quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Condomínios: divulgação de nomes dos inadimplentes

Em quase todas as assembléias, sempre surge a pergunta sobre a inadimplência. Valores, nomes e unidades. E é muito comum o receio com uma ação de indenização por danos morais, quando se fala em publicar os nomes dos inadimplentes ou o número das unidades.

Em acórdão publicado (Ap. Cível nº 289.102-4/0-00), o Tribunal de Justiça de São Paulo, entendeu que a inclusão do nome do inadimplente, no demonstrativo de despesas, é perfeitamente possível: “a inserção do nome do autor ou de eventuais condôminos inadimplentes no demonstrativo mensal, ou como queiram balancetes enviados aos ocupantes do imóveis, com destaque individualizado das unidades condominiais em atraso não configura ilícito”. Para a Primeira Câmara do TJSP, trata-se de procedimento meramente administrativo, pois a administradora “tem a obrigação de prestar contas, e os demais condôminos têm o direito de saber a respeito da saúde financeira do prédio e quem não vem cumprindo com suas obrigações”.

Este acórdão é muito interessante, porque esclarece, ainda, que “assim, todos os moradores do edifício são partes legítimas e diretamente interessadas em saber se os demais condôminos estão honrando com seus compromissos condominiais, porque se tal não ocorrer eles sofrerão diretamente com eventual inadimplência, seja pela cobrança de terceiros ou de empregados ou até mesmo com a desvalorização do apartamento por ausência de conservação e regular manutenção do prédio. Não se trata de ingerência na vida privada do indivíduo, mas de direito de cada um daqueles que vive em uma comunidade restrita poder ficar sabendo o que exatamente se passa com o bem comum”.

Se a publicação do nome, desde que com o intuito de informar os demais condôminos, restrita ao condomínio, não dá origem à indenização por danos morais, a publicação do número das unidades, muito menos.

Encontramos inúmeros acórdão nesse sentido, entendendo que não é vexatório a administradora colocar, no balancete mensal, o número da unidade devedora.

Um bom exemplo desse entendimento é o acórdão datado de 1998 (Apelação Cível nº 036.633-4/1-00), cujo resumo é o seguinte: “Indenização – Dano Moral – Condomínio – Circular anexada junto ao quadro de avisos fornecendo relação de apartamentos em débito com condomínio. Divulgação feita pelo síndico em razão de deliberação manifestada em Assembléia Geral, mas que se restringiu ao âmbito da comunidade e aos círculos dos moradores do Edifício – Admissibilidade – Proprietários dos apartamentos tem o direito de saber a respeito da saúde financeira do imóvel. Inexistência de exagero ou ilícito a acolher pedido indenizatório reclamado na inicial. Inaplicabilidade de normas contidas no Código de Defesa do Consumidor face ao disposto na Lei nº 4.591/64 – Recurso Desprovido”.

Nossa opinião é de que, como as taxas condominiais recaem sobre as unidades autônomas, independentemente de quem seja seu proprietário, é preferível que as administradoras e os síndicos não coloquem os nomes dos proprietários, unicamente porque está sempre sujeito a alteração. Mas devem colocar os números das unidades e os valores, sempre, para que todos os outros integrantes da massa condominial saibam por quem estão pagando taxas maiores, a fim de que todas as contas (salários, encargos, manutenção etc.) possam ser saldadas durante o mês.

Não há o que preocupar, desde que o objetivo seja o de comunicar, a quem interessa, quem não está em dia com o pagamento das despesas condominiais.

E não se alegue que infringe o Código de Defesa do Consumidor, porque entre condôminos não há relação de consumo e, portanto, não se aplica o CDC.

Fonte: Licita Mais Condomínios

Playboy deve pagar R$ 17,5 mil por danos morais

Mesmo sem contestação do réu, a segunda instância pode rever o valor de indenização fixado em primeira instância. Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça manteve multa de R$ 17,5 mil à revista Playboy, da Editora Abril, por ter divulgado foto de advogada sem autorização. Em primeira instância, o juiz fixou a indenização em R$ 500 mil, como pediu a autora da ação. O Tribunal de Justiça de São Paulo reduziu o valor.

O caso trata da reportagem "10 coisas imperdíveis na noite de São Paulo". Segundo a advogada, o texto continha mensagem ofensiva a ela e às mulheres que frequentam determinada casa noturna. Por isso, entrou com ação por danos morais contra a Abril, que não se manifestou no momento oportuno, fazendo incidir a revelia. A ação foi julgada procedente e a condenação fixada em R$ 500 mil.

A Abril recorreu ao TJ de São Paulo, que diminuiu a multa para R$ 17,5 mil. A autora da ação foi ao STJ, alegando que a revelia foi ignorada pelo tribunal. Como a editora, segundo a autora da ação, não contestou as acusações, todas as alegações, bem como as referentes às condições econômicas das partes, devem ser tidas como fato verdadeiro. Isso impediria a redução do valor, de acordo com a argumentação da advogada.

No entanto, ao analisar o recurso no STJ, a relatora, ministra Nancy Andrighi, observou que a revelia não dispensa a comprovação das alegações. No caso, o TJ-SP reconheceu o não comparecimento da revista ao julgamento e confirmou a ocorrência do dano. Mas considerou a indenização exagerada e decidiu diminui-la. "Não foram negados os efeitos da revelia, apenas revisado o valor fixado", explicou.

Fonte: STJ

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Proposta aumenta para 20% multa por atraso de taxa de condomínio

A Câmara analisa o Projeto de Lei 650/11, do deputado Hugo Leal, que aumenta de 2% para 20% o valor máximo da multa pelo atraso no pagamento da taxa de condomínio.

“O problema do inadimplemento das obrigações condominiais é importante e tem sido praticamente ignorado pelas autoridades”, afirma o deputado. Ele diz que as ações de cobrança se arrastam por anos e que o baixo limite vigente para a multa estimula a continuação dos frequentes abusos.

Inadimplência

Segundo o deputado, a inadimplência aumentou após a entrada em vigor do novo Código Civil (Lei 10.406/02), que fixou o limite da multa em 2%. “Os devedores preferem efetuar o pagamento de outras dívidas, cujas penalidades são mais elevadas, ao invés de quitar os débitos de condomínio”, diz ele.

O deputado argumenta que o propósito do projeto é dar prioridade ao interesse coletivo em relação ao individual. “O condomínio é instituição sem fins lucrativos, na qual ocorre o rateio de despesas comuns para viabilizar o funcionamento do prédio. A inadimplência de qualquer condômino sobrecarrega os demais, de forma injusta”, afirma Hugo Leal. Não há, para ele, justificativa que a multa posta pela lei civil seja tão baixa.

Fonte: Câmara dos Deputados

Atraso de dois minutos no horário de comparecimento à audiência pode ser tolerado


Um ex-empregado do Pitágoras Sistema de Educação Superior Sociedade Ltda. chegou com dois minutos de atraso à audiência trabalhista na qual deveria prestar depoimento. Por essa razão, o juiz sentenciante aplicou-lhe a pena de confissão ficta, isto é, ele considerou verdadeiros os fatos alegados pela parte contrária. Inconformado com essa decisão, o trabalhador recorreu ao TRT. Ao analisar a questão, a 1ª Turma do TRT-MG acompanhou o entendimento do juiz convocado Cléber Lúcio de Almeida, segundo o qual pequenos atrasos podem ser tolerados pelo juiz de 1º grau, desde que não comprometam a realização das audiências designadas para o mesmo dia.

No caso, a audiência de produção de provas estava designada para o dia 2/2/10, às 11:30 horas. Às 11:31 horas daquele dia, a audiência foi encerrada, sendo o trabalhador considerado confesso em relação aos fatos narrados na defesa, apesar do seu comparecimento no local às 11:32 horas. Em seu voto, o relator observou que, de acordo com o entendimento expresso na Orientação Jurisprudencial 245 da SDI-1, do TST, não existe previsão legal tolerando atraso no horário de comparecimento da parte à audiência. "Nada impede, no entanto, que o juiz tolere pequenos atrasos, que não comprometam seriamente a realização das audiências designadas para o mesmo dia", completou. Outro ponto relevante a ser ressaltado, segundo o julgador, é o fato de que existe lacuna da lei em relação à eventual tolerância de atrasos das partes e, diante de uma lacuna, o juiz pode lançar mão da analogia para a solução da situação concreta a ser resolvida, o que permite aplicar ao atraso das partes o disposto no artigo 815 da CLT, desde que o atraso não seja prejudicial à realização das audiências. De acordo com esse dispositivo legal, se, até 15 minutos após a hora marcada para o início da audiência, o juiz ou presidente não tiver comparecido, os presentes poderão retirar-se, devendo o ocorrido constar no livro de registro.

No entender do magistrado, pode ser aplicado ao caso, também por analogia, o disposto no artigo 58, parágrafo 1º, da CLT, que considera justificáveis variações de horário que não ultrapassem cinco minutos, demonstrando que atrasos de cinco minutos não são sérios o suficiente para justificar a punição da parte. "É certo que não existe, como consta da citada Orientação Jurisprudencial, direito à tolerância de atrasos, o que, contudo, não impede que pequenos atrasos sejam tolerados. O atraso de dois minutos não justifica a penalização da parte, em especial quando não é demonstrada qualquer intenção de protelar o desenvolvimento do processo", finalizou o relator, dando provimento ao recurso do trabalhador para anular a decisão e determinar o retorno do processo à Vara de origem, para que seja realizada audiência de produção de provas e julgamento.

( 0001082-72.2010.5.03.0110 RO )

Fonte: TRT/MG

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

A Importância da Convenção no Condomínio


A Convenção é um dos documentos mais importantes dentro do condomínio, somente superado pela própria escritura do imóvel, tamanha é sua importância. Como se diz popularmente: “a Convenção é lei no Condomínio.”

Diz-se isto pois é nela que se insere, a par das Leis 4.591/64 e 10.406/02, todos os dispositivos legais que regem as relações jurídicas entre os condôminos. Deverá conter a discriminação das partes de propriedade exclusiva e as de condomínio, com especificações das diferentes áreas; a destinação das diferentes partes; o modo de usar as coisas e serviços comuns; encargos, formas e proporção das contribuições dos condôminos para as despesas de custeio e para as extraordinárias; o modo de escolher o síndico e o conselho consultivo; as atribuições do síndico, além das legais; g)a definição da natureza gratuita ou remunerada de suas funções; o modo e o prazo da convocação das assembléias gerais dos condôminos; o “quorum” para os diversos tipos de votações; a forma de contribuição para constituição do fundo de reserva; a forma e o “quorum” para as alterações da convenção; a forma e o “quorum” para a aprovação do regimento interno, quando não incluídos na própria convenção. (art. 9.º, §3.º , “a” a “m”, da Lei 4.591/64).

Quanto ao número de votos necessários para alterar a convenção, temos que, a alteração deve ser aprovada pelo “quorum” de 2/3 das frações ideais que compõem o condomínio, o que deverá ser feito em assembléia geral especialmente convocada.

Fonte: Departamento Jurídico do Secovi/PR

Turma decide que proventos de aposentadoria podem ser penhorados no limite


Para quitação de débitos trabalhistas, a penhora dos proventos de aposentadoria é justificada e pode ser realizada no limite de 30% do valor recebido pelo aposentado, mensalmente, até o pagamento integral da dívida. Esse foi o posicionamento adotado pelo desembargador Bolívar Viégas Peixoto e confirmado pela 3ª Turma do TRT-MG, que modificou parcialmente a sentença para determinar que prevaleça a penhora dos proventos de aposentadoria da sócia da empresa reclamada.

O ex-empregado sustentou que o seu crédito trabalhista possui natureza alimentar e privilégio sobre os demais proventos, inclusive de aposentadoria. A sócia da empresa alegou, em sua defesa, que é uma senhora de 80 anos que necessita dos valores relativos à sua aposentadoria para seu sustento e tratamento de saúde. Argumentou, ainda, que é sócia minoritária e, portanto, não poderia ver seus créditos serem penhorados para a satisfação do total da dívida trabalhista. Analisando a legislação pertinente, o desembargador explicou que, a partir da interpretação da regra contida no parágrafo 2º do artigo 649 do Código de Processo Civil, é possível afastar parcialmente a impenhorabilidade de salários e proventos de aposentadoria nos casos em que é necessário garantir o pagamento de prestação alimentícia.

Na visão do julgador, não se pode falar em proteger o salário - ou outro ganho da mesma natureza - de quem deve salário. "Neste sentido, o crédito trabalhista tem a mesma natureza da prestação alimentícia, sendo perfeitamente possível a aplicação desta disposição legal para garantir a quitação da dívida contraída por quem não foi capaz de gerir o empreendimento de forma a pagar a mão de obra da qual se utilizou, mas limitado a 30% do valor dos proventos pelo executado, mensalmente, até a integral satisfação do crédito", completou. Para o desembargador, a circunstância de se tratar de sócia minoritária é irrelevante no caso em questão, pois não há como limitar a responsabilidade às suas quotas, tendo em vista que foi desconsiderada a personalidade jurídica da reclamada.

Conforme explicou o relator, de acordo com a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, prevista no artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor, uma vez demonstrada a incapacidade financeira da sociedade de saldar os seus débitos, o sócio, ainda que não tenha figurado como parte na reclamação trabalhista, responde pelas obrigações descumpridas.

Acompanhando esse entendimento, a Turma deu provimento ao recurso do ex-empregado para afastar a ordem de liberação do bloqueio, limitando, contudo, a 30% do valor dos proventos da sócia da empresa reclamada.

( 0030400-28.2009.5.03.0016 AP )

Fonte: TRT/MG

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Empregada que teve nome no SERASA por débitos de tarifa de conta para recebimento de salário receberá indenização


Uma trabalhadora rural procurou a Justiça do Trabalho, dizendo que foi obrigada a receber seus salários por meio de depósito em conta corrente, a qual foi aberta pelo próprio empregador. Algum tempo depois, descobriu que seu nome havia sido incluído nos órgãos de proteção ao crédito, em razão de débitos gerados para a manutenção da conta corrente, pelo que pediu a condenação do dono da fazenda e do banco ao pagamento de indenização por danos morais. O pedido foi acolhido pelo juiz de 1o Grau. Isto porque o empregador admitiu ter sugerido o pagamento de salários por depósito bancário, por questão de segurança, transferindo os riscos do seu negócio à empregada. Já o banco foi condenado porque deixou de informar sobre a existência da conta salário, que não tem custos, nem tarifas.

Ambos os reclamados não se conformaram com a condenação, mas a 4a Turma do TRT-MG não lhes deu razão. Acompanhando a fundamentação da decisão de 1o Grau, o juiz convocado Antônio Carlos Rodrigues Filho ressaltou que não houve prova de que foi a reclamante quem providenciou a conta corrente, ganhando força a sua tese de que não autorizou a abertura. E, se não autorizou, não pode, mesmo, ter conhecimento dos termos do contrato e nem se pode exigir que tivesse encerrado a conta. Mesmo porque nunca houve depósito de valores, nem saque. Como não se valeu dos serviços bancários, não deve arcar com os encargos contratuais.

O magistrado chamou a atenção para a obrigação de os contratantes agirem sempre com base nos princípios da boa-fé e da lealdade, o que não aconteceu no caso. O empregador, além de descumprir o artigo 464, da CLT, que trata do pagamento dos salários, transferiu para a parte mais fraca, o trabalhador, os riscos de seu negócio. Se pretendia realizar o pagamento por depósito, deveria ter promovido a abertura de conta salário e não de conta corrente. O banco não só deixou de prestar informações à empregada, uma trabalhadora rural, como não promoveu o encerramento da conta bancária. A inclusão do nome da reclamante no Serasa, nesse caso, não se enquadra como exercício regular de direito, mas como efeito de um ato defeituoso, por culpa da própria instituição financeira.

Para o juiz convocado, não há dúvida de que a inclusão do nome da trabalhadora no SERASA, por culpa dos reclamados, fez nascer para ela o direito ao recebimento de indenização por danos morais. Por isso, o magistrado manteve a condenação ao pagamento das reparações, no valor de R$900,00, para o empregador e de R$3.000,00, para o banco, no que foi acompanhado pela Turma julgadora.

( 0111100-59.2009.5.03.0058 RO )

Fonte: TRT/MG

Juros maiores que 12% ao ano

Número do processo: 1.0024.08.151064-6/001

EMENTA: AÇÃO REVISIONAL - JUROS REMUNERATÓRIOS - LEI N°. 4.595/64 - NÃO RECEPÇÃO PELA CONTITUIÇÃO - INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA - CÓDIGO CIVIL E CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL - LIMITAÇÃO DO ENCARGO AO PATAMAR DE 12% AO ANO - CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS - ONEROSIDADE EXCESSIVA - COMISSÃO DE PERMANÊNCIA - NEGATIVAÇÃO DO NOME DO DEVEDOR - POSSIBILIDADE. - A discussão acerca da auto-aplicabilidade do art. 192, §3º da CR/88 restou superada, em razão da revogação do dispositivo pela Emenda Constitucional 40/2003 e, principalmente, pela edição da Súmula Vinculante n°. 7, segundo a qual o mencionado dispositivo tinha sua aplicação condicionada à edição de Lei Complementar. - Segundo o art. 192, caput da CR/88 - que não foi revogado, frise-se - o sistema financeiro nacional é "estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir os interesses da sociedade, em todas as partes que o compõem [...]". No mesmo sentido, dispõe o art. 170 da Constituição que a ordem econômica "tem por fim assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social [...]". Por fim, o art. 173, §4° prevê que "a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise [...] ao aumento arbitrário dos lucros". - A livre estipulação de juros não foi recepcionada pelo conjunto de princípios e normas contidas na Constituição da República. Isso porque o custo do crédito tem impacto direto na produção e circulação de riquezas, devendo se submeter a normas que estejam alinhadas aos objetivos constitucionais perseguidos pelo Estado. - Na ausência de norma específica acerca da limitação dos juros, aplica-se o Código Civil vigente na data da celebração do contrato. - Interpretando-se, conjuntamente, Código Civil de 2002 e Código Tributário Nacional, chega-se à conclusão de que o limite de juros compensatórios permitido pelo direito brasileiro, hoje, para todas as pessoas, inclusive instituições financeiras, permanece no patamar de 12% ao ano. - Conquanto admitida em lei a capitalização mensal de nos contratos celebrados por instituição financeira, não se deve admiti-la nas relações de consumo, porquanto gera excessiva onerosidade ao consumidor. - A comissão de permanência tem natureza jurídica híbrida. Ao mesmo tempo em que remunera o credor pelo capital emprestado, é instrumento de atualização do valor de compra da moeda e também de coação do devedor para que efetue o cumprimento da obrigação o mais rápido possível, na medida em que incide diariamente, majorando a cada dia o valor do débito. - A simples discussão do débito não pode ensejar a exclusão do nome do devedor dos órgãos de proteção ao crédito, sob pena de se dar guarida ao devedor que, apesar de reconhecer o débito, ajuíza ação revisional com o exclusivo intuito de evitar a negativação do nome dele (direito legítimo do credor).

APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0024.08.151064-6/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - APELANTE(S): BANCO CITICARD S/A - APELADO(A)(S): RAISSA LUCIO DE CARVALHO - RELATOR: EXMO. SR. DES. ELPÍDIO DONIZETTI

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 18ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador GUILHERME LUCIANO BAETA NUNES , incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, EM DAR PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO, VENCIDO O VOGAL PARCIALMENTE.

Belo Horizonte, 07 de julho de 2010.

DES. ELPÍDIO DONIZETTI - Relator

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14/06/2010

18ª CÂMARA CÍVEL

ADIADO

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0024.08.151064-6/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - APELANTE(S): BANCO CITICARD S/A - APELADO(A)(S): RAISSA LUCIO DE CARVALHO - RELATOR: EXMO. SR. DES. ELPÍDIO DONIZETTI

O SR. DES. ELPÍDIO DONIZETTI:

VOTO

Trata-se de apelação interposta à sentença que, nos autos da ação revisional de contrato ajuizada por Raissa Lucio de Carvalho em face de Banco Citicard S/A, julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na inicial.

Na sentença (f. 283-294), o juiz de primeiro grau entendeu possível o julgamento antecipado da lide, porquanto presentes elementos que permitem auferir o patamar dos encargos questionados pela autora. Salientou também a aplicabilidade do CDC ao caso vertente e a possibilidade de revisar cláusulas abusivas.

Quanto ao mérito, asseverou que os juros de 9,40% ao mês mostram-se excessivos, devendo ser reduzidos para 1% ao mês. Entendeu abusiva a cobrança de comissão de permanência cumulada com demais encargos de mora, limitando tal encargo à taxa média de juros remuneratórios praticada pelo mercado. Repudiou a prática do anatocismo e limitou a multa contratual ao patamar de 2%. Indeferiu o pedido de repetição do indébito e de condenação por danos morais. Ressaltou, contudo, a impossibilidade de incluir o nome da requerente no rol de inadimplentes.

Inconformado, o banco-réu interpôs recurso de apelação (f. 298-329), alegando, em síntese, que:

a) deve-se observar o teor da súmula vinculante nº 7, que trata da auto-aplicabilidade do art. 192, §3º da CR/88;

b) a autora tinha pleno conhecimento do teor das cláusulas contratuais ao receber seu cartão de crédito;

c) permite-se o anatocismo nos termos da MP 2.170;

d) não houve a cobrança de comissão de permanência cumulada com demais encargos;

e) deve-se permitir a inclusão do nome da autora nos cadastros de inadimplentes.

Nesses termos, pugna pela reforma da sentença.

A seu turno, a autora apresentou contra-razões (f. 337-364), nas quais infirma as teses contrárias e pugna pela manutenção da sentença.

Presentes os pressupostos de admissibilidade recursal, conheço da apelação.

Inicialmente, cabe salientar que não foi impugnada a aplicabilidade do CDC ao caso vertente, tão-pouco a possibilidade de o judiciário revisar cláusulas contratuais.

1 - DOS JUROS REMUNERATÓRIOS

Na sentença, o juiz de primeiro grau reputou abusiva a estipulação de juros de 9,40% ao mês, reduzindo-os ao patamar de 1% ao ano.

Inconformado, o apelante (banco réu) pugna pela aplicação da súmula vinculante nº 7 ao caso vertente. Salienta que não há que se falar em limitação dos juros remuneratórios, razão pela qual pugna pela reforma da sentença nesse ponto.

Inicialmente, vale observar que é inconteste nos autos a cobrança de juros superiores a 12% ao ano. Resta analisar, então, a legalidade dessa cobrança.

Pois bem. Para solucionar a questão atinente ao patamar de juros, necessário se faz, primeiramente, traçar um breve histórico da taxa de juros no ordenamento jurídico brasileiro.

Os juros compensatórios, também chamados remuneratórios, referem-se "aos interesses devidos como compensação pela utilização do capital alheio" (NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil anotado e legislação extravagante. 2. ed. revista e ampliada. São Paulo: RT, 2003. Nota 3 ao art. 406, p. 326). Sendo assim, aquele que celebra contrato de mútuo pode pactuar tais juros a fim de obter compensação pela indisponibilidade temporária do capital emprestado. Assevere-se bem que o fundamento dos juros remuneratórios é a compensação nos termos acordados entre as partes, o que não quer dizer autonomia da vontade plena, conforme se tratará abaixo.

Feita essa conceituação, deve-se passar ao histórico dos juros no ordenamento pátrio.

Em 1933, foi editado o Decreto 22.626 - Lei de Usura -, que vedava a estipulação, em quaisquer contratos, de taxas de juros superiores ao dobro da taxa legal (art. 1º). Tal dispositivo remonta ao art. 1.062 do revogado Código Civil de 1916, que trata da mencionada taxa legal, a saber: 6% ao ano. Sendo assim, por simples operação aritmética percebe-se a vedação, nos termos do mencionado decreto, da fixação de juros em patamar superior ao de 12% ao ano.

Ocorre que, em 31/12/1964, foi publicada a Lei 4.595, que dispôs sobre o sistema financeiro nacional, conforme se depreende de sua ementa - "dispõe sobre a Política e as Instituições Monetárias, Bancárias e Creditícias, Cria o Conselho Monetário Nacional e dá outras providências". Nos termos do art. 4o, inciso IX, da Lei 4.595/64, ficou estabelecido que:

"Art. 4º. Compete ao Conselho Monetário Nacional, segundo diretrizes estabelecidas pelo Presidente da República:

(...)

IX - Limitar, sempre que necessário, as taxas de juros, descontos comissões e qualquer outra forma de remuneração de operações e serviços bancários ou financeiros, inclusive os prestados pelo Banco Central da República do Brasil, assegurando taxas favorecidas aos financiamentos que se destinem a promover:

(...)"

Pela leitura do referido dispositivo, verifica-se que às instituições financeiras seriam aplicáveis as limitações de taxas de juros impostas pelo Conselho Monetário Nacional, o que se poderia até justificar ao argumento de que a dinamicidade do sistema financeiro exigiria um conjunto normativo específico a fim de acompanhar as bruscas alterações do mercado financeiro. Some-se a isso o fato de que a Lei 4.595/64 foi editada no início do regime militar, e, em tal contexto histórico, pensar-se em respeito aos chamados direitos fundamentais de primeira geração - direitos civis e políticos - deixava de ser uma das preocupações do governo, o que não se dirá, pois, do respeito aos direitos dos consumidores, mormente em face das gigantescas e poderosas instituições financeiras, todas, saliente-se, atreladas ao proscrito regime.

Em razão do advento da Lei 4.595/64, passou-se a entender que o limite de juros previstos na Lei de Usura não seria mais aplicável às instituições financeiras, em observância ao princípio da especialidade, segundo o qual, lei específica afasta a incidência da norma geral.

Na esteira de tal entendimento, foi editada, em 15 de dezembro de 1976, a Súmula 596, pelo Supremo Tribunal Federal, com a seguinte redação: "as disposições do Decreto 22.626 de 1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privados que integram o sistema financeiro nacional".

Com o advento da Constituição Federal de 1988, muitos entenderam que a Lei 4.595/64 não foi recepcionada pela nova ordem constitucional, notadamente em razão do disposto no art. 192, §3º, que assim dispunha:

"Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, será regulado em lei complementar, que disporá, inclusive, sobre":

§ 3o As taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar."

No entanto, passou-se a discutir se o mencionado art. 192 seria ou não autoaplicável, ou seja, se a Constituição Federal, por si só, teria ou não o condão de revogar a Lei 4.595/64. Como de conhecimento geral, sempre adotei o entendimento, minoritário é verdade, de que a norma constitucional era auto-aplicável.

No entanto, a discussão sobre a eficácia do art. 192, §3ªº restou superada em razão da revogação do dispositivo pela Emenda Constitucional 40/2003 e, principalmente, pela edição da Súmula Vinculante n°. 7, segundo a qual, o art. 192, §3º da CR/88 tinha sua aplicação condicionada à edição de Lei Complementar, lei esta que nunca existiu.

Entretanto, não obstante as recentes mudanças na disciplina jurídica do tema, a limitação de juros deve ser observada. Isso porque, de fato, o art. 4º, IX da Lei n°. 4.595/64 não foi recepcionado pela Constituição da República, o que decorre não apenas do art.192, §3º, mas principalmente em decorrência do novo paradigma constitucional inaugurado pela Carta de 1988. Senão vejamos.

A despeito das inúmeras vozes que proclamam a livre estipulação de juros pelas instituições bancárias - decorrente da ausência de limitação pela autoridade competente (art. 4º, IX da Lei n°. 4.595/64) -, diversos dispositivos constitucionais apontam em sentido contrário.

Vivemos em um Estado que tem como fundamentos, entre outros, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º da CF) e, como fins, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, e a promoção do desenvolvimento nacional e do bem comum (art. 3º da CF). Tais preceitos aplicam-se também à ordem econômica, por força do disposto no art. 170 da CF. Aliás, um dos objetivos da ordem econômica é justamente assegurar aos indivíduos existência digna, conforme os ditames da justiça social.

Acrescente-se também que, segundo o art. 192, caput da CR/88 - que não foi revogado, destaque-se - o sistema financeiro nacional é "estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir os interesses da sociedade, em todas as partes que o compõem [...]". No mesmo sentido, prevê o art. 173, §4° que "a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise [...] ao aumento arbitrário dos lucros".

Cumpre observar que, na moderna ordem constitucional, reconhece-se a incidência dos direitos e garantias fundamentais também às relações privadas (entre os particulares), culminando na chamada eficácia horizontal dos direitos fundamentais1.

No entanto, a livre estipulação dos juros nos contratos bancários (de natureza privada ou pública) acaba por contrariar toda a principiologia adotada no texto constitucional de 1988. Isso porque a concessão de crédito pelas instituições bancárias, e os custos respectivos, possui impacto direto na produção e circulação de riquezas, devendo, por conseguinte, se submeter a normas que estejam alinhadas aos objetivos constitucionais que devem ser perseguidos pelo Estado, os quais podem ser sintetizados em uma única premissa: assegurar a todos uma existência digna.

Nesse ponto, cabe lembrar que o spread bancário - diferença líquida entre a taxa cobrada pelos bancos ao disponibilizar capital e os juros pagos ao captar recursos no mercado - no Brasil é o maior do mundo, conforme apurado pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial2. Resta evidente o desequilíbrio econômico oriundo da ausência de regulamentação, ainda mais se considerarmos a estabilidade econômica do País na última década.

Ademais, segundo o art. 5°. da Lei de Introdução ao Código Civil, o juiz, na aplicação da lei, atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. Ora, a cobrança de juros elevados, sem qualquer limitação, aumenta o custo do crédito, o que inibe o consumo e a produção, conseqüências manifestamente contrárias aos objetivos eleitos pelo constituinte.

Diante do exposto, não há como considerar compatível com a ordem constitucional vigente a livre estipulação dos juros, razão pela qual o art. 4º, IX da Lei 4.595/64 não foi recepcionado pela Constituição da República. Assim, torna-se irrelevante a questão da aplicabilidade do art. 192, §3º da CR/88, e, via de conseqüência, a aplicação da Súmula Vinculante n°. 7.

Na ausência de norma específica acerca do patamar de juros que poderão ser aplicados nos contratos bancários após a revogação do §3° do art. 192, é de se aplicar as disposições do Código Civil, norma geral aplicável as relações privadas.

Nos termos do art. 591 do CC/02 (aplicável ao caso, uma vez que o contrato fora celebrado em 2006), os juros compensatórios pactuados nos contratos de mútuo não podem exceder a taxa a que se refere o art. 406 do referido diploma legislativo.

O artigo 406, por sua vez, estabelece que os juros moratórios legais devem ser fixados conforme a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.

Entende-se que a referida taxa é a mencionada no art. 161, § 1o, do CTN, a saber: 12% ao ano, conforme Enunciado nº 20 da Jornada de Direito Civil realizada pelo Superior Tribunal de Justiça sob a coordenação científica do Min. Ruy Rosado de Aguiar Júnior.

Interpretando-se, conjuntamente, Código Civil de 2002 e Código Tributário Nacional, chega-se à conclusão de que o limite de juros compensatórios permitido pelo direito brasileiro, hoje, para todas as pessoas, inclusive instituições financeiras, permanece no patamar de 12% ao ano.

Frise-se que a limitação de juros igualitária, tal qual prevista na legislação brasileira, não afronta de forma alguma a dinamicidade exigida no sistema financeiro nacional, muito pelo contrário, trata-se de juros que, em uma economia estável, podem ser considerados bastante razoáveis.

Ademais, essa limitação única, englobando tanto as instituições financeiras quanto os demais mutuantes, nada mais é do que o reconhecimento dos princípios da isonomia e da razoabilidade. Afigurar-se-ia incoerente privilegiar os bancos, que possuem muito mais capital para disponibilizar aos mutuários, em detrimento daqueles que não detêm tal poderio econômico.

Não se pretende dizer que o direito contratual perdeu sua feição privada, ou que se publicizou, mas sim que, à luz do direito moderno e privilegiando-se a eficácia horizontal dos direitos fundamentais, a autonomia da vontade continua válida, desde que esteja dentro de certas limitações cogentes, sob pena, até mesmo, de se desvirtuar o fundamento contratual, impedindo a circulação de riquezas e propiciando a concentração destas.

Com tais razões, deve-se manter a sentença nesse ponto.

2 - DO ANATOCISMO

O banco apelante sustenta que as instituições financeiras estão autorizadas a cobrar juros capitalizados.

Como se sabe, a capitalização de juros significa juros compostos, em contraposição aos chamados juros simples. A diferença entre essas duas formas de calcular a incidência de juros é que, nos juros compostos, há a incorporação dos juros ao capital ao final de cada período de contagem, ao passo que, nos juros simples não ocorre tal incorporação. É a lição de Bruno Mattos e Silva:

"O que são juros simples? Juros simples são aqueles que incidem apenas sobre o principal corrigido monetariamente, isto é, não incidem sobre os juros que se acrescentem ao saldo devedor. Vale dizer, assim, que os juros não pagos não constituem a base de cálculo para a incidência posterior de novos juros simples. E o que são juros compostos? Juros compostos são aqueles que incidirão não apenas sobre o principal corrigido, mas também sobre os juros que já incidiram sobre o débito. Como se pode perceber, capitalização dos juros pode, matematicamente, ocorrer mês a mês, semestralmente, ano a ano, etc" (MATTOS E SILVA, Bruno. Anatocismo legalizado: a medida provisória beneficia as já poderosas instituições financeiras. In: www.direitobancario.com.br, 1/7/2001)."

Feita essa breve conceituação, é necessário realizar um pequeno retrospecto histórico para melhor compreender o atual tratamento dado à matéria.

O Código Civil de 1.916 foi um dos primeiros diplomas legais a tratar da matéria, permitindo livremente a pactuação de juros capitalizados (art. 1.262).

Todavia, o mencionado artigo do CC/16 foi revogado pela Lei de Usura (Decreto nº 22.626/33), que dispõe em seu artigo 4º que "é proibido contar juros dos juros; esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano". Assim, o Decreto nº 22.626/33 adotou posição mais restritiva em relação ao CC/16, permitindo, apenas como exceção, a capitalização anual de juros.

Seguindo essa linha restritiva, o STF editou, em 1.963, a Súmula nº 121, com a seguinte redação: "É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada".

Em 1.964 foi promulgada a conhecida Lei 4.595/64, que, entre outras várias disposições, determinou que às instituições financeiras seriam aplicáveis as limitações de taxas de juros impostas pelo Conselho Monetário Nacional. Ocorre que, ainda que se entenda que a Lei 4.595/64 tenha derrogado a Lei da Usura no tocante ao limite da taxa de juros para instituições financeiras, o mesmo entendimento não prevalece com relação à capitalização de juros, uma vez que o art. 4º, IX, da referida lei faz menção apenas à limitação de taxa de juros, e não à forma de cálculo de juros. Assim, não houve revogação, pela Lei 4.595/64, da norma geral constante do Decreto nº 22.626/33.

Em 31/3/2000, porém, foi editada a Medida Provisória nº 1.963-17, que dispunha, em seu art. 5º, caput, que, "nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano".

Tal medida provisória foi reeditada diversas vezes, mantendo-se, em todas as reedições, a redação integral do caput do art. 5º. Com a publicação da Emenda Constitucional nº 32/2001, acabou-se dando força de lei a tal disposição, que se encontrava em vigor, em razão da Medida Provisória nº 2.170-36, de 24/8/2001.

Ante a inexistência de outra medida provisória ou lei revogando explicitamente a Medida Provisória nº 2.170-36, assim como de deliberação do Congresso Nacional a esse respeito, há de se reconhecer que subsiste no ordenamento jurídico brasileiro, desde 31/3/2000, permissão para que as instituições financeiras pactuem juros capitalizados com periodicidade inferior a um ano.

Saliente-se que o novo Código Civil não revogou o tratamento dado à matéria pelo Decreto nº 22.626/33 nem pela Medida Provisória nº 2.170-36, visto que apenas estabelece que, em se tratando de contrato de mútuo, é permitida a capitalização anual de juros (art. 591, in fine).

Assim, conclui-se que a capitalização de juros é, em princípio, vedada pelo ordenamento jurídico brasileiro (regra geral constante do Decreto nº 22.626/33). Permite-se, porém, que se pratiquem juros capitalizados em algumas situações específicas, como ocorre nas cédulas de crédito bancário (Lei 10.931/04), nos contratos celebrados por instituições financeiras e no caso da capitalização anual prevista expressamente no novo Código Civil (art. 591, in fine).

No caso sob julgamento, verifica-se que, por se tratar de contrato celebrado por administradora de cartão de crédito - pessoa jurídica equiparada às instituições financeiras -, dever-se-ia, em princípio, admitir a capitalização de juros em períodos inferiores a um ano.

Todavia, por estarmos diante de relação de consumo, não se pode admitir tal prática, haja vista que o consumidor, em razão da sua manifesta vulnerabilidade, não tem condições de se manifestar em sentido contrário à imposição, por meio de contrato de adesão, de uma prestação que, ao fim, tornar-se-á extremamente onerosa.

Saliente-se, ainda, que a capitalização mensal de juros implica evolução exponencial da dívida, onerando de forma excessiva o consumidor. Desse modo, ainda que, em regra, não exista restrição legal para a pactuação de juros capitalizados nas cédulas comerciais, deve-se considerar que, nos termos do art. 51, § 1º, III, do CDC, a capitalização de juros em períodos inferiores a um ano é cláusula nula de pleno direito nos contratos de consumo.

Dessa forma, deve-se manter a sentença também nesse ponto.

3 - DA COMISSÃO DE PERMANÊNCIA

Em diversas oportunidades repudiei fortemente também o embuste conhecido como comissão de permanência.

Na sentença o juiz de primeiro grau permitiu a incidência de comissão de permanência limitada à taxa de mercado, seja ela qual for.

Ocorre que apenas a instituição financeira recorreu da decisão, o que impossibilita a aplicação do meu entendimento ao caso concreto, uma vez que configuraria reformatio in pejus. Dessa forma, deve-se manter a sentença que limitou o referido encargo À taxa média de mercado.

4 - DA POSSIBILIDADE DE INCLUSÃO DO CONSUMIDOR INADIMPLENTE NOS CADASTROS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO

O simples ajuizamento de ação revisional, por si só, não elide a exigibilidade da dívida e, por conseqüência, a mora do devedor. Para tanto, deveria a apelada ter providenciado o depósito judicial do montante incontroverso, o que não ocorreu no caso dos autos.

Nesse sentido:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. AJUIZAMENTO ANTERIOR DE AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO. MORA QUESTIONADA. AUSÊNCIA DE DEPÓSITO DO MONTANTE INCONTROVERSO. CONEXÃO. AFASTADA. LIMINAR MANTIDA. o ajuizamento de ação revisional de contrato, ainda que anterior à busca e apreensão não obsta a manutenção do deferimento da liminar nesta, quando o autor daquela sequer demonstrou ter depositado em juízo o valor que entende incontroverso, de forma a demonstrar sua boa-fé contratual, ou mesmo o principal do débito. conquanto a conexão possa ser suscitada de ofício pelo julgador, antes da formação do contraditório na ação de busca e apreensão não é possível aferir sua identidade com a ação revisional, porque é insuficiente a causa remota consubstanciada no contrato de financiamento, havendo de ser analisada a similitude de defesa. (tj-mg- agravo n° 1.0024.06.191063-4/001, relator: afrânio vilela, julgamento: 13/12/2006, grifos lançados)

REVISÃO DE CONTRATO. DEPÓSITO DE VALOR QUE ENTENDE DEVIDO. POSSIBILIDADE. INCLUSÃO DO NOME DO DEVEDOR EM ORGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. PROIBIÇÃO. Estando sub judice a legalidade do débito, realizado o depósito do valor incontroverso ou efetivada a prestação de caução idônea nos autos, considera-se elidida a mora, ficando a instituição financeira impedida de incluir ou de manter o nome do autor em órgãos de proteção ao crédito, enquanto pender a demanda. V.v.: Para a concessão da tutela antecipada é necessário além do fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, prova inequívoca capaz de impingir no magistrado o juízo de verossimilhança da alegação do autor, ausente tal requisito deve o MM. juiz indeferir a medida pleiteada. (TJ-MG- AGRAVO N° 1.0707.06.123806-9/001, Relator: Duarte de Paula, julgamento: 14/02/2007, grifos lançados)

Assim, não há empecilho à negativação do nome da apelada, caso se verifique que, não obstante a revisão das cláusulas contratuais, se encontre inadimplente.

Desse modo, deve-se reformar a sentença nesse ponto, para permitir que o banco apelante inclua o nome da apelada nos cadastros de inadimplentes.

5 - CONCLUSÃO

Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação, apenas para possibilitar ao apelante a inclusão do nome da apelada nos cadastros de inadimplentes.

Face à reforma mínima da sentença, custas recursais ao apelante.

O SR. DES. FABIO MAIA VIANI:

VOTO

De acordo com o Des. Relator.

O SR. DES. ARNALDO MACIEL:

VOTO

Peço vista.

SÚMULA : O DES. RELATOR E O DES. REVISOR DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO, O DES. VOGAL PEDIU VISTA.

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NOTAS TAQUIGRÁFICAS

O SR. DES. PRESIDENTE:

O julgamento deste feito foi adiado na sessão anterior, a pedido do Des. Vogal, quando, então, os Desembargadores Relator e Revisor davam provimento parcial ao recurso.

O SR. DES. ARNALDO MACIEL:

VOTO

Peço vênia ao eminente Relator, Desembargador Elpídio Donizetti, para divergir do seu judicioso voto, tão somente no que tange à limitação dos juros remuneratórios, pois a despeito de haver grande controvérsia acerca do assunto, entendo que não há previsão legal atual capaz de impor tal limitação, mas sendo oportuno, a priori, tecer algumas considerações.

Os juros remuneratórios são aqueles que remuneram diretamente o capital emprestado, compensando o credor pela privação do seu uso e pelo risco de não recebê-lo de volta, sendo geralmente pactuado nos contratos de mútuo financeiro, com o objetivo de restituir o mutuante pela indisponibilidade temporária do capital cedido.

Em que pesem os entendimentos voltados para a possibilidade de limitação dos juros remuneratórios ao percentual de 12% ao ano, com fundamento no art. 192, inciso VIII e §3º da CF/88 e no Decreto 22.626/33, fato é que nenhum desses dispositivos aplicam-se atualmente.

Isso porque, além de o inciso VIII e o §3º, do artigo 192 da CF/88, terem sido revogados pela Emenda Constitucional nº 40, de 29/05/2003, o caput do supramencionado artigo tinha sua aplicação condicionada à edição de lei complementar que o regulamentasse, mas o que de fato não ocorreu.

É o que dispõe a Súmula 648 do STF:

"A norma do § 3º do art. 192 da Constituição, revogada pela EC 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicabilidade condicionada à edição de lei complementar".

É verdade que o Decreto 22.626/33, conhecido como a Lei de Usura, em seu art. 1º, dispõe sobre a vedação da estipulação de juros contratuais superiores ao dobro da taxa legal, o que, em princípio, fundamentaria a tese da limitação em análise.

No entanto, no ano de 1964, foi editada a Lei 4.595, que passou a disciplinar de forma especial o Sistema Financeiro Nacional e suas instituições, e afastou a aplicabilidade do Decreto supracitado no tocante à limitação dos juros, ao atribuir expressamente ao Conselho Monetário Nacional poderes normativos para limitar referidas taxas em operações e serviços bancários ou financeiros.

Oportuno ainda salientar que a limitação tratada pela mencionada lei restringiu-se aos contratos de crédito rural e similares, como se depreende do inciso IX, de seu art. 4º, ficando as taxas de juros cobradas pelas instituições bancárias ou financeiras, em seus demais negócios jurídicos, subordinadas ao contrato celebrado entre as partes e às regras de mercado.

Tal conclusão encontra-se inclusive sumulada pelo STF:

"Súmula 596. As disposições do Decreto 22.626/1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o Sistema Financeiro Nacional."

Oportuno ainda citar jurisprudência do STJ sobre o tema:

"AGRAVO REGIMENTAL - JUROS BANCÁRIOS - LIMITAÇÃO - INEXISTÊNCIA - LEI DE USURA - CAPITALIZAÇÃO DOS JUROS - PREQUESTIONAMENTO - AUSÊNCIA - ARTS. 5º, LIV E LV, E 192, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - IMPERTINÊNCIA - IMPROVIMENTO. I. A questão da taxa de juros já se encontra pacificada nesta Corte, sendo certo que, no mútuo bancário comum não se aplica a limitação dos juros em 12% ao ano, prevista no Decreto 22.626/33. II. O tema relativo à capitalização dos juros não foi prequestionado, mesmo com a oposição de embargos de declaração. Incidência da Súmula 211/STJ. III. No que diz respeito à violação do artigo 5º, incisos LIV e LV, e 192, § 3º, da Constituição Federal, foge do campo do recurso especial. Agravo improvido". (STJ, 3ª T., AgRg no REsp 598884 / MG, Agravo Regimental no Recurso Especial 2004/0050544-0, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. 05/08/2008, p. 22/08/2008).

No mesmo sentido é o entendimento deste Tribunal:

"Bancárias - Capitalização de juros - Expressa previsão legal - Possibilidade - Súmula 121 do STF - Jurisprudência do STJ - Comissão de permanência - Cumulação com multa e juros - Ilegalidade - Preliminares rejeitadas, primeiro recurso não provido e segundo parcialmente provido. Não é nula a execução por iliqüidez do título se o acertamento do quantum debeatur do título executivo depende de simples cálculo aritmético. O vencimento da obrigação líquida e certa, no seu termo, autoriza a propositura da ação de execução independentemente de prévia notificação. A limitação de juros não pode ser imposta às instituições bancárias, vez que o artigo 192, § 3º, da CF, foi revogado pela EC n.º 40 e as disposições do Decreto 22.626/33 não são aplicáveis às operações financeiras, devendo prevalecer o índice pactuado entre as partes. Não são abusivos os juros remuneratórios de 2,95% ao mês.Havendo previsão contratual, admite-se a capitalização de juros em contratos bancários.É admitida a incidência da comissão de permanência após o vencimento da dívida, desde que não cumulada com juros e multa moratória" (TJMG, 12ª C. CÍV., AC Nº 1.0024.03.998449-7/001(1), REL. DES. JOSÉ FLÁVIO DE ALMEIDA, J. 01/08/2007, P. 18/08/2007).

(GRIFADO)

Ademais, de suma importância registrar que sequer seria cabível a aplicação, à hipótese, do art. 591 c/c o art. 406, ambos do CC/2002.

Isso porque o STF já solidificou o entendimento de que a Lei 4.595/64 foi recepcionada como lei complementar, considerando-se que a Constituição Federal determina que o sistema financeiro nacional deve ser unicamente regulamentado por norma dessa natureza, não sendo admissível que o simples formalismo do processo legislativo, cujo rito é diferente para a edição de lei ordinária, seja capaz de desqualificar o seu caráter de norma complementar, conforme decisões já proferidas pelo Plenário daquele Tribunal.

Do acima exposto, pode-se concluir que a Lei 4.595/64, que deixa livre a estipulação de juros, aplica-se aos contratos de mútuo bancário, aos quais não há que se falar na incidência da limitação prevista no art. 591 do CC/2002, porquanto tal dispositivo limita-se a tratar dos contratos de mútuo civil, inclusive conforme o entendimento mais recente do STJ, que abaixo se transcreve:

COMERCIAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATOS DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA CORRENTE E DE EMPRÉSTIMO PESSOAL. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULAS N. 282 E 356/STF. JUROS. LIMITAÇÃO (12% AA). LEI DE USURA (DECRETO N. 22.626/1933). NÃO INCIDÊNCIA. APLICAÇÃO DA LEI N. 4.595/1964. DISCIPLINAMENTO LEGISLATIVO POSTERIOR. SÚMULA N. 596-STF. INEXISTÊNCIA DE ONEROSIDADE EXCESSIVA. CONTRATO BANCÁRIO FIRMADO POSTERIORMENTE À VIGÊNCIA DO NOVO CÓDIGO CIVIL. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. CABIMENTO. CC, ARTS. 591 E 406. I. Carente de prequestionamento tema objeto do inconformismo, a admissibilidade do recurso especial, no particular, encontra óbice nas Súmulas n. 282 e 356 do STF. II. Inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do novo Código Civil. III. Outrossim, não incide, igualmente, a limitação de juros remuneratórios em 12% ao ano prevista na Lei de Usura aos contratos de abertura de crédito. IV. Admite-se a repetição do indébito de valores pagos em virtude de cláusulas ilegais, em razão do princípio que veda o enriquecimento injustificado do credor. V. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, parcialmente provido. (REsp 680.237/RS, Rel. Ministro Aladir Passarinho Júnior, Segunda Seção, julgado em 14.12.2005, DJ 15.03.2006, p. 211)

Não bastasse, imperioso ressaltar que em outubro de 2008 o STJ, ao julgar o Recurso Especial de nº 1.061.530/RS (publicado no DJe de 10/03/2009), elegeu-o, nos termos da sistemática prevista no art. 543-C do CPC, como recurso representativo da controvérsia envolvendo a limitação dos juros remuneratórios e firmou orientação no sentido de que as instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (conforme Súmula 596 do STF); de que a estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano não indica, por si só, abusividade; de que não se aplicam as disposições do art. 591 c/c 406 do CC/2002 aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário; bem como de que é admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade fique cabalmente demonstrada.

Diante de tais considerações, resta clara a impossibilidade de limitação dos juros remuneratórios, em contratos de mútuo bancário, à taxa de 12% ao ano, medida que poderia até mesmo inviabilizar a própria movimentação do mercado econômico/financeiro, em função da inevitável insegurança que teriam as instituições financeiras em celebrar contratos de empréstimo com particulares, frente à possibilidade de ver as cláusulas consensualmente pactuadas serem modificadas de modo a sempre beneficiar o mutuário, solução que iria totalmente de encontro ao princípio do pacta sunt servanda.

Nada obstante, considerando-se inclusive o grande poder atribuído às instituições financeiras na estipulação de taxas e demais encargos, imperioso que seja considerado o equilíbrio contratual, de modo a afastar a possibilidade de cobranças abusivas e, via de consequência, lesivas ao consumidor, situação em que, inegavelmente, deverão incidir as regras consumeiristas, nos moldes da Súmula 297 do STJ.

Se por um lado devem ser respeitadas as cláusulas consensualmente pactuadas, certo é que, por outro, deve-se reconhecer a necessidade de proteção do mutuário, parte hipossuficiente da relação, nas hipóteses de cobranças claramente abusivas, mas abusividade esta que deverá ser comprovada pelo interessado, conforme entendimento já consolidado pelo STF:

Súmula 382. A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade.

Da análise dos documentos acostados aos autos, depreende-se que os juros cobrados foram fixados em 9,40% ao mês, taxa esta praticada segundo a média de mercado nas operações desta espécie, não havendo que se falar em abusividade dos juros remuneratórios pactuados entre as partes.

Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso, divergindo tão somente no que pertine à limitação dos juros remuneratórios, os quais deverão ser mantidos no percentual contratado.

Como houve sucumbência recíproca, mas em maior proporção pela apelada, condeno as partes no pagamento das custas e despesas processuais de ambas as instâncias, bem como nos honorários advocatícios que fixo em 15% (quinze por cento) do valor da condenação, tocando 70% (setenta por cento) de todas estas despesas para a apelada e 30%, (trinta por cento) para o apelante, ficando a respectiva cobrança suspensa em relação a primeira por litigar sob o pálio da assistência judiciária.

SÚMULA : DERAM PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO, VENCIDO O VOGAL PARCIALMENTE.


Fonte: TJMG

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Rescisão de contrato de compra e venda de imóveis e indenização por atraso na entrega de obra

Número do processo: 1.0024.05.822242-3/002

EMENTA: RESCISÃO DE CONTRATO. PROMESSA DE COMPRA E VENDA.. ATRASO NA ENTREGA DA OBRA. CASO FORTUITO. NÃO OCORRÊNCIA. NEGLIGÊNCIA . DEVOLUÇÃO INTEGRAL DOS VALORES PAGOS . RETENÇÃO DE PERCENTUAL . INCABÍVEL . DANOS MORAIS .INDEVIDOS - JUROS MORATÓRIOS - TERMO INICIAL- CITAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. - PARÁGRAFO 1º DO ART. 11 DA LEI 1060/50 - INAPLICABILIDADE. Não tendo o imóvel sido entregue na data pactuada, por culpa do fornecedor, este deve ser responsabilizado pela rescisão do contrato.- Não há que se falar na retenção de percentual sobre os valores já pagos pelos promitentes compradores, a título de multa, quando a rescisão ao contrato ocorre em virtude da conduta negligente da construtora. O inadimplemento de contrato de promessa de compra e venda pelo vendedor, por si só, não gera direito à indenização por danos morais em caso de rompimento do pacto, pois não traz dor, humilhação ou lesão à esfera íntima da parte, configurando meros dissabores e aborrecimentos. A incidência de juros moratórios nas parcelas a serem devolvidas devem incidir a partir da citação. O estatuído no §1º do art. 11 da Lei 1060/50 não se encontra mais em vigor desde a publicação da Lei 8906/94, segundo posicionamento do STJ.

APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0024.05.822242-3/002 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - APELANTE(S): CONSTRUTORA TENDA S.A. - APELADO(A)(S): MAURO LUCIO DOS SANTOS - RELATOR: EXMO. SR. DES. RENATO MARTINS JACOB

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 14ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM DAR PROVIMENTO PARCIAL.

Belo Horizonte, 15 de março de 2007.

DES. RENATO MARTINS JACOB - Relator

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

O SR. DES. RENATO MARTINS JACOB:

VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto pela CONTRUTORA TENDA S.A., contra a respeitável sentença de fls. 101/102 que, nos autos da ação de resolução de contrato de compra e venda c/c indenização de danos morais, com pedido de tutela antecipada, ajuizada por MAÚRO LÚCIO DOS SANTOS, julgou procedente os pedidos iniciais, confirmando a liminar deferida, declarando rescindido o contrato e condenando a empresa requerida a devolver os valores pagos pelo autor, acrescidos de juros de mora de 0,15% ao dia e multa de 2% por parcela, nos termos do contrato, consignando a multa de R$ 50,00 (cinqüenta reais) por dia para caso de descumprimento da decisão, a partir do 5º dia do trânsito em julgado.

O douto Sentenciante condenou a ré, ainda, no pagamento de danos morais no valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais).

Como corolário, condenou a construtora Tenda S/A no pagamento das custas processuais e honorários advocatício fixados em 20% sobre o valor a ser devolvido.

Foram interpostos embargos de declaração pela CONSTRUTORA TENDA S/A, que foram rejeitados pela decisão de fls. 117.

Inconformada, a apelante alega que o atraso na entrega do imóvel se deu em face da ocorrência de diversas chuvas que ocasionaram o deslizamento de terra no local das obras para terrenos vizinhos.

Esclarece que apesar de todo esforço empenhado para contornar a situação causada pelas chuvas, o tempo despendido para reverter o quadro instalado ultrapassou o esperado, já que não havia como prever que tais chuvas pudessem causar tantos estragos.

Aduz que em momento algum, furtou-se de sua obrigação de construir, se portando de maneira respeitosa e profissional diante de seus clientes, e, portanto, não pode responder por fatos imprevisíveis e alheios à sua vontade.

Argumenta que não pode ser responsabilizada por evento resultante de força maior, o que, por si só, afasta o dever de indenizar.

Assevera que o ocorrido constitui caso típico de força maior, o que não pode ser considerado inadimplemento culposo a dar ensejo à rescisão do contrato entabulado entre as partes.

Afirma que o contrato prevê a possibilidade de atraso na entrega do imóvel, por 120 dias úteis, e pagamento de multa, caso a obra não seja concluída, mas não a rescisão do contrato, como pretende o autor, ora apelado.

Aduz que, uma vez rescindido o contrato,b por vontade exclusiva do apelado, tem direito à retenção de 30% ou 25% sobre os valores já pagos.

Insurge-se contra a condenação ao pagamento de danos morais, sustentando que não foram comprovados o prejuízo alegado e o nexo de causalidade entre o suposto dano e sua conduta.

Em decorrência do princípio da eventualidade, pugna pela redução do quantum indenizatório fixado na sentença hostilizada.

Prossegue pleiteando a redução dos juros de mora, para que sejam fixados nos termos do artigo 406 do Código Civil, c/c artigo 161, § 1º, do Código Tributário Nacional.

Aponta omissão da sentença quanto ao termo inicial da incidência dos juros e da multa aplicados, afirmando que a correção monetária e a multa devem incidir sobre o valor a ser restituído a partir da citação, por se tratar de responsabilidade oriunda do contrato firmando entre as partes, quando a mora ocorre somente mediante a citação.

Insiste na redução dos honorários advocatícios, nos termos do artigo 11, § 1º, da Lei nº 1.060/50.

Por fim, aponta o descabimento da intervenção do Ministério Público na lide, ao argumento de que a questão tratada nos presentes autos é totalmente privada, não atingindo qualquer interesse da coletividade. Pugna, portanto, para que seja reformada a decisão que determinou o envio de cópias do processo para o Ministério Público.

Requer o provimento do presente recurso, nos termos das razões de apelação.

Foram apresentadas contra-razões às fls. 161/172, refutando as razões do apelo, sem argüição de preliminares.

Conheço dos recursos, eis que presentes os pressupostos de admissibilidade.

Conforme se depreende dos autos, a apelante, CONSTRUTORA TENDA S/A, firmou contrato de promessa de compra e venda com o apelado, sendo objeto do contrato o apartamento nº104 do empreendimento Residencial Quebec, à rua Hungria, nº565, Bairro Granja Primavera, Ribeirão da Neves/MG.

Consta no referido contrato, acostado aos autos às fls. 11/17, que a promissária vendedora assumiu a obrigação de entregar o imóvel em 30 de abril de 2005, com a tolerância de 120 dias para as obras de arremate, levando o prazo final para agosto de 2005.

Ocorre que, até a data de 28 de setembro de 2005, ocasião em que o apelado ajuizou a presente ação, não teve início qualquer construção naquele local, que encontra-se apenas terraplanado, sendo que, de outro lado, o apelado encontra-se rigorosamente em dia com sua obrigação contratual, qual seja, efetuou o pagamento de todas as parcelas vencidas (documentos de fls. 21/23).

Diante da inadimplência contratual da construtora, o apelado ajuizou a presente ação, cujos pedidos foram julgados procedentes pelo douto Sentenciante.

Inicialmente, urge ressaltar que é fato incontroverso a ocorrência de atraso na entrega do imóvel objeto do contrato entabulado entre os litigantes, restando saber se a construtora é ou não responsável pela demora no cumprimento de sua obrigação contratual.

Embora a apelante sustente que o atraso na entrega do imóvel se deu em face da ocorrência de diversas chuvas que ocasionaram o deslizamento de terra no terreno das obras, não vislumbro, in casu, a existência de motivo de força maior a ensejar a isenção da responsabilidade da apelante pelo não cumprimento de sua obrigação.

Conforme bem ponderou o ilustre Sentenciante, " a prorrogação de 120 dias da data de entrega do imóvel é tão somente para arremate de obras o que se conclui que já em abril de 2005 a parte ré já estava em mora para com o pactuado", e ainda, "que a chuvas de 2003 não acarretariam um atraso de dois anos para o início das obras" (fl. 101).

Ora, o que se vê é que a própria construtora, ora apelante, motivou a rescisão do compromisso celebrado entre as partes, posto que não entregou o imóvel na data aprazada.

Nenhum motivo relevante apresentou a recorrente em retardar a entrega do apartamento destinado ao recorrido, razão por que deve responder pelos ônus decorrentes da desídia, o que faz solidificar sua responsabilidade no rompimento do contrato.

Aliás, a empresa apelante deixou de provar, suficientemente, que as supostas chuvas teriam provocado o gigantesco retardamento na conclusão das obras.

Assim, forçoso concluir que o douto Magistrado andou muito bem ao condenar a apelante a devolver ao apelado todos os valores recebidos.

Sobre o tema já decidiu este Sodalício:

"RESCISÃO CONTRATUAL - COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA - PRAZO DE ENTREGA NÃO CUMPRIDO - MOTIVO DE FORÇA MAIOR NÃO COMPROVADO - CULPA DO PROMITENTE VENDEDOR - RESTITUIÇÃO INTEGRAL DAS PARCELAS PAGAS PENA CONVENCIONAL E MULTA PELO DESFAZIMENTO DO NEGÓCIO DEVIDAS - RETENÇÃO DE PERCENTUAL DO VALOR PAGO PELA CONSTRUTORA - IMPOSSIBILIDADE - (...)"

- A ausência de prova do alegado, motivo de força maior na entrega do imóvel na data avençada, impõe ao vendedor restituir integralmente as parcelas do preço pagas pelo comprador, com os respectivos juros e correção monetária, além da pena convencional prevista em razão do atraso da obra e da multa devida pela rescisão contratual.

- Constatada a culpa da construtora pela rescisão contratual, não há que se falar em retenção de qualquer percentual pela mesma, já que tal fato consistiria em flagrante enriquecimento ilícito, um "prêmio" para a parte que descumpre o contrato, o que não se pode admitir. (...)" (TJMG - Ap. Cível nº 2.0000.00.514477-0/000, 6ª C.Cível, Rel. Des. SEBASTIÃO PEREIRA DE SOUZA, j. 23/11/2005).

" RESCISÃO DE CONTRATO - COMPRA E VENDA - PROMESSA - UNIDADE HABITACIONAL - ENTREGA - ATRASO - INADIMPLÊNCIA - CULPA - RESCISÃO - POSSIBILIDADE - PRESTAÇÕES - DEVOLUÇÃO (...)

- Descumprido o prazo contratual, e não disponibilizado o imóvel adquirido na planta no prazo contratual, inegável a inadimplência da promissária-vendedora, sendo válida a rescisão do vinculo, que tem como conseqüência a devolução das parcelas pagas, monetariamente corrigidas (...)" (TJMG - Ap. Cível n° 1.0024.03.059513-6/001, 16ª C. Cível, Rel. Des. JOSÉ AMANCIO, j. 21/06/2006).

Também não merece prosperar a pretensão da apelante em reter 30% do valor pago pelo apelado, a título de multa por desfazimento pelo contrato.

Isso porque, como já ressaltado, quem deu causa à rescisão contratual foi exclusivamente a recorrente, e sendo assim, não pode pretender imputar qualquer sanção ao apelado, que não tem qualquer responsabilidade pela referida rescisão.

Cumpre registrar, ainda, que o preceito contido no artigo 476 do Código Civil é claro ao dispor que: "Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da outra".

Ora, se a empresa apelante não sequer iniciou a obra contratada, enquanto, repita-se, o autor/apelado encontra-se rigorosamente em dia com sua obrigação, não pode pretender a recorrente o pagamento de multa contratual, sendo que não cumpriu sua obrigação, fato este, inclusive, incontroverso nos autos.

Desta forma, não há que se falar em direito de retenção por rescisão unilateral do contrato, já que a construtora não cumpriu sua obrigação de entregar o imóvel na data pactuada, tampouco exigir cumprimento do contrato por parte do apelado.

Neste sentido já decidiu este Sodalício:

"RESCISÃO CONTRATUAL - PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL - AGRAVO RETIDO NÃO PROVIDO - CULPA DO PROMITENTE VENDEDOR - PRAZO DE ENTREGA NÃO CUMPRIDO - MOTIVO DE FORÇA MAIOR NÃO COMPROVADO - RESTITUIÇÃO DE PARCELAS - INTEGRALIDADE.

(...) - A restituição integral das parcelas pagas se impõe, uma vez que a rescisão contratual deu-se por culpa do vendedor, e, também, a aplicação da cláusula penal, por haver previsão legal, em caso de inadimplemento, visando preestabelecer os valores devidos a título de perdas e danos"(TJMG - Ap. Cível nº 2.0000.00.408778-3/000, 2ª C. Cível, Rel. Des. ALBERTO ALUÍZIO PACHECO DE ANDRADE, j. 02/04/2004).

Entretanto, quanto à irresignação da apelante referente à condenação ao pagamento de indenização por dano moral, verifico que razão lhe assiste.

A Constituição Federal de 1988 preceitua, em seu artigo 5º, inciso X, que "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito de indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação".

O dispositivo constitucional supracitado deve, porém, ser interpretado em conjunto com o artigo 186 do Código Civil de 2002, não podendo jamais trazer enriquecimento sem causa para a suposta vítima.

Isso significa que não basta a simples alegação de ocorrência do dano moral para que surja o direito à indenização, sendo indispensável a prova dos três elementos necessários para se imputar a reparação moral - o dano, o ato ilícito e o nexo de causalidade.

Segundo a abalizada lição de RUI STOCCO:

"Mas não basta a afirmação da vítima de ter sido atingida moralmente, seja no plano objetivo como no subjetivo, ou seja, em sua honra, imagem, bom nome, tradição, personalidade, sentimento interno, humilhação, emoção, angústia, dor, pânico, medo e outros.

Impõe-se que se possa extrair do fato efetivamente ocorrido o seu resultado, com a ocorrência de um dos fenômenos acima exemplificados.

(...)

De sorte que o mero incômodo, o enfado e desconforto de algumas circunstâncias que o homem médio tem de suportar em razão do cotidiano não servem para a concessão de indenizações, ainda que o ofendido seja alguém em que a suscetibilidade aflore com facilidade..." (in "Tratado de Responsabilidade Civil", 6ª ed., Revista dos Tribunais, p. 1381).

No caso em exame, não está demonstrado, em nítidos contornos, nenhuma situação vexatória, constrangimento ou abalo emocional suportado pelo recorrido.

De fato, não há como negar que o descumprimento do prazo de entrega do imóvel trouxe aborrecimentos e transtornos para o apelado. No entanto, configuram incômodos e desconfortos passageiros, que são naturais e fazem parte das relações comerciais, não causando lesão passível de reparação moral.

Conforme vem decidindo este Tribunal:

"COMPRA E VENDA - DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL DANO MORAL - INDEFERIMENTO - DISSABOR

- A dor moral, que decorre da ofensa aos direitos da personalidade, apesar de ser deveras subjetiva, deve ser diferenciada do mero aborrecimento, que pode acarretar, no máximo, a reparação por danos materiais, sob pena de ampliarmos excessivamente a abrangência do dano moral, a ponto de desmerecermos o instituto do valor e da atenção devidos." (Apelação Cível nº 2.0000.00.512692-9/000, 16ª Câmara Cível, Rel. Des. Sebastião Pereira de Souza, j. 21.09.2005).

"RESCISÃO DE CONTRATO - COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA - ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL - INDENIZAÇÃO - DANO MATERIAL - PAGAMENTO DE ALUGUEL - DANO MORAL - IMPOSSIBILIDADE.

Havendo responsabilidade da Construtora pela não entrega do imóvel no prazo contratado, deverá devolver à adquirente as prestações pagas, em sua totalidade, além de ressarci-la pelos aluguéis despendidos no período.

O inadimplemento de contrato de promessa de compra e venda pelo vendedor, por si só, não gera direito à indenização por danos morais em caso de rompimento do pacto." (Embargos Infringentes na Apelação Cível Nº 2.0000.00.439364-2/002, 15ª Câmara Cível, Rel. Des. D. Viçoso Rodrigues, j. 25.08.2005).

Portanto, não restando evidenciado o dano moral sofrido pelo recorrida, não há que se falar em dever de indenizar, motivo pelo qual deve ser reformada a respeitável sentença, neste aspecto.

A apelante se insurge também quanto à condenação ao pagamento de juros de mora de 0,15% ao dia, alegando, ainda, que o douto Magistrado não fixou o termo inicial para sua incidência, tampouco para a incidência da multa moratória de 2% sobre o valor de cada parcela.

Conforme se constata no contrato acostado aos autos, houve fixação de juros moratórios nos seguintes termos: em caso de inadimplemento do promissário comprador, o percentual a ser aplicado era de 0,15% ao dia (4,5% ao mês) -fl. 13-, e no caso de inadimplemento da promitente vendedora, a pena convencional a ser aplicada foi estipulada em 0,5% do preço reajustado da unidade (fl. 14).

O douto Magistrado houve por bem acolher o pleito do autor/apelado, e fixar o percentual de 4,5% ao mês para os juros moratórios, argumentando, em sede de embargos declaratórios, que "no tocante aos juros, observa-se na cláusula nona, que estes foram contratados, conforme acolhidos na sentença, valendo para ambas as partes contratantes, pelo que não há que se falar em aplicação do artigo 406 do Código Civil" (fls. 117).

Como se vê, há nítido desequilíbrio contratual no tocante à fixação das penalidades em caso de inadimplemento pelas partes, o que levou ilustre Julgador a aplicar o percentual estipulado pela própria apelante em caso de inadimplência por parte do apelado, devendo, portanto, arcar com o mesmo patamar imposto à contratante quando da celebração do contrato.

Quanto à incidência dos juros moratórios e da multa moratória, entendo que devam incidir a partir da citação, sendo que a correção monetária do montante indenizatório a título de danos morais deve incidir a partir da publicação da sentença.

Também não vejo como dar guarida à insurgência da apelante em relação à determinação do Juízo a quo para que fossem enviadas para o Ministério Público (Promotoria de Defesa do Consumidor), peças do processo para apuração de eventuais ilícitos praticados pela apelante.

Isso porque, embora a hipótese dos autos não esteja elencada no disposto no artigo 82 do Código de Processo Civil, somente o Ministério Público deve se manifestar acerca da necessidade de sua intervenção no presente feito, não sendo a presente via recursal meio adequado para tal insurgência.

Demais disso, registro que a remessa das peças do presente feito ao Ministério Público não traz qualquer prejuízo às partes neste momento processual.

Por fim, não vejo como acolher o pleito da apelante em relação à redução dos honorários advocatícios, já que o disposto no parágrafo 1º, do artigo da Lei 1.060/50, não mais está em vigor depois da Lei 8.906/94 (Estatuto da OAB), tendo o artigo 22, § 1º, regulado a matéria, atribuindo a fixação dos honorários ao sentenciante.

Sobre o tema já se manifestou este Sodalício:

"APELAÇÃO - AÇÃO ORDINÁRIA - RESCISÃO CONTRATUAL C/C DEVOLUÇÃO DE VALORES PAGOS - COMPRA E VENDA (...) HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - §1º DO ART. 11 DA LEI 1060/50 - INAPLICABILIDADE - ENTENDIMENTO DO STJ - SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA.

(...) O estatuído no §1º do art. 11 da Lei 1060/50 não se encontra mais em vigor desde a publicação da Lei 8906/94, segundo posicionamento do STJ. Em havendo sucumbência recíproca, os ônus processuais, incluindo-se aí as despesas e honorários advocatícios, devem ser repartidos proporcionalmente à vantagem obtida pelas partes"( TJMG - Ap. Cível nº 1.0024.03.111549-6/001, Rel. Des. JOSÉ ANTÔNIO BRAGA, 9ª C. Cível, j. 29/04/2006).

Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso, para excluir da respeitável sentença a condenação referente à indenização por danos morais, bem como para determinar a incidência de correção monetária no valor a ser devolvido, a partir da data do desembolso de cada parcela, e, a partir da citação, a multa moratória e os juros moratórios, mantendo, quanto ao mais, a respeitável sentença.

Custas processuais, inclusive as deste recurso, deverão ser suportadas na proporção de 70% pela apelante e 30% pelo apelado, ficando suspensa a exigibilidade em relação ao recorrido, nos termos do artigo 12 da Lei nº 1.060/50.

Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): VALDEZ LEITE MACHADO e ELIAS CAMILO.

SÚMULA : DERAM PROVIMENTO PARCIAL.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0024.05.822242-3/002

TST criará banco de dados de inadimplentes

O Órgão Especial do Tribunal Superior do Trabalho aprovou, a regulamentação da Certidão Negativa de Débito Trabalhista (CNDT). O documento prevê a criação do Banco Nacional de Devedores Trabalhistas – BNDT. O banco manterá os dados necessários à identificação das pessoas naturais e jurídicas, de direito público e privado, que estão inadimplentes perante a Justiça do Trabalho. Será contemplada a inadimplência relativa às seguintes obrigações: dívidas decorrentes de sentença condenatória transitada em julgado ou em acordos judiciais trabalhistas; ou decorrentes de execução de acordos firmados perante o Ministério Público do Trabalho ou Comissão de Conciliação Prévia.

A Certidão Negativa de Débito Trabalhista , instituída pela Lei 12.440/2011, estabelece que, a fim de participar de licitações e contratar com a Administração Pública, as empresas devem apresentar a Certidão Negativa (ou a Certidão Positiva com Efeitos Negativos). O documento passará a ser exigido a partir de 4 de janeiro de 2012.

A exigência legal é uma medida de proteção ao trabalhador que tem créditos trabalhistas já reconhecidos pela Justiça, mas que não consegue recebê-los. É mais um instrumento que vem para contribuir com a efetivação da execução, fase no qual se encontram cerca de 2,5 milhões de processos na Justiça do Trabalho.

O documento certificará a empresa em relação a todos os seus estabelecimentos, agências e filiais, e será expedido gratuita e eletronicamente nos sites de todos os tribunais da Justiça do Trabalho. Só a receberá a empresa que não possuir nenhum débito decorrente de sentença condenatória transitada em julgado ou de acordos trabalhistas não cumpridos, firmados perante o Ministério Público do Trabalho ou a Comissão de Conciliação Prévia.

Fonte: Conjur

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

O STJ decide que Boa-fé protege o consumidor inadimplente

A Justiça não pode tratar da mesma forma o consumidor que tem boa-fé e o golpista. Depois de quitar 31 das 36 parcelas de um financiamento de veículo, não é razoável que o consumidor tenha o carro apreendido porque deixou de pagar cinco prestações. A financeira, nestes casos, deve buscar outras formas de cobrança, como a execução judicial do débito, em vez de requerer a busca e apreensão do automóvel.

Por três votos a um, este foi o entendimento fixado pela 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. Com base no voto do ministro Luis Felipe Salomão, a maioria dos ministros decidiu que, nestes casos, o Judiciário deve aplicar a teoria do adimplemento substancial. Ou seja, como a maior parte da dívida foi paga, a financeira não pode buscar a reintegração de posse do bem financiado — seja ele um carro ou um eletrodoméstico.

De acordo com Salomão, relator do processo, o consumidor pagou “86% da obrigação total e mais R$ 10.500,44 de valor residual garantido”. Logo, “o descumprimento contratual é inapto a ensejar a reintegração de posse”. Para o ministro, a busca e apreensão do bem é medida desproporcional diante do substancial cumprimento do contrato.

O ministro ressaltou que a decisão não significa “que a dívida não paga desaparece, o que seria um convite a toda sorte de fraudes”. Mas o meio buscado pela financeira para garantir o pagamento não combina com a extensão da dívida, de 14% do valor do bem financiado. “Pode, certamente, o credor valer-se de meios menos gravosos e proporcionalmente mais adequados à persecução do crédito remanescente, como, por exemplo, a execução do título”, afirmou Luis Felipe Salomão.

O papel da Justiça nestes casos, segundo o ministro Salomão, é ponderar a gravidade da inadimplência. “A faculdade que o credor tem de simplesmente resolver o contrato, diante do inadimplemento do devedor, deve ser reconhecida com cautela, sobretudo quando evidente o desequilíbrio financeiro entre as partes contratantes”.

A decisão foi tomada em recurso movido pela BBV Leasing Brasil contra um cidadão gaúcho que deixou de pagar as últimas cinco parcelas do financiamento de seu carro. A financeira perdeu a ação em primeira e em segunda instâncias, e recorreu ao STJ. Por três votos a um, a 4ª Turma rejeitou o recurso e manteve as decisões da Justiça do Rio Grande do Sul.

Para o advogado e professor de Direito do Consumidor Rodrigo Francelino Alves, “a decisão é um avanço e resguarda o consumidor de abusos praticados com freqüência por instituições financeiras”. De acordo com o advogado, “a teoria do adimplemento substancial não admite a extinção do negócio quando o inadimplemento se refira a parcela de menos importância do conjunto de obrigações do devedor”. Ou seja, se aplica quando o descumprimento do contrato é insignificante em relação ao que já foi cumprido pelo consumidor.

Ainda de acordo com Francelino Alves, a teoria do adimplemento substancial deve ser aplicada de acordo com o caso concreto.

Fonte: Conjur

Conselho profissional deve justificar dispensa de empregado


Os conselhos profissionais têm natureza de autarquia atípica, pois eles funcionam como espécie de serviços públicos federais. Em outras palavras, se esses conselhos têm atribuições fiscais e de polícia, usufruindo de prerrogativas legais, têm, também, obrigação de cumprir com o os deveres próprios da Administração Pública e se sujeitam aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Por isso, eles precisam justificar o ato de dispensa de seus empregados. Esse foi o entendimento manifestado pela 9a Turma do TRT-MG, por sua maioria, ao manter a decisão de 1o Grau que determinou a imediata reintegração do trabalhador aos quadros do Conselho de Administração de Minas Gerais, com o pagamento dos salários vencidos e que estão por vencer.

Em seu recurso, o Conselho alegou que não se submete ao controle da administração centralizada, não precisando motivar o ato de despedida e, ademais, essas regras especiais da Administração Pública apenas se aplicam aos contratos por prazo indeterminado, o que não era o caso, já que o reclamante cumpria contrato de experiência. Mas a juíza convocada Ana Maria Espi Cavalcanti pensa diferente. No seu entender, a natureza de autarquia atípica dos conselhos profissionais não os exime de observar os princípios que regem os atos administrativos, sob pena de nulidade.

No caso, o trabalhador foi contratado para o cargo de administrador, após aprovação em concurso público, no qual obteve a sétima posição na classificação geral e o primeiro lugar nas vagas destinadas aos deficientes. A Lei nº 4.769/95, que criou o Conselho Federal de Administração e os Regionais, estabelece que eles constituem uma autarquia com personalidade jurídica de direito público, com autonomia técnica, administrativa e financeira. Daí fica claro que essas autarquias integram a Administração Pública, estando sujeitas aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência, nos termos da Lei nº 9.784/99.

Conforme esclareceu a relatora, essa mesma Lei dispõe que os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e fundamentos jurídicos, quando negarem ou afetarem direitos ou interesses. Nesse contexto, o administrador público não pode dispensar trabalhadores sem a necessária motivação, de forma a justificar o ato. A magistrada destacou que, se o legislador impôs a exigibilidade da aprovação em concurso para a contratação do servidor público, em razão dos princípios que regem a administração, não se pode admitir que aqueles regularmente contratados possam ser dispensados, sem a devida justificativa. "Caso contrário, a regra constitucional que prevê a investidura em cargo ou emprego público mediante a realização de concurso público seria inócua, pois o administrador público poderia dispensar, a seu talante, um servidor regularmente admitido, vulnerando o princípio da impessoalidade", frisou.

A magistrada lembrou que, de acordo com o entendimento expresso na Súmula 21 do STF, o servidor em estágio probatório não pode ser dispensado sem a instauração de inquérito ou sem apuração da capacidade do trabalhador. Dessa forma, era indispensável que o reclamado apresentasse a motivação da dispensa do servidor, em respeito aos princípios a que está sujeito, mesmo em se tratando de contrato de experiência.

Assim, no entendimento da Turma, ainda que o reclamante não possua estabilidade no emprego, a sua dispensa imotivada é nula de pleno direito. Por isso, foi mantida a sentença que determinou a sua reintegração no emprego.

( 0000046-73.2011.5.03.0105 ED )

Fonte: TRT/MG

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Cabe a ambas as partes o ônus da prova

O Ônus da prova significa o dever que a parte autora, ou seja, aquela que propõe a ação, tem de provar aquilo que está alegando contra a parte ré. De acordo com a CLT e com o Código de Processo Civil, esse ônus é relativo porque, ainda que a reclamada não tenha o ônus da prova, justamente porque está sendo acusada, tem a obrigação de rebater as provas produzidas pelo reclamante, caso queira se livrar da acusação.

O ônus da prova foi o tema central de uma decisão da 4ª Turma do TRT-MG que manteve a condenação de uma empresa mineira do ramo da construção ao pagamento de horas-extras. É que o reclamante demonstrou a prática recorrente de horas-extras apresentando seus comprovantes de pagamento. A empresa, por sua vez, apresentou cartões de controle de ponto referentes a apenas um período da duração do contrato de trabalho, mas não se sua totalidade. Também não produziu nenhuma prova testemunhal que pudesse afastar as alegações do reclamante.

Para o juiz convocado relator do recurso, Paulo Maurício Ribeiro Pires, mesmo que não esteja incumbida do ônus da prova, a parte acusada pode e deve trazer aos autos elementos que levem o juiz a decidir a seu favor. O magistrado acrescenta que a distribuição do ônus probatório só tem consequência prática quando as partes não produzem qualquer prova. Daí, a decisão direciona contra quem teria, legalmente, essa obrigação de provar.

Assim, a sentença foi mantida e a empresa condenada ao pagamento de horas-extras referentes aos meses cujos controles de ponto não foram apresentados pela reclamada.

( 0000832-95.2010.5.03.0059 ED )

Fonte: TRT/MG

Empresa pagará R$ 50 mil por prática de lide simulada


Cinquenta mil reais, foi esse o valor estipulado pela Primeira Turma do Tribunal Superior (TST) ao condenar a Alumtek Laminação de Alumínio Ltda. por conduta antijurídica (contrária ao Direito). Para a Turma, a empresa utilizou o Poder Judiciário como mecanismo para fraudar direitos trabalhistas.

O artifício chama-se “lide simulada”, ou seja, não há conflito, as partes usam a justiça do trabalho para poder dar aparência de legalidade para uma situação que não é legal, sem que haja mais discussões a respeito. As empresas, em vez de rescindir o contrato, pagar o aviso prévio etc., cumprindo assim os requisitos do Art. 477 da CLT (que trata de rescisão contratual), deixam que os trabalhadores, dispensados sem justa causa, reclamem seus direitos na justiça. Assim, em lide simulada, o trabalhador acaba por aceitar um acordo rescisório em valor menor do que receberia em uma lide normal, e a empresa acaba beneficiada.

O Ministério Público do Trabalho da 24ª Região (MS) entrou com Recurso Ordinário no Tribunal Regional do Trabalho visando condenar a empresa a não mais usar a justiça como órgão homologador de acordos, após comprovar que de fevereiro a agosto de 2005 a empresa coagiu moralmente cinco dos seus ex-empregados ao dispensá-los sem justa causa, incentivando-os a intentarem ação trabalhista para recebimento das parcelas rescisórias. O órgão também requereu a condenação da empresa ao pagamento de indenização por dano moral coletivo.

O Tribunal sul-mato-grossense deu provimento ao recurso quanto à obrigação de a Alumtek não mais utilizar a Justiça do Trabalho como órgão homologatório de rescisão contratual, mediante lide simulada, sob pena de multa. Mas entendeu que não houve dano moral coletivo, porque se tratava de direitos individuais homogêneos, já que foram poucos trabalhadores, os quais “poderiam buscar os meios legais disponíveis para satisfação individualmente”, não representando, portanto, interesse coletivo.

O MPT recorreu ao Tribunal Superior do Trabalho (TST) buscando a reforma da decisão quanto ao dano moral coletivo. O ministro Walmir Oliveira da Costa, relator do processo no TST, divergiu do entendimento regional ao dizer que o fato de serem direitos individuais homogêneos não impede a caracterização do dano moral coletivo, e a gravidade da ilicitude dá ensejo à indenização por dano moral coletivo, pois atinge o patrimônio moral da coletividade.

Em seu voto, Walmir Oliveira da Costa ressaltou que a simulação de lides perante a Justiça do Trabalho, com objetivo exclusivo de quitar verbas rescisórias, afronta as disposições do art. 477 da CLT. Mais: que a conduta, além de lesar a dignidade do trabalhador individualmente, atenta, em última análise, contra a dignidade da própria justiça, mancha a credibilidade do Poder Judiciário e atinge toda a sociedade. O valor da indenização será revertido ao Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT.

Fonte: TST

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Fornecimento de EPI não desobriga empregador de pagar adicional de insalubridade


A 10 ª Turma do TRT-MG julgou o recurso da A.R.G. Ltda. por meio do qual a empresa pretendia ser absolvida da condenação ao pagamento do adicional de insalubridade. A empregadora argumentou que fornecia corretamente os equipamentos de proteção individual e que estes eram adequados e suficientes para neutralizar a ação do agente insalubre. Mas, a partir da análise da prova pericial, os julgadores constataram que a empresa descumpriu sua obrigação de orientar e fiscalizar o uso correto dos equipamentos pelos empregados. "Ainda que reste superada a controvérsia acerca do fornecimento de EPIs, isso não ocorreu com relação ao seu uso. Assim, não há evidência de que o reclamante tenha exercido suas funções devidamente protegido - e isso é ponto fundamental", ressaltou a juíza convocada Sueli Teixeira, relatora do recurso.

De acordo com o laudo pericial, ficou caracterizada a insalubridade em grau máximo nas atividades desenvolvidas pelo empregado. O perito apurou que a atividade exercida pelo trabalhador na solda elétrica acarretava exposição à sílica livre cristalizada acima dos limites de tolerância. Ele informou ainda que o trabalho do soldador é exercido de forma contínua e que a concentração de fumos metálicos, resultante da queima do fio de solda durante o procedimento, também dá direito à insalubridade. O laudo pericial deixou claro que até mesmo medição apresentada pela empresa indica a exposição acima dos limites de tolerância. Conforme ficou registrado no laudo, os operadores de solda sequer utilizavam máscara respiratória no momento da perícia.

Na avaliação da relatora, a empresa não produziu provas suficientes para contradizer as conclusões do laudo pericial. Embora tenha sido comprovado o fornecimento de EPIs, a empresa não demonstrou que tenha havido substituição, treinamento ou fiscalização do uso desses equipamentos. Ao contrário, o que a perícia demonstrou foi que não foram eliminadas ou neutralizadas as ações maléficas do agente insalubre.

Conforme acentuou a julgadora, o fornecimento e o uso de EPIs são fatos diferentes e que necessitam de prova quando controversos. É o que diz a Súmula 289 do TST ao mencionar que o simples fornecimento do aparelho de proteção pelo empregador não o desobriga do pagamento do adicional de insalubridade, cabendo a ele tomar as medidas que conduzam à diminuição ou eliminação da nocividade, entre as quais o uso efetivo do equipamento. Com base nesse entendimento, a Turma confirmou a sentença que condenou a empresa ao pagamento do adicional de insalubridade em grau máximo.

( 0103900-06.2009.5.03.0024 RO )

Fonte: TST/MG

STJ tem quase três mil processos que envolvem Ecad

Criado pela Lei 5.988/73, o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) é uma instituição privada com missão tão importante quanto complexa: recolher direitos autorais de execuções musicais e distribuí-los aos seus titulares. A instituição tem passado por diversas polêmicas, como acusações de cartelização e até investigação por Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado Federal. No Superior Tribunal de Justiça (STJ) há quase 3 mil processos envolvendo o escritório, sendo ele próprio o autor de cerca de dois terços dessas ações. Muitas das questões jurídicas sobre direitos autorais causaram polêmica.

O julgamento do Recurso Especial (REsp) 1.117.391 gerou divergência na Segunda Seção ao determinar que hotéis que tenham aparelhos de TV ou rádio em seus quartos devem recolher direitos autorais. O Ecad alegou que oferecer a comodidade de TV ou rádio nos quartos ajudaria os hotéis a captar clientes e geraria lucro indireto.

Além disso, os quartos de hotel são locais de frequência coletiva e já seria estabelecido na jurisprudência do STJ que a captação de programação nesses locais deve recolher direitos. O ministro relator da matéria, Sidnei Beneti, considerou que, com a Lei 9.610/98, firmou-se o entendimento de que a cobrança do Ecad sobre o uso dos aparelhos em quartos de hotel seria legal. Seu voto foi acompanhado pela maioria da Seção.

Outra jurisprudência já firmada no STJ refere-se à cobrança de direitos na execução de obras musicais em eventos públicos e gratuitos. Um exemplo desse entendimento é o REsp 996.852, que tratou de um rodeio público no estado de São Paulo. O ministro Luis Felipe Salomão, responsável pelo caso, observou que, antes da Lei 9.610, a existência de lucro era imprescindível à possibilidade de cobrança dos direitos de autor. Depois dela, bastaria o proveito obtido com a música para incidirem os direitos autorais.

Decisão semelhante foi dada no REsp 908.476 pelo ministro aposentado Aldir Passarinho Junior. No caso, o Serviço Social do Comércio (Sesc) promoveu um show com o cantor Zé Renato, sem fins lucrativos e sem cobrança de ingressos. Entretanto, o ministro Passarinho entendeu que, independentemente da cobrança ou não de ingressos, o trabalho artístico deve ser remunerado por quem dele se aproveita.

Essa regra, no entanto, tem exceções, como entendeu o ministro Paulo de Tarso Sanseverino no REsp 964.404. Eventos religiosos e sem fins lucrativos, como o daquele processo, se enquadrariam numa das hipóteses em que se admite a reprodução não autorizada de obras de terceiros.

O ministro Sanseverino apontou que o Acordo OMC/Trips, que regula direitos autorais internacionalmente e do qual o Brasil é signatário, admite a restrição de direitos autorais, desde que não interfira na exploração normal da obra ou prejudique injustificadamente o titular. O ministro asseverou que, naquele caso, deveria prevalecer o direito fundamental à liberdade de culto, frente ao direito do autor.

O advogado Tarley Max da Silva, conselheiro da seccional do Distrito Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/DF) e especialista nas áreas de propriedade industrial e intelectual, opina que o STJ atua “primorosamente” na pacificação das divergências referentes ao Ecad. Entretanto, Tarley Max crê que a nova legislação que permitiu a cobrança mesmo em eventos sem fins lucrativos não é compatível com os objetivos da entidade. Como exemplo, ele cita os shows beneficentes com a renda voltada para causas sociais.

Transmissões de televisão a cabo também têm gerado discussões no STJ. Um exemplo foi a decisão sobre transmissão de emissoras de TV a cabo em ambientes de frequência coletiva, dada pela Quarta Turma do Tribunal no REsp 742.426. Ficou determinado que essas transmissões devem pagar direitos, mas foi afastada a multa em favor do Ecad, de 20 vezes o valor originalmente devido. A Turma entendeu que, para a aplicação da multa, seria necessário comprovar má-fé e intenção ilícita, o que não foi feito pelo Ecad.

Já o REsp 681.847 envolveu a Music Television (MTV) Brasil e o Ecad, que pretendia cobrar de forma genérica os direitos das obras exibidas pela emissora. Entretanto, o ministro João Otávio de Noronha entendeu que a MTV poderia contratar diretamente com os artistas ou com os seus representantes. Também seria possível que os artistas abrissem mão de seus direitos. O Ecad foi apontado como parte legítima para promover a cobrança de direito dos artistas, mas deve demonstrar a correção e adequação dos valores em cada caso, não bastando apresentar a conta.

A própria maneira de o Ecad cobrar direitos artísticos e aplicar multas por eventuais irregularidades tem sido contestada. O escritório tem seu próprio Regulamento de Arrecadação, mas este não pode ser imposto a quem não tenha contratado com ele, como demonstrou a decisão dada pelo ministro Massami Uyeda no REsp 1.094.279. No caso, o Ecad queria que o uso não autorizado de músicas por empresa de condicionamento físico fosse punido com multas segundo os valores estabelecidos no regulamento. Mas o ministro Uyeda entendeu que o uso não autorizado de obras passa ao largo das relações contratuais e, como o clube não tinha nenhum pacto com a entidade, deveria ser aplicada a legislação civil.

O advogado Tarley Max aponta que muitos desses processos surgem de uma legislação sobre direitos autorais que não reflete mais a complexidade da realidade atual. Ele cita como exemplo a aquisição de músicas e livros pela internet, sem o uso de um meio físico. Ainda não se desenvolveram mecanismos adequados para essa cobrança. O senador Randolfe Rodrigues (Psol-AP), presidente da CPI do Ecad, entretanto, vê problemas mais profundos, chegando a classificar a entidade – em entrevista recente – como “uma caixa preta”.

O senador aponta diversas irregularidades no escritório de arrecadação, como cobranças excessivas, falta de critério nos cálculos e pagamento para pessoas que não teriam direito sobre as músicas. Tarley Max aponta que há várias ações judiciais, em diversas instâncias, sustentando a inadequação da distribuição de direitos, o que acaba por desvirtuar os objetivos do Ecad.

Em nota oficial, o Ecad rebateu as acusações e afirmou que o pagamento dos direitos artísticos ou “distribuição dos lucros” é uma prática comum e legal no país e em todo o mundo. Afirmou que artistas e entidades não são obrigados a se filiar, mas que a maioria dos grandes artistas do Brasil optou pelo sistema do escritório. Também informou que em 2010 foram distribuídos mais de R$ 346 milhões de reais para um universo de 87.500 artistas e outros associados. Concluiu acusando grandes grupos de mídia brasileiros de sonegar o pagamento de legítimos direitos dos artistas.

Fonte: Conjur