.. Ele parou de comparecer ao serviço e ajuizou ação trabalhista depois de ficar dois meses sem pagamento e saber que o INSS e o FGTS não estavam sendo recolhidos.

O trabalhador recorreu ao TST após o Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região (PE) ter considerado que o caso era de demissão voluntária, e não de rescisão indireta ou abandono de emprego. Com essa decisão, o autor da reclamação não teria direito à indenização prevista no artigo 483, alínea “d”, da CLT, que garante a rescisão indireta quando o empregador não cumprir as obrigações do contrato. Para o Regional, a inobservância de regularidade no pagamento dos salários no período indicado pelo trabalhador não podia ser, efetivamente, causa para o fim do contrato.

Para essa decisão, o TRT se baseou no prazo de três meses estipulado no parágrafo 1º do artigo 2º do Decreto-Lei 368/68, que considera como mora contumaz “o atraso ou sonegação de salários devidos aos empregados, por período igual ou superior a três meses, sem motivo grave e relevante, excluídas as causas pertinentes ao risco do empreendimento”.

No TST, porém, o entendimento foi diverso. Segundo o relator do recurso de revista, ministro João Batista Brito Pereira, o conceito de mora contumaz aplicado pelo TRT/PE destina-se apenas a orientar procedimentos de natureza fiscal, “não interferindo nos regramentos do Direito do Trabalho relativos à rescisão do contrato de trabalho”.

Natureza alimentar

Na avaliação do ministro Brito Pereira, não é necessário que o atraso se dê por três meses para que se justifique rescisão indireta do contrato de trabalho. O relator citou diversos precedentes com esse posicionamento, nos quais, além de se destacar que o prazo estabelecido pelo Decreto-Lei 368/68 repercute apenas na esfera fiscal, o período de três meses é considerado extremamente longo diante da natureza alimentar do salário.

Em um dos precedentes, o ministro Lelio Bentes Corrêa, da Primeira Turma, afirmou não ser crível que um empregado “tenha que aguardar pacificamente mais de noventa dias para receber a contraprestação pecuniária pelo trabalho já realizado”. Para o ministro Lelio Bentes, o atraso, desde que não seja meramente eventual, caracteriza inadimplemento das obrigações contratuais e justifica o fim do contrato por ato culposo do empregador.

Já o ministro Pedro Paulo Teixeira Manus, da Sétima Turma, considera que, se o salário tem natureza alimentar, “não é razoável exigir do empregado que suporte três meses de trabalho sem a competente paga, para, só depois, pleitear em juízo a rescisão do contrato, por justa causa do empregador”. Para o ministro Manus, o atraso de apenas um mês já é suficiente para causar transtornos ao trabalhador - privado de sua única ou principal fonte de renda e, consequentemente, impedido de prover o próprio sustento e de seus familiares e de honrar seus compromissos financeiros.

Ao tratar do mesmo tema, em outro precedente em que o trabalhador deixou de receber pagamento também por dois meses, o ministro Horácio Senna Pires, à época na Sexta Turma, ressaltou não apenas a natureza alimentar do salário, mas também o princípio da proporcionalidade. Ele lembrou que, de acordo com as leis e a jurisprudência trabalhistas, o descumprimento da obrigação do empregado de comparecer ao serviço por período de apenas trinta dias – metade do prazo em que o empregador, no caso, descumpriu seu dever de pagar os salários – já é suficiente para caracterização da justa causa por abandono de emprego.

Fonte: TST - Tribunal Superior do Trabalho

É possível penhora online sem prova do esgotamento de vias extrajudiciais

É possível a penhora de valores disponíveis em conta bancária de executados, por meio do sistema BACEN-Jud, sem necessidade de comprovação do esgotamento de vias extrajudiciais de busca de bens a serem constritos, após a vigência da Lei n. 11.382/2006. O entendimento é da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao acolher o pedido formulado pelo Banco Bradesco S/A.

No caso, o Banco propôs uma ação de execução contra devedor solvente por título executivo extrajudicial contra uma microempresa e outros, pela importância de R$ 11.788,71, relativa à cédula de crédito bancário.

O pedido inicial foi negado, sob o fundamento de que o título levado à execução, em verdade, refere a “contrato de limite de crédito e que o exequente deve provar a forma de utilização do dinheiro posto a disposição de sua correntista”, por isso não há certeza quanto ao valor líquido utilizado.

Inconformado, o banco apelou, mas o desembargador negou seguimento ao recurso monocraticamente. O Bradesco, então, agravou regimentalmente, oportunidade em que o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) negou provimento ao recurso. Opostos embargos de declaração, também foram rejeitados, e o recurso especial foi barrado pelo Tribunal estadual pela decisão de admissibilidade.

Apresentado agravo de instrumento perante o STJ, o mesmo foi conhecido para dar provimento ao recurso especial, afim de determinar ao TJMS nova apreciação dos embargos de declaração. Retornando os autos à Corte local, os embargos foram acolhidos para reconhecer a cédula de crédito bancário como título executivo hábil a embasar a execução, determinando por conseguinte, o prosseguimento da ação.

Assim, foi dado prosseguimento à execução, com a expedição de mandado de citação, penhora/arresto e avaliação. Entretanto, o oficial de justiça, após efetuar diligências, deixou de proceder à penhora, em virtude de o único bem encontrado em nome dos executados – um imóvel -, estar alugado e ser objeto de embargos em outros processos.

Penhora online

Diante da impossibilidade de se proceder à penhora, o Bradesco requereu a penhora online dos ativos financeiros porventura existentes em nome dos executados. O pedido foi indeferido pelo Tribunal estadual, em 24 de março de 2008.

No STJ, a instituição financeira sustentou que o TJMS não levou em consideração as recentes modificações operadas no processo civil pela Lei n. 11.382/06, que determina que, em ação de execução, a penhora deve recair, preferencialmente, em dinheiro, em espécie ou depósito ou aplicação em instituição financeira, estando equivocada a exigência de esgotamento dos meios para a localização de outros bens passíveis de penhora.

Em seu voto, o ministro Luis Felipe Salomão destacou que para a verificação da possibilidade de realização de penhora online, o STJ estabeleceu dois entendimentos, segundo a data em que foi requerida a penhora, se antes ou após as alterações introduzidas pela Lei n. 11.382/06.

Segundo Salomão, o primeiro entendimento, aplicável aos pedidos formulados antes da vigência da lei, é no sentido de que a penhora pelo sistema BACEN-Jud constitui-se em medida excepcional, cabível apenas quando o exequente comprova que exauriu todas as diligências no sentido de localizar bens livres e desembaraçados de titularidade do devedor.

O segundo entendimento, afirmou o ministro, aplicável aos requerimentos efetuados após a entrada em vigor da mesma lei, é no sentido de que essa modalidade de penhora não exige mais a comprovação de esgotamento de vias extrajudiciais de busca de bens a serem penhorados.

“A orientação atual do STJ é no sentido de admitir a penhora sobre o dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira, por possuir preferência na ordem legal de gradação”, disse o relator.

Fonte: STJ

quinta-feira, 26 de maio de 2011

IPTU progressivo é constitucional, decide o STF

O Plenário do Supremo Tribunal Federal julgou constitucional a Lei municipal 13.250/2001, de São Paulo, que instituiu o valor venal do imóvel como base de cálculo da cobrança do IPTU.

Segundo ministro Marco Aurélio, relator do caso, deve ser afastada “a pecha atribuída à EC 29/2000”, que alterou o parágrafo 1º do artigo 156 da Constituição para permitir a cobrança progressiva do IPTU com base no valor venal do imóvel.

No Recurso Extraordinário, o município pedia a nulidade do acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo que declarou inconstitucional a Emenda Constitucional 29/2000 por inobservância ao artigo 97 da Constituição Federal, que determina que só a maioria absoluta do Órgão Especial do tribunal pode declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo.

Ao votar, o ministro ressaltou o entendimento firmado pelo Plenário em julgamento sobre o mesmo tema, no qual se concluiu que a lei foi editada em conformidade com o parágrafo 1º do artigo 156 da Constituição Federal, na redação dada pela Emenda Constitucional 29/2000.

Na ocasião do julgamento daquele RE (423.768), os ministros frisaram que a cobrança de tributos deve levar em conta o patrimônio, a renda e o volume de atividades econômicas das pessoas, conforme previsto no parágrafo 1º do artigo 145 da Constituição Federal, e aquelas com maior capacidade contributiva devem contribuir mais, para possibilitar ao Poder Público cumprir sua função social.

Origem

No caso, Edison Maluf impetrou MS para questionar o recolhimento do IPTU, referente ao exercício de 2002, em valor excessivamente maior, por causa da utilização de tabela de alíquotas progressivas em função da base de cálculo, representando um aumento de 84,21% em relação ao ano anterior.

Para o proprietário, o ato foi arbitrário, e a Emenda Constitucional 29/2000, atenta contra as chamadas cláusulas pétreas da Constituição, além de todos os critérios adotados pela legislação municipal. Com informações da Assessoria de Imprensa do Supremo Tribunal Federal.

RE 586.693

Fonte: Conjur

Considerada abusiva cláusula que impõe cobrança de aluguel até vistoria

Cláusula que obriga inquilino a pagar aluguel após a entrega das chaves, até que o imóvel esteja nas mesmas condições em que foi recebido, é abusiva. A decisão é da Terceira Turma Recursal Cível que, confirmando sentença do Juizado Especial Cível de uma cidade próxima a Porto Alegre, determinou que a imobiliária Stefani Imóveis Ltda. devolva valores pagos a mais.

No recurso, a administradora alegou ilegitimidade passiva e ativa. Defendeu ainda que a exigência está prevista no contrato e afirmou que apesar de o locatário ter deixado o imóvel em dezembro, o local estava em condições precárias, de forma que o aluguel continuou a correr até o dia 12 de fevereiro.

O relator do recurso, Juiz Eugênio Facchini Neto, observou que apesar de o inquilino ter descumprido uma das obrigações contratuais, o que foi comprovado pelo laudo de vistoria, é incabível a aplicação da penalidade prevista.

Salientou que a exigência de devolução do bem nas mesmas condições em que foi recebido é um critério muito vago. Salientou que é comum o inquilino não concordar com a vistoria final e as partes discordarem sobre a extensão dos danos dos quais o inquilino é responsável e, nessa situação, estaria obrigado ao pagamento dos alugueis até que houvesse uma posição final do proprietário.

Enfatizou ainda que, em especial no caso em questão, o resultado da vistoria foi comprovadamente comunicado apenas dois meses após a desocupação. Portanto, se permitida a aplicação da cláusula, o autor estaria sendo penalizado por uma negligência da imobiliária.

Dessa forma, concluiu que o último aluguel devido pelo locatário era referente a dezembro, quando as chaves foram entregues, cabendo a administradora devolver o valor de R$ 615,64, pago pelo mês de janeiro.

Ilegitimidade

A respeito da alegação de ilegitimidade passiva, o relator ponderou que, ainda que exista jurisprudência entendendo que a imobiliária é somente mandatária do proprietário e, portanto, o dono do imóvel é quem deveria ser acionado, no caso, a Stefani é parte legítima.

O Juiz Facchini ressaltou que esse é um caso em que o locatário sequer sabe quem é o dono do imóvel, pois todas as tratativas são feitas com a administradora.

Apontou que a imobiliária pode, posteriormente, repassar ao proprietário eventuais consequencias econômicas.Na análise da ilegitimidade ativa, de que o autor deveria ser a pessoa que firmou o contrato de locação, afirmou estar evidente que o autor da ação era quem efetivamente ocupava o imóvel, fato que era de conhecimento da imobiliária, que emitiu recibo de quitação em nome do autor. Portanto, mesmo que o contrato não esteja em seu nome, ele tem o direito de ajuizar a ação.

Fonte: TJRS

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Estágio sem acompanhamento da instituição de ensino caracteriza contrato de trabalho

A 1ª Turma do TRT-MG equiparou instituição financeira a estabelecimento bancário para efeitos de jornada de trabalho e pagamento de horas-extras e condenou uma financeira ao reconhecimento do vínculo empregatício com um estudante contratado como estagiário. É que não houve, no caso, a intermediação da instituição de ensino, como obrigam as leis 6.494/77 e 11.788,2008, que regulamentam o contrato de estágio.

De acordo com o desembargador relator do processo, Marcus Moura Ferreira, apesar de ter sido apresentado pela reclamada o termo de compromisso de estágio, não há prova do efetivo acompanhamento do andamento do estágio pela instituição onde o reclamante estuda. Além disso, também não há, no processo, prova de que as atividades desempenhadas pelo estudante eram vinculadas ao conteúdo programático do seu curso superior, Tecnologia de marketing e varejo, já que sua única função era a de vender financiamentos para compra de veículos.

O reclamante era subordinado à financeira, que pertence ao mesmo grupo econômico do banco, também reclamado na ação trabalhista, e foi considerada, nos termos da súmula 55 do TST, como estabelecimento bancário, para fins do art. 224, pelo qual a duração normal do trabalho dos empregados em bancos, casas bancárias e Caixa Econômica Federal será de 6 (seis) horas continuas nos dias úteis, com exceção dos sábados, perfazendo um total de 30 (trinta) horas de trabalho por semana. (Redação conforme a Lei nº 7.430, de 17.12.1985).

O desembargador explica que, embora o reclamante não tenha sido enquadrado como bancário e a ele não se apliquem as normas coletivas destinadas a essa categoria, prevalece em seu favor a jornada especial prevista no art. 224, caput, nos termos da súmula 55 do TST. Por esse entendimento sumulado, as empresas de crédito, financiamento, ou investimento, também denominadas de financeiras, equiparam-se aos estabelecimentos bancários para os efeitos do art. 224 da CLT.

Assim, a 1ª Turma confirmou a sentença que reconheceu o vínculo empregatício do reclamante com a financeira e determinou que, na apuração das horas-extras, sejam observados o salário efetivo do empregado e os dias efetivamente trabalhados por ele.

( 0001266-52.2010.5.03.0005 RO )

Fonte: TRT

Construtora deve indenizar por danos morais em razão de atraso em entrega de imóvel

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a necessidade de compensação por danos morais a um casal que passou mais de dez anos esperando pelo apartamento que comprou ainda na planta e que jamais foi entregue.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro havia condenado a empresa Carvalho Hosken S.A. Engenharia e Construções ao pagamento de R$ 18 mil por danos morais, além de determinar a rescisão do contrato e a devolução de valores pagos pelo casal. A unidade habitacional que eles pretendiam adquirir fazia parte do empreendimento denominado Rio 2, que deveria ter sido construído na Barra da Tijuca.

A construtora Encol, era originalmente a responsável pelo empreendimento e cedeu os direitos para que a Carvalho Hosken prosseguisse com as obras, o que não aconteceu. Em recurso especial ao STJ, a segunda empresa contestou a decisão do tribunal estadual, alegando que o simples descumprimento do contrato não justificaria indenização por danos morais.

O relator do recurso, ministro Luis Felipe Salomão, disse que, de fato, o descumprimento de contratos nem sempre representa motivo para indenização por dano moral. Mas, segundo ele, embora a jurisprudência do STJ considere que esse descumprimento às vezes possa ser entendido como “mero dissabor”, as peculiaridades de cada caso devem ser analisadas a fim de se verificar se houve efeitos psicológicos capazes de exigir a reparação moral.
“Os precedentes não se posicionam de modo intransigente sobre a matéria, admitindo que, a depender da peculiaridade do caso concreto, possa ser constatado abalo moral a exigir compensação pecuniária”, afirmou o relator.

Luis Felipe Salomão considerou cabível a compensação por dano moral em razão do descumprimento de contrato de promessa de venda em que houve atraso de mais de dez anos na entrega do imóvel, “circunstância que extrapola o mero aborrecimento”.

O ministro destacou precedente da Corte que considerou que “o direito de moradia, entre outros direitos sociais, visa à promoção de cada um dos componentes do Estado, com o insigne propósito instrumental de torná-los aptos a realizar os atributos de sua personalidade e afirmar a sua dignidade como pessoa humana”.

Luis Felipe Salomão citou, ainda, um precedente semelhante envolvendo o mesmo empreendimento. À época do julgamento, o relator do caso anterior, ministro Aldir Passarinho Junior, atualmente aposentado, reconheceu o cabimento da compensação por danos morais. Ele destacou que houve atraso de quase dez anos e entendeu que a culpa foi exclusivamente da empresa.

Diante das circunstâncias que envolveram o inadimplemento da construtora, os ministros da Quarta Turma reconheceram a necessidade da compensação por danos morais, sem alterar o valor fixado pela Justiça fluminense. A decisão foi unânime.

FONTE: STJ - Superior Tribunal de Justiça.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Prazo prescricional em ação contra construtora é contado a partir do conhecimento do vício na obra

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou o recurso de uma construtora que pretendia ver reconhecida a prescrição de uma ação que busca responsabilizá-la pela fragilidade de uma obra realizada em 1982. O colegiado manteve a decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe (TJSE) que, ao analisar a apelação do proprietário do imóvel, afastou a prescrição.

O proprietário do imóvel ajuizou ação em que exigiu da construtora o pagamento de danos materiais, referentes aos aluguéis que teria deixado de receber durante a reforma do prédio em que está localizado o seu apartamento, e de danos morais, sustentando a má-execução da obra pela construtora. A reforma seria resultado de problemas estruturais na fundação do prédio, em face de alegada má execução obra.

O juízo de primeiro grau reconheceu a prescrição vintenária, baseado no fato de que a entrega da obra ocorreu em agosto de 1982, enquanto a demanda somente foi ajuizada em novembro de 2002. O proprietário do imóvel recorreu da sentença e o TJSE afastou o implemento da prescrição, desconstituindo a sentença e reconhecendo que, embora a entrega da obra tenha ocorrido em agosto de 1982, o conhecimento do vício na construção somente se deu em dezembro de 1999.

O Tribunal de origem entendeu que a prescrição, de 20 anos, da pretensão de ressarcimento por danos relacionados à segurança e à solidez da obra, se iniciaria com o reconhecimento, pelo seu dono, da fragilidade desta, independentemente do disposto no artigo 1.245 do Código Civil de 1916, que estabelece em cinco anos o prazo para se responsabilizar o empreiteiro pela solidez e segurança da obra.

Inconformada, a construtora recorreu ao STJ, alegando violação do artigo 1.245 do CC/1916, bem como a existência de dissídio jurisprudencial em torno da sua interpretação. Segundo a construtora, a jurisprudência do STJ seria no sentido de que, para o exercício da pretensão vintenária em face do construtor, os danos relacionados à solidez e à segurança da obra haveriam de ser constatados nos cinco anos seguintes à entrega.

Visão do relator

O relator, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, destacou precedentes da jurisprudência do STJ no sentido de que o prazo de cinco anos do artigo 1.245 do CC/1916 é de garantia, e não de prescrição ou decadência, e que, apresentados defeitos no referido período, o construtor poderá ser acionado no prazo de 20 anos.

Na visão do ministro, a jurisprudência que estabelece a natureza do prazo de cinco anos do artigo 1.245 do CC/1916, correspondente ao artigo 618 do atual Código Civil, como sendo de garantia, e fixa em 20 anos o prazo prescricional para a efetivação dessa garantia em face do construtor (conforme o enunciado da Súmula 194 do STJ) é adequada aos fatos ocorridos na vigência do CC/1916.

No entanto, Sanseverino destacou outro caminho que pode ser adotado pelo proprietário do imóvel no intuito de responsabilizar o construtor pelos vícios e defeitos relativos à sua solidez e segurança: a possibilidade de, comprovada a prática de um ilícito contratual, consistente na má-execução da obra, demandar o construtor no prazo de 20 anos do conhecimento, ou de quando se tornou possível o conhecimento do defeito na construção, tendo-se como base o prazo prescricional de 20 anos estabelecido pelo artigo 177 do CC/1916, independentemente disso ter ocorrido nos primeiros cinco anos da entrega, de acordo com o texto do artigo 1.056 do CC/1916, que trata de perdas e danos.

No entendimento do ministro, “enquanto a utilização do artigo 1.245 do Código Civil de 1916 pressupõe que a fragilidade da obra tenha transparecido nos primeiros cinco anos da sua entrega, no caso do artigo 1.056 do Código Civil de 1916 não há essa exigência, podendo os problemas relativos à sua solidez e segurança surgirem até mesmo depois daquele prazo.”

O relator afirmou que, não fosse assim, o construtor estaria livre, sem qualquer responsabilidade, para a prática de atos dolosos ou culposos durante a construção, mas cujos efeitos somente viessem a ser conhecidos após o prazo de garantia do artigo 1.245 do CC/1916. Dessa forma, se o dono tomasse conhecimento da sua fragilidade apenas após os cinco anos da entrega, já estaria prescrita qualquer pretensão indenizatória contra o construtor. Nesse sentido, o ministro considerou inviável aceitar-se que “o dono da obra, diante e no exato momento do conhecimento da fragilidade desta, seja impedido de veicular pretensão indenizatória em face de quem, culposamente, tenha ocasionado esta fragilidade.”

A Terceira Turma acompanhou o voto do relator, negando provimento ao recurso especial para confirmar o acórdão que afastou a prescrição e desconstituiu a sentença, viabilizando a instrução do processo com a realização de perícia. Dessa forma, será possível ao proprietário do imóvel demandar em primeiro grau a construtora com fundamento no artigo 1.056 do CC/1916, desde que comprovada a prática de ilícito contratual.

Fonte: STJ

Aumenta o número de ações na justiça sobre imóveis

Ações sobre descumprimento de contratos de compra e venda de imóveis não são raras na Justiça. Mas as consequências desse descumprimento para as empresas são, muitas vezes, desconhecidas por parte dos consumidores. Conhecer seus direitos quando o assunto é compra da casa própria é fundamental para que o sonho não se transforme em mais uma pendência judiciária.

Ainda que o crescimento do mercado imobiliário possa não atingir os mesmos níveis de desempenho registrados no ano passado, espera-se que em 2011 a oferta seja alta. Com o aumento do mercado, também aumentam as questões jurídicas. “Neste ano, vai haver uma alta no número de ações sobre contratos de compra e venda porque o número de negociações se multiplicou”, explica o integrante do Conselho Jurídico do Secovi-SP (Sindicato da Habitação de São Paulo), Rodrigo Bicalho. Apesar disso, ele acredita que o número de ações sobre o tema não é tão significativo perto do que o mercado movimenta.

À medida que o mercado cresce, o consumidor deve ficar ainda mais cauteloso. E ao contrário do que se pensa, as principais pendências judiciais não se referem aos valores negociados e às formas de pagamento. “Antigamente, a maioria das discussões eram no que diz respeito aos valores. Mas isso foi superado”, afirma.

Na justiça Hoje, as principais questões que tramitam na justiça sobre contratos de compra e venda referem-se à desistência do comprador. O que muda, afirma Bicalho, é o motivo dessa desistência. E de acordo com a razão, os direitos dos mutuários mudam. Existem situações em que a desistência decorre de algum tipo de dano gerado pela empresa ou incorporadora. E têm aqueles em que o consumidor desiste por não ter mais condições de arcar com o financiamento.

Nos dois casos, os consumidores têm direitos garantidos, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor e também segundo preceitos do Código Civil. “Em casos de desconformidades da empresa, ele tem direito à devolução de 100% dos valores pagos e, dependendo do caso, à indenização por dano moral”, explica Bicalho.

Ele explica que o percentual de devolução não consta em nenhuma regra, mas é fruto de jurisprudência da Justiça. São motivos de desconformidades a entrega do imóvel fora dos padrões estabelecidos no contrato, por exemplo, ou mesmo quando a incorporadora descumpre qualquer cláusula contratual. Uma delas é o atraso em entrega.

Embora constitua a razão da minoria das ações sobre contratos de compra e venda de imóveis, o atraso na entrega da unidade ainda gera dúvidas. De maneira geral, os contratos estabelecem que as incorporadoras podem atrasar em até 180 dias a entrega do imóvel que está em construção. “Esse prazo é de mercado. A lei não fixa e também não restringe esse prazo”, afirma Bicalho. Daí as dúvidas.

Para os especialistas, o importante é que um prazo seja fixado no contrato. E se ele for descumprido, o consumidor pode resolver na Justiça. “Quando o atraso foi devido à falta de fornecimento de materiais, atraso na entrega do alvará de execução ou por causa da demora na entrega do Habite-se [documento necessário para que a obra seja considerada concluída], as empresas costumam ganhar a causa”, alerta Bicalho. Contudo, se elas não conseguirem justificar o atraso, o consumidor tem seus direitos resguardados.

Nos casos em que o consumidor desiste por dificuldades financeiras, as empresas são obrigadas a devolver entre 70% e 80% dos valores já pagos, exceto a comissão da intermediação.

Minha Casa, Minha Vida Na avaliação de Bicalho, o programa ajudou de maneira indireta no aumento do número de ações na justiça. “Os imóveis que participam do programa são menos suscetíveis a isso, mas o programa estimulou o crescimento do mercado. E se o mercado está aquecido, as ações crescem”, afirma.

Para ele, diferentemente de antes, hoje os consumidores estão mais informados com relação aos seus direitos. “Estamos passando por uma fase de transição. Agora, o consumidor compra informado, porque ele tem acesso ao histórico das empresas”. E tudo está na internet.

Averiguar as informações na rede sobre a incorporadora ajuda o consumidor a conhecer melhor a empresa com a qual ele negociará. E as empresas estão preocupadas em manter uma boa relação com os seus futuros clientes. “O principal patrimônio da empresa é sua imagem e a compra do imóvel é uma compra séria. É preciso pesquisa”, alerta Bicalho.

Fonte: InfoMoney

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Juiz identifica fraude em terceirização realizada por montadora de veículos

A 2ª Vara do Trabalho de Sete Lagoas tem recebido, com frequência, grande número de ações que versam sobre terceirização por meio de contrato de trabalho temporário irregular, realizada por montadora de veículos (Iveco), para atender às suas demandas cotidianas de pessoal. Ao julgar uma dessas ações, o juiz substituto Carlos Adriano Dani Lebourg constatou que a montadora de veículos se utilizou de contratações de trabalhadores temporários, por intermédio de empresa interposta, para reduzir seus custos, por mais de cinco anos contínuos, desvirtuando o instituto da contratação temporária. Reprovando a conduta patronal, o magistrado acentuou que o contrato de trabalho temporário não se justifica no caso analisado, pois não houve acréscimo extraordinário de serviços nem substituição transitória de pessoal regular e permanente, como estabelece a legislação que disciplina a matéria. "Não se pode transformar o extraordinário em ordinário e a exceção em regra", completou o julgador.

Ao examinar os documentos anexados ao processo, provenientes do Ministério do Trabalho e Emprego, o magistrado verificou que, somente no período de 2007 e 2008, foram registradas as prorrogações dos contratos de trabalho temporário, por mais três meses, de 1.169 trabalhadores. A prova documental evidenciou, ainda, que havia demanda de mão de obra constante, reprimida na empresa, tanto que, após contratar os trabalhadores temporários, por meio da empresa interposta, por três meses e prorrogar os seus contratos por igual período, absorvia a imensa maioria deles, em seu quadro de empregados. A prestadora de serviços é uma empresa de recursos humanos. Diante disso, o procedimento normal seria que a prestadora dos serviços disponibilizasse para a tomadora o número pretendido de profissionais, contratando-os junto ao mercado, por meio de seus cadastros.

Entretanto, de acordo com as declarações do sócio da empresa de recursos humanos, confirmadas pelo preposto da montadora de veículos, era esta última que recrutava e selecionava os profissionais que deveriam ser contratados pela empresa terceirizada, inclusive gerenciando procedimentos pré-contratuais, como, por exemplo, os exames admissionais, e cuidando da burocracia referente às contratações. Ou seja, através da prova testemunhal, o magistrado descobriu que houve uma inversão de papéis: ao invés de a prestadora de serviços disponibilizar mão de obra para atender às necessidades transitórias da tomadora de serviços, era esta que interferia nas contratações da empresa terceirizada, de modo que o candidato se encaixasse no perfil profissional exigido pela montadora. Dessa forma, a tomadora de serviços poderia obter mão de obra qualificada e barata, porque poderia "economizar" na hora de pagar créditos trabalhistas.

A montadora de veículos não conseguiu convencer o magistrado com a sua justificativa de que teria contratado trabalhadores temporários porque estaria lançando novos produtos. É que esses trabalhadores destinavam-se a cobrir a demanda ordinária e contínua de mão-de-obra da empresa, já que a atividade de produção dos veículos em que trabalhariam, recém chegados ao mercado, naturalmente, ultrapassaria o intervalo máximo de três meses, prorrogáveis por outros três, considerado pelo artigo 10 da Lei 6.019/74 como denotador da transitoriedade necessária a autorizar tal tipo de prestação de serviços. Nesse sentido, o julgador reitera que a contratação temporária não serve para o atendimento de necessidades permanentes e contínuas de mão de obra das empresas, como, por exemplo, o de abertura de filiais ou o lançamento de novos produtos, que necessitarão sempre de empregados, para a execução das tarefas referentes à sua fabricação.

Com essas considerações, o juiz sentenciante declarou a nulidade da contratação temporária do reclamante e reconheceu a unicidade dos contratos de trabalho ocorridos com a prestadora e a tomadora de serviços. Declarando o vínculo empregatício entre o trabalhador e a montadora de veículos, o julgador acolheu o pedido de diferenças salariais e benefícios devidos aos empregados da empresa, entre outras parcelas postuladas pelo reclamante.

( 0001804-25.2010.5.03.0040 RO )

Fonte: Conjur

Os títulos particulares no registro de imóveis

1) Introdução

O tema proposto, os títulos particulares no registro de imóveis, exige uma reflexão sobre a relevância do instrumento público, sobre a experiência da utilização do instrumento particular no Brasil, sobre os instrumentos particulares que acedem ao registro imobiliário em nosso país e, por fim, o quanto a segurança jurídica pode ser afetada pela utilização dos instrumentos particulares.

Quanto ao acesso ao registro imobiliário, nesta introdução, é interessante apresentar para início da reflexão o que poderia ser a conclusão do trabalho. Podemos partir de uma das conclusões da Declaração de Lima, que nos interessa especialmente. Nos dias 22 a 24 de maio de 2007, teve lugar o Congresso Internacional de Direito Registral, realizado em Lima, Peru, organizado pela Superintendência Nacional dos Registros Públicos do Peru – SUNARP -, Colégio de Registradores da Espanha e Universidade de Lima, com representantes da Argentina, Brasil, Chile, Costa Rica, Equador, Espanha, Estados Unidos da América, El Salvador, Honduras, México, Paraguai, República do Peru e Venezuela. Nesse evento foi expedida a Declaração de Lima composta de conclusões sobre as tendências e características dos modernos sistemas registrais, sobre os modelos de gestão e organização dos sistemas registrais e sobre os sistemas de garantias hipotecárias e mobiliárias. Uma das conclusões, ora de nosso interesse, foi a seguinte:

“Um sistema registral moderno, eficaz, ágil e flexível, deve contar com os seguintes requisitos básicos: a) A utilização do documento público como continente dos atos destinados a serem inscritos no Registro, de forma que a ele acedam somente títulos notariais, judiciais e administrativos em virtude da fé pública que deles dimana. A autenticidade dos documentos públicos coadjuva a segurança jurídica dos Registros”. Penso que efetivamente a autenticidade dos documentos públicos coadjuva a segurança jurídica dos registros, e veremos as razões.

2) A forma nos negócios jurídicos imobiliários

A forma para a contratação foi analisada em texto produzido para o I Foro Internacional Administración Electrónica y Seguridad Jurídica, que teve lugar em Madri, Espanha, nos dias 12 a 14 de maio de 2.008, tendo sido o Brasil representado pelo signatário e pelo Dr. Francisco José Rezende dos Santos. O texto foi elaborado em conjunto com o Dr. Sérgio Jacomino, e podemos destacar os seguintes pontos quanto à forma nos negócios jurídicos imobiliários:

“O sistema jurídico brasileiro se fundamenta na liberdade de forma para a contratação dos negócios jurídicos. A regra geral é de que não existe obrigatoriedade de forma para a contratação, mas sim a voluntariedade para que exista o negócio jurídico. Basta a vontade do agente, e a exteriorização desta vontade (vontade declarada), por seus diversos meios. A regra para a validade do negócio jurídico é a do consensualismo, o acordo de vontades, podendo as partes celebrarem os contratos da forma que desejarem, seja verbalmente, por sinais, tacitamente, ou ainda por escrito. Impera o chamado princípio da liberdade das formas. O agente não fica obrigado à forma especial para o ato ou negócio jurídico. Mas existem casos em que a lei excepciona a regra geral. A lei civil impõe forma em determinados tipos de negócios jurídicos. O descumprimento da forma invalida o negócio jurídico. O Código Civil Brasileiro prescreve no seu art. 104 que: Art. 104. A validade do negócio jurídico requer: I – agente capaz;II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei.“.

O negócio jurídico é nulo quando não revestir a forma prescrita em lei (art. 166, IV, do Código Civil).

Quanto aos negócios imobiliários, a lei civil brasileira determinou a forma escrita, sendo essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis a escritura pública (art. 108). Não foi sem motivo que o legislador determinou a utilização da escritura pública, como se verá à frente.

No entanto, o legislador deixou uma porta aberta aos instrumentos particulares, estabelecendo uma convivência no sistema pátrio entre o instrumento público e o particular nos negócios jurídicos imobiliários ao estabelecer que a escritura pública é essencial à validade não dispondo a lei em contrário, e abrindo uma exceção no próprio artigo 108, ao permitir a utilização do instrumento particular quando o valor do negócio for de até trinta vezes o maior salário mínimo vigente no país.

Anote-se que a permissão para a utilização do instrumento particular não afasta a possibilidade de opção pelo instrumento público, mais solene e, seguramente, mais vantajoso, por motivos diversos.

3) Por que a escritura pública?

Eduardo José Martínez Garcia, registrador espanhol, aduz que “al analizar el fraude inmobiliario se señala como una de las causas el contrato privado…” O instrumento particular favorece a clandestinidade, a evasão fiscal e a lavagem de dinheiro, dentre outros problemas. Por seu turno, o instrumento público, lavrado nas notas do tabelião, instrumentaliza nos negócios imobiliários a fase obrigacional, contribuindo para a segurança final que se espera do sistema notarial e registral. O duplo controle, tabelião/registrador, certamente é um dos pontos principais nos quais nos apoiamos para afirmar que o sistema registral imobiliário brasileiro é bastante seguro. Temos, na qualificação notarial e posteriormente na registral, duas fases presididas por profissionais do direito a afastar as possibilidades de nulidade.

Os tabeliães de notas exercem relevantes funções. Frederico Henrique Viegas de Lima afirma com propriedade que “a função notarial deve estar dotada de mecanismos que permitam a prevenção da segurança jurídica privada. Esta atuação ocorre de duas formas: uma através da atuação extradocumental da atividade notarial e outra, propriamente documental. Assim, dentro do enorme feixe de deveres e finalidades da função notarial, ao tabelião cabe, na atividade extradocumental, a função de conselheiro, de promotor do equilíbrio contratual, controlador da legalidade pré-documental e da identidade subjetiva. Já na esfera da atividade documental propriamente dita, a função notarial cria uma forma notarial pública, com efeitos legais, publicísticos e probatórios”. Atua o tabelião de notas preventivamente, evitando litígios com a sua orientação e lavratura dos adequados instrumentos, e também participa da solução de conflitos já instaurados e que admitem composição na via extrajudicial. Apesar da relevância das funções do tabelião de notas, carece a legislação brasileira de uma lei que disponha especificamente sobre as suas funções, assim como há a Lei 6.015/73, que dispõe sobre os registros públicos, e a Lei 9.492/97, que regulamenta os serviços concernentes ao protesto de títulos. As normas que se aplicam exclusivamente ao tabelionato de notas estão esparsas (dentre outras, as da Lei 7.433/85 e o art. 215 do Código Civil – requisitos para a lavratura de escrituras públicas – correspondentes ao art. 46º do Código do Notariado Português).

A relevância da atuação notarial se patenteia nos diversos dispositivos que exigem a escritura pública. Podemos citar, exemplificativamente, hipóteses em que a escritura pública é indispensável: a) para a constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País (art.108 do C.C.); b) na lavratura de pactos antenupciais (art.1.653 do C.C. – será nulo se não se observar a forma); c) na cessão de quinhão hereditário (art.1.793 do C.C.); d) na aquisição de imóvel rural por estrangeiro (art.8º e art.15 da Lei 5.709); e) nos atos de interesse de analfabeto (art.215, §2º; art.221 e art.654 do C.C.); f) na lavratura de testamento de cegos (art.1.867 do C.C.); g) na celebração de negócios jurídicos com a cláusula de não valer sem instrumento público (art.109 do C.C.); h) na outorga de mandato quando o ato a ser praticado exige escritura pública – atração de forma (art.657 do C.C.); i) na instituição de bem de família (art.1.711 do C.C.); j) na emancipação (art.5º, parágrafo único, I, do C.C.); l) na constituição de renda (art.807 do C.C.).

O Prof. João Teodoro da Silva, ilustre tabelião da capital mineira, com toda sua capacidade e experiência, dissecou a importância da escritura pública em texto apresentado no III Seminário Luso Brasileiro de Direito Registral Imobiliário, realizado em São Paulo no ano de 2.008. Nada nos resta a acrescentar ao texto referido, cabendo-nos tão somente pedir vênia para transcrever a parte na qual o ilustre professor apresenta de forma didática as vantagens da escritura pública:

“1. Quanto à autoria. O instrumento produzido pelo tabelião de notas é uma das espécies de documento de cunho oficial e, por força da lei, tem presunção de veracidade, ou seja, faz prova não só de sua formação, mas também dos fatos que o tabelião declarar que ocorreram em sua presença (Código de Processo Civil, art. 364). É, pois, verdadeiro enquanto não for decretada, por sentença judicial, a sua falsidade. A escritura pública, especificamente, tem autor declarado, o tabelião, responsável pelo que nela se contém, inclusive pelos erros. (…) 2 – Quanto à fé pública. Se o documento público em geral merece fé por força de lei, o que é produzido por tabelião goza de fé num sentido muito mais amplo. A escritura notarial é dotada de uma fé pública personalizada. (…) 3 – Quanto ao lugar. A escritura pública dá certeza do lugar de sua realização, necessariamente no território de competência do tabelião de notas. (…) 4 – Quanto à data. A escritura pública dá certeza da data de sua realização. Já o instrumento particular pode omitir a data, ser pré-datado ou pós-datado. A lei processual assinala essa precariedade (art. 370 CPC). (…) 5 – Quanto à identidade das pessoas. A escritura pública dá certeza, pela fé de conhecimento do tabelião, de que é a própria e não outra a pessoa que se apresenta. (…) 6 – Quanto à capacidade das pessoas. A escritura pública dá certeza quanto à capacidade jurídica de quem dela participa, por ser inerente à função notarial essa prévia verificação. (…) 7 – Quanto à personalização jurídica da parte. A escritura pública dá certeza quanto à existência legal da parte que é pessoa jurídica. (…) 8 – Quanto à legitimidade da representação. A escritura pública dá certeza de que o representante de uma pessoa natural ou jurídica tem poderes ou atribuições bastantes para a prática do ato, conforme verificação prévia do tabelião. Há certeza da legitimidade do mandato, da identidade e da capacidade do procurador. (…) 9 – Quanto à expressão da vontade.

A escritura pública dá certeza de ter sido outorgada por alguém no domínio de sua vontade, isto é, lúcido, livre de constrangimento ou ameaça. (…) 10 – Quanto ao consentimento. A escritura pública dá certeza de que a pessoa que a tiver assinado o fez conscientemente, porquanto, ao lavrá-la, o tabelião tem o dever de dar esclarecimento às partes sobre o significado e as conseqüências do ato que pretendem praticar. (…) 11 – Quanto ao conteúdo. A escritura pública dá certeza do seu conteúdo imutável e plenamente conhecido do signatário, mediante a obrigatória leitura que este faz ou lhe é feita pelo tabelião. (…) 12 – Quanto à titularidade e à disponibilidade. A escritura pública dá certeza da titularidade dos direitos negociados e da disponibilidade do objeto, uma vez que, para lavrá-la, o tabelião exige a comprovação desses direitos, examinando o título ou os títulos de modo a não deixar dúvida. (…) 13 – Quanto à licitude do objeto. A escritura pública dá certeza de ser lícito o objeto da negociação, porque é de autoria de um técnico que a lavra em conformidade com a lei. (…) 14 – Quanto às obrigações fiscais. A escritura pública dá certeza do cumprimento das obrigações tributárias concernentes ao negócio jurídico realizado, porque o tabelião é fiscal rigoroso na exigência do pagamento dos tributos. (…) 15 – Quanto à redação. A escritura pública dá certeza de estar redigida com técnica adequada, em linguagem clara, concisa e precisa, que não deixa dúvidas. (…) 16 – Quanto à conservação. A escritura pública dá certeza de perenidade, porque o tabelião é zeloso depositário dos livros que a contêm. (…) 17 – Quanto à publicidade. A escritura pública, como sua designação já indica, dá certeza de sua publicidade e de ser acessível, via de regra, em qualquer tempo. (…) 18 – Quanto à orientação das partes. O autor da escritura pública é jurista especializado que orienta as partes com imparcialidade. (…) 19 – Quanto ao custo. Na escritura pública, a remuneração do seu autor é conhecida e fixada em lei. (…) 20 – Quanto à comodidade. Para a escritura pública, o tabelião, via de regra, providencia a documentação necessária. (…) 21 – Quanto ao registro. Se a eficácia do negócio depende do registro da escritura pública, o tabelião pode incumbir-se de promovê-lo. Caso seja obstado o registro por erro, o tabelião providencia a retificação. Tudo sem custos adicionais. (…)”

Diante de tantas vantagens da escritura pública, lavrada por profissional do direito especialista, o que levaria alguém a optar pelo instrumento particular, terreno fértil para fraudes e erros? A escritura pública acederá o registro imobiliário e atingirá os efeitos que dela se esperam, ou seja, terá eficácia, aptidão para produzir efeitos. Quanto ao instrumento particular, muitos percalços podem ser enfrentados pelas partes.

4) A utilização do instrumento particular no Brasil

No trabalho anteriormente referido, elaborado para apresentação no I Foro Internacional Administración Electrónica y Seguridad Jurídica, foi apresentado um retrospecto da utilização do instrumento particular no Brasil, que apresento a seguir:

“A contratação dos negócios por instrumentos particulares no Brasil, não é coisa dos tempos atuais, mas na verdade remonta de vários séculos, como veremos abaixo:

Podemos ver contratação por instrumentos particulares inicialmente nas ordenações Manoelinas, promulgadas em 1.521, e posteriormente também nas Ordenações Filipinas, que vigoraram a partir de 1.603 até a vigência do Código Civil Português de 1.867 e no Brasil até a vigência do Código Civil Brasileiro de 1.916. Em tais ordenações encontramos exemplos de pessoas privilegiadas que poderiam contratar por instrumento particular: entre o pai ou mãe e o filho natural, entre sogro e sogra, genro e nora (enquanto durar o casamento), entre irmãos (germanos ou unilaterais, incluindo os cunhados), entre sobrinho e tio.

Também vemos contratação por instrumento particular na Lei Hipotecária de preferências e leilões de 20 de junho de 1774, aplicada no Brasil até o advento do Decreto 482, de 1846, marco inicial do sistema registral hipotecário brasileiro. Esta lei, oriunda da Reforma Pombalina previa a constituição da hipoteca por instrumento público ou particular, neste caso por pessoas que já possuíam dívidas pessoais anteriores.

O Alvará de 30 de outubro de 1793, da Rainha de Portugal, D. Maria, confirmava o costume no Brasil acerca do valor dos escritos particulares e provas por testemunhas. O Alvará aludia às circunstâncias peculiares da Colônia e apontava a prática comum de se lavrar instrumentos particulares em virtude da distância entre as comarcas, falta de tabeliães e o costume desta praça de se transacionar com os instrumentos particulares.

Na seqüência temos a Lei 840, de 15 de setembro de 1840, que previu a escritura pública apenas para formalização dos negócios sobre bens de raiz cujo valor excedesse a duzentos mil réis (art. 11).

O Decreto 482, de 14 de novembro de 1846 trata de atribuir a um tabelião a direção do Registro Hipotecário e no art. 7º admitia a hipoteca constituída por instrumento particular. O documento era “notarizado”, ou seja, uma via ficava arquivada no Registro Público.

A Lei 1.237, de 24 de setembro de 1864 previa no seu art. 8º, §2º, sobre a transcrição no Registro de Imóveis de instrumentos privados, pelos quais se dava a transmissão de bens imóveis e dos ônus reais.

O Decreto 3.453, de 26 de abril de 1865, art. 54, admitia o titulo particular, que deveria ser apresentado em duplicata para que um dos exemplares ficasse arquivado no registro. Eram admitidos alguns casos de transmissão de bens por instrumento particular.

O Decreto 169-A, de 19 de janeiro de 1890, previa o registro de instrumento particular, para alguns casos de transmissão inter vivos. ( art. 8º)

O Decreto 370, de 2 de maio de 1890, no art. 51 previa o instrumento particular, desde que tivessem firmas reconhecidas e que fosse em duplicata.

O Código Civil Brasileiro de 1916, também previa o instrumento particular nos arts. 771 e 800 (casos de penhor), art. 134, II (“somente é exigida a escritura pública para a transmissão de direitos reais de valor acima de Cr$ 50.000,00″). Era ainda admitido o testamento por instrumento particular (art. 1645).

O Decreto 18.542, de 24 de dezembro de 1928, art. 203, tratava do registro do instrumento particular, e se tal título fosse de permuta deveria ter pelo menos 3 vias.

O Decreto 4.857, de 9 de novembro de 1939, acrescia a possibilidade de registro de escritos particulares assinados, com firma reconhecida, perante duas testemunhas e devidamente selados, nos casos de locação, de penhor agrícola, ou de contratos constitutivos ou translativos de direitos reais sobre imóveis de valor não superior a um conto de réis.

No direito brasileiro atual há diversas hipóteses em que se admite a contratação por documento particular versando sobre direitos reais imobiliários.

A Lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973, arts. 194 e 221, admite o registro de título particular, desde que autorizado por lei.

O Código Civil de 2002, arts. 108, 221, 288, 320, 541, 1.334, 1.417, 1.438, 1.448, 2.015 trata da contratação por documentos particulares e que podem ter acesso ao registro.

O Decreto-lei 167 de 14 de fevereiro de 1967, que trata do financiamento rural, o Decreto-lei 413 de 9 de janeiro de 1.969, que trata do financiamento industrial, a Lei 6.313, de 16 de dezembro de 1975, de incentivo a exportação, a Lei 6.840, de 03 de novembro de 1980, que trata do financiamento comercial, e a Lei 8.929, de 22 de agosto de 1994, que trata da Cédula de Produto Rural, destinada a garantir financiamento e venda da produção rural no mercado de futuros, determinam que os financiamentos concedidos por instituições financeiras a pessoa física ou jurídica que se dediquem à estas atividades poderá efetuar-se por meio da cédulas, que são títulos de crédito feitos por documentos particulares e que podem ser garantidos por penhor, alienação fiduciária ou hipoteca.

A Lei n. 8.934, de 18 de novembro de 1994 determina que os atos de constituição e de alteração de sociedades mercantis, desde que certificados pelas juntas comerciais são documentos hábeis para a transferência dos bens com que o subscritor houver contribuído para a formação ou aumento do capital social.

A Lei das Sociedades Anônimas, Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1.976, em seu artigo 98, autoriza o instrumento particular, como título hábil para se promover o registro da transmissão da propriedade da empresa, em casos de incorporação, fusão ou cisão.

O Decreto-lei n. 58, de 10 de dezembro de 1937, referente a loteamentos de imóveis não urbanos, prevê o registro de contratos de promessa de compra e venda de lotes e suas cessões, de qualquer valor.

A Lei 6.766, de 1.979, de loteamentos urbanos, prevê os registros de contratos de promessa de compra e venda por instrumentos particulares.

A Lei 4.591, de 1.964, de condomínios e incorporações imobiliárias, autoriza a incorporação de condomínio por instrumentos particulares.

O Decreto 59.566, de 14 de novembro de 1966, que Regulamenta o Estatuto da Terra, em seu art. 73 prevê a possibilidade do contrato agrário ser celebrado por instrumento particular.

A Lei 9.307, de 23 de setembro de 1996, que trata da arbitragem, também autoriza o título particular para acessar ao registro.

A Lei 9.636, de 15 de maio de 1998, determina que os contratos celebrados pela Caixa Econômica Federal, mediante instrumento particular, terão força de escritura pública.

A Lei 10.188, de 12 de fevereiro de 2001, de arrendamento residencial, também autoriza tal contratação por documento particular.

A Lei 10.931, de 02 de agosto de 2004, que dispõe sobre o patrimônio de afetação de incorporações imobiliárias, Letra de Crédito Imobiliário, Cédula de Crédito Imobiliário e Cédula de Crédito Bancário são autorizadas por documentos particulares, inclusive quando tenham hipoteca.

A Lei 10.998, de 2004, que trata do Programa de Subsídio à Habitação de Interesse Social – PSH, autoriza o título particular para tal programa.

O SFH – Sistema Financeiro da Habitação, Lei 5.049, de 1966, alterando o art. 61 da Lei 4.380, de 1964, previu o instrumento particular com força de escritura pública. (…)

O Dec.lei 70, de 21 de novembro de 1966 que trata das Associações de Poupança e Empréstimo, no art. 26 diz que: “Todos os atos previstos neste decreto-lei, poderão ser feitos por instrumento particular” Diz ainda que poderá ser expedida carta de arrematação em procedimento de execução extra judicial, que é título hábil para o registro da propriedade em nome do adquirente/arrematante.

A Lei 9.514, de 20 de novembro de 1.997, que criou o Sistema de Financiamento Imobiliário – SFI e que trata da alienação fiduciária de bem imóvel, em seu artigo art. 38 diz: ‘Os atos e contratos referidos nesta lei ou resultantes da sua aplicação, mesmo aqueles que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis, poderão ser celebrados por escritura pública ou por instrumento particular com efeitos de escritura pública’. (…)

Conclui-se, portanto, que na legislação brasileira o documento público é a regra e é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a 30 (trinta) vezes o maior salário mínimo vigente no País (art. 108).

Contudo, o documento particular vem sendo utilizado nas hipóteses em que a lei o admite, excepcionalmente, convivendo com o documento público.

O art. 108 admite a utilização do documento particular para transações de valor igual ou inferior a 30 salários mínimos, e outras exceções, aos estabelecer a regra do instrumento público ‘não dispondo a lei em contrário’.

O que ocorre é que as disposições especiais referentes aos documentos particulares se baseiam em razões diversas das que conduziram o legislador de 2.002 a exigir o documento público como regra. São outros o objeto, o espírito e fim das disposições especiais.

Para exemplificar podemos citar a legislação relativa aos parcelamentos do solo (Decreto-lei 58/37 e Lei 6.766), que exige o depósito de um memorial no Registro de Imóveis, do qual consta o contrato-tipo (Dec.-lei 58) ou o exemplar do contrato-padrão de promessa de venda (Lei 6.766), tendo esta enumerado no art. 26 indicações obrigatórias do contrato, visando a proteção do comprador. Qualquer pessoa pode examinar o processo de loteamento e os contratos depositados, livre de emolumentos (art. 24). O contrato-padrão rege as relações entre as partes quando o devedor não cumpre a obrigação (art. 27). Como se vê, há uma proteção à parte teoricamente mais fraca na relação, que se sujeita a um contrato-padrão que passou pela qualificação do registrador, consta de acervo público e que, como contrato de adesão que é, merece interpretação mais favorável ao aderente, nos termos da Lei 8.078 (Código do Consumidor) e dos arts. 423 e 424 do Código Civil.

Por seu turno, a Lei 4.380/64 está impregnada pelo interesse social, visando estimular a construção de habitações de interesse social e o financiamento de aquisição da casa própria, especialmente pelas classes da população de menor renda (art. 1º). As entidades autorizadas a contratar nos termos da lei operam sob fiscalização do Poder Público e aplicam-se, assim como nos parcelamentos, as normas que protegem o consumidor nos contratos de adesão. Ressalte-se, contudo, que na hipótese, em muitos casos, não se tem atingidos os fins de economia de tempo e despesas para o adquirente (previstos no texto legal), em razão dos procedimentos adotados e dos valores cobrados pelas entidades do S.F.H.

Quanto à Lei 9.514/97, que tem por finalidade promover o financiamento imobiliário em geral, aplica-se o que foi dito sobre a Lei 4.380/64.

As exceções contempladas são, portanto e como afirmado, especialíssimas”.

5) Acesso dos instrumentos particulares ao Registro Imobiliário

Ainda invocando o texto apresentado em Madri: “no Brasil o sistema registral imobiliário admite dois tipos de documentos que podem acessar ao fólio real e produzir os seus respectivos efeitos legais: o documento público e o documento particular.

Documento público é o lavrado por servidor público, segundo suas atribuições e com as formalidades legais. Os documentos públicos podem ser emanados dos três entes do poder, Executivo, Legislativo ou Judiciário. Documento particular é o escrito emanado do interessado, ou interessados, sem a intervenção do oficial público.

A lei registral, Lei 6.015 de 31 de dezembro de 1.973, autoriza o registro dos documentos particulares em seu artigo art. 221, II, que determina que são admitidos a registro os ‘escritos particulares, autorizados em lei, assinados pelas partes e testemunhas, com as firmas reconhecidas, dispensado o reconhecimento quando se tratar de atos praticados por entidades vinculadas ao Sistema Financeiro da Habitação’”.

Ponto que merece observação refere-se à interpretação do art. 221, II, da Lei 6.015/73. Diante da redação do art. 221 do Código Civil de 2.002, houve quem defendesse a revogação do inciso II do art. 221 da Lei 6.015/73 quanto à exigência do reconhecimento de firmas. Prevalece amplamente, no entanto, o entendimento da indispensabilidade do reconhecimento das firmas, por se tratar de norma especial. Ademais, a dispensa aumentaria ainda mais a insegurança gerada pelo documento particular.

Note-se, ainda, que o art. 194 da Lei 6.015/73 determina que: “o título de natureza particular apresentado em uma só via será arquivado em cartório, fornecendo o oficial, a pedido, certidão do mesmo”.

O registrador deve qualificar rigorosamente os instrumentos particulares, atento que de seu acesso ao fólio real decorrem importantes efeitos, e que o título não teve a qualificação notarial.

6) A segurança jurídica fortalecida pelo instrumento público

Não obstante se possa afirmar que o instrumento público tem convivido pacificamente com o instrumento particular no Brasil, tal convivência decorre da permissividade imposta pela legislação, ao admitir a contratação por instrumento particular sem avaliar suas consequências. A convivência pacífica, entretanto, não significa que os instrumentos particulares contribuam para a paz social e a segurança jurídica no mesmo patamar que os instrumentos públicos. À evidência não têm como fazê-lo.

A utilização exclusivamente do instrumento público para as contratações relativas a direitos reais sobre imóveis certamente reduziria o número de fraudes e de litígios em juízo.

A conclusão a que se chegou em Lima, dando azo à edição da conclusão mencionada no início deste texto, é indiscutível: a autenticidade dos documentos públicos coadjuva a segurança jurídica dos Registros.

Sérgio Jacomino, digno registrador da capital do Estado de São Paulo, afirma sobre os documentos particulares:

“Como registrador imobiliário na Capital de São Paulo, posso testemunhar o enorme, o continental equívoco que foi a utilização, em larga escala, dos documentos privados para instrumentalizar transações imobiliárias – notadamente a partir da década de 30, com o advento do Decreto-Lei 58, de 1937. (Na verdade, a onda privatista é muito mais antiga. E leva impressivas tintas tropicais. Um Alvará de D. Maria I, em mais um dos seus devaneios, com o príncipe D. João à frente do governo, datado de 30 de outubro de 1793, confirmará o ‘costume do Brazil acerca do valor dos escriptos particulares e provas por testemunhas’). Na circunscrição que delimita as áreas centrais de São Paulo – região que se acha sob minha responsabilidade – a irregularidade imobiliária campeia. Sua ocorrência é simplesmente acachapante. Estamos acostumados a pensar nas iniciativas de regularização fundiária de áreas invadidas e nos esquecemos da irregularidade que se forma tão-só pela péssima contratação privada, que não encontra, em regra, guarida nos Registros Públicos por vícios ou imperfeições materiais ou formais. São promessas de compra-e-venda, cessões, promessas de cessão, numa fieira impressionante, a demandar a adoção da técnica do trato sucessivo abreviado de empréstimo dos espanhóis. O adquirente se vê diante do drama de agitar uma custosa ação de usucapião ou uma ação de obrigação de fazer (adjudicação compulsória) para estabilizar os direitos reais com a respectiva inscrição”.

A experiência vivida na parte central da maior cidade do país deixa claro que a informalidade existente por todo o Brasil advém, em muitos casos, da imperfeição da contratação, e do afastamento do tabelião do momento da lavratura do instrumento. A irregularidade fundiária tem início na contratação mal feita.

Sérgio Jacomino prossegue diagnosticando a patologia jurídica dos contratos privados:

“- São contratos volantes, que não encontram repouso num livro público. Estarão nos lugares mais insólitos. Ou perdidos nalgum escaninho esquecido – justamente quando deles mais necessitamos. Alguns estão em sites protegidos em algum lugar imponderável do cyber-space, prática que se tornou comum depois das violências perpetradas pela Polícia Federal em algumas bancas renomadas.

-São formados na obscuridade e para a opacidade. São como espíritos que muitos crêem não existirem. Atormentam a vida do Fisco e encarnam para obrar a maravilhosa lavanderia invisível dos trópicos.

- São contratos ‘partiais’ – i.e., representam uma das partes, já que se fazem sob a cura de um advogado ou de um simples corretor de imóveis que em regra são patrocinados por uma das partes contratantes. Imagine o interesse da corretagem na concretização do negócio.

- São contratos clandestinos e imperfeitos. São chamados a Juízo quando devem produzir seus efeitos.

- São contratos que acabam criando um pernicioso efeito de tropismo judicial. Chamado a resolver os intrincados problemas deles decorrentes, o Judiciário acaba relevando e socorrendo o contratante e de quebra criando uma jurisprudência leniente com a informalidade, desídia e clandestinidade jurídicas. Vale mais um contrato particular, do que uma hipoteca registrada. Esse fenômeno ocorre nestas plagas e certamente é motivo de escândalo internacional, embora se compreenda o sentido social ínsito.

- O contrato privado é muito mais caro. Não há controle público; os preços não são fixados por Lei. Quando muito, quando lavrados por advogados, os honorários são fixados em tabelas corporativas, onde impera a livre negociação, com fixação de piso que culmina píncaros da tabela notarial. O exemplo da contratação imobiliária assistida por advogados em São Paulo é assaz eloqüente: 2% do valor do imóvel”.

A doutrina estrangeira também nos mostra a importância do instrumento público. A Mestra Mónica Jardim, professora da Faculdade de Direito de Coimbra, Portugal, ao cuidar do movimento em favor da desformalização, assevera:

“Por outro lado, há quem defenda a desformalização como forma de evitar ao cidadão custos elevados. No entanto, se é esse o objetivo, antes de eliminar a exigência de forma, devemos perguntar. a) Pode ser mantida a forma a custos inferiores? b) Se for eliminada a forma, os juristas que passarem a redigir os contratos irão cobrar menos? c) Os custos de um futuro processo judicial não serão bem mais elevados? 3. Por último, há quem pretenda prescindir da forma para, assim, afastar o controle de legalidade efetuado pelo notário. As razões avançadas para recusar o controlo de legalidade efetuado pelo notário têm sido, ao que se sabe, duas. a) Por um lado, afirma-se que tal controle entorpece o desenvolvimento do comércio jurídico. Mas por que será assim? Não se limita o notário a cumprir a lei? É claro que sim. Então o problema é das exigências impostas pela lei, e há que ter coragem de o reconhecer, em vez de continuarmos a afirmar a bondade da lei em abstrato e a recusá-la nos casos em concreto. Mesmo porque, se o controle do notário for eliminado e a lei for mantida, e se os negócios passarem a ser celebrados contra a lei, mais tarde ou mais cedo os particulares verão os seus interesses – contrários à lei – serem postos em causa pelo registrador ou pelo juiz. E, obviamente, não será assim que se assegurará a celeridade do comércio jurídico”.

Prossegue a Mestra para dizer:

“Se a exigência de forma for eliminada, nem por isso o cidadão comum passará, subitamente, a saber redigir contratos. Conseqüentemente, passará a recorrer a outros juristas – solicitadores, advogados, assistentes, professores das faculdades de direito, etc. -, juristas esses que, esperamos, não aceitarão redigir contratos contrários à lei, continuando, assim, o duplo controle da legalidade. A função será mantida, o agente que a desenvolve é que passará a ser outro. Sendo assim, quem pretende a desformalização, caso pretenda que se continuem a redigir negócios conformes à lei, deve assumir que apenas quer mudar o agente. O que colocará a questão de saber por quê. Sobretudo quando se sabe que a função só é verdadeiramente desempenhada por alguém que seja imparcial em face das partes e que não tenha interesse perante um eventual conflito futuro”.

A indagação da Dra. Mónica Jardim ecoa: por que querem mudar o agente? A quem interessa? Com certeza não interessa à sociedade. Os cidadãos não têm qualquer benefício com o instrumento particular, mais caro, menos técnico, parcial, sem a segurança da conservação, sem o amparo da fé pública, instrumento de evasão fiscal e lavagem de dinheiro, mais suscetível a demandas judiciais, enfim, desvantajoso em todos os sentidos com relação à escritura pública.

Este texto, como se verifica, pode ser definido como o resultado de uma pesquisa, já que ao signatário não restou muito mais do que compilar opiniões abalizadas sobre o tema, que analisam com perfeição os pontos propostos, em uma sintonia expressiva entre profissionais com atuação em áreas diversas do direito, um tabelião, Professor João Teodoro, um registrador, Dr. Sérgio Jacomino, e uma professora, Mestra Mónica Jardim.

Reafirmamos que a conclusão da declaração de Lima está correta, o instrumento público coadjuva a segurança jurídica dos registros; e que os instrumentos particulares, ao acessarem o registro imobiliário exigem uma qualificação mais cautelosa, por todas as vicissitudes apontadas.

Fonte: Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza é Tabelião e Registrador - O gestor imobiliário