Uma decisão recente da 37ª Vara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo reconheceu que os cartões com chip podem, sim, ser fraudados, responsabilizando o Banco Citibank pelas dívidas advindas de um cartão furtado. A instituição financeira terá que pagar R$ 6,3 mil por danos morais ao titular do cartão.
O advogado Eduardo Silva Gatti cuidou do caso. Ele explica que o tema da fraude com cartões de chip dotados de senha pessoal é de grande interesse. "A relevância", conta, "decorre do reconhecimento pelo Poder Judiciário de que o cartão com chip pode ser objeto de clonagem e fraude, mesmo ele dependendo, exclusivamente, da senha pessoal para ser utilizado."
João Carlos Celli, o autor da Ação Declaratória de Inexigibilidade de Débito, teve seu cartão furtado e foi cobrado pelas compras realizadas. Apesar de ter impugnado as compras extrajudicialmente, o Citibank não aceitou os argumentos e se recusou a estornar os valores. Para a instituição financeira, a alegação de que ocorrera fraude não poderia ser aceita. Pelo contrário: dada a existência do chip, o titular do cartão descuidara da senha.
Porém, segundo a defesa, o ônus da prova nesse tipo de conjuntura é da própria instituição financeira. "É ela que deve provar que foi o cliente quem efetivamente realizou as compras, seja com o uso da senha, ou no modelo antigo de se assinar o comprovante da compra", explica Gatti.
Sobre a inversão do ônus da prova, o juiz cita precedente do TJ-SP na análise de um caso semelhante, no qual o centro da discussão também era um cartão com chip. Ele narra que o tribunal "não se desincumbiu de tal ônus, na medida em que deixou de implementar qualquer prova, particularmente recorrendo aos filmes dos atos dos saques, de que dispunha — ou deveria dispor — como de ordinariamente acontece nos ambientes bancários em que se localizam os chamados 'caixas eletrônicos', de modo a que se pudesse apurar quem, efetivamente, levou a cabo as retiradas, em face das negativas do apelado. Tem-se, de outra sorte, que deste seria enexequível exigir-se prova negativa e, por outro lado, o apelante, como dito, dispõe — ou deveria dispor — de todas as condições para aclaramento da questão, entre elas a filmagem dos atos dos saques, com o que poder-se-ia identificar quem disso tratou".
O juiz fundamentou sua decisão na Lei 8.078, de 1990, o Código de Defesa do Consumidor. Para isso, cita o livre-docente em Direito do Consumidor Luiz Antonio Rizzatto Nunes: "O que acontece é que o CDC, dando continuidade, de forma coerente, à normatização do princípio da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo, preferiu que toda a carga econômica advinda do defeito recaísse sobre o prestador de serviço [...] trata-se apenas de questão de risco do empreendimento. Aquele que exerce a livre atividade econômica assume esse risco integral".
O juiz completou: "Inegável que os progressos da tecnologia trouxeram benefícios para ambos os polos da relação econômica; porém, ao que parece, o Citibank pretende só com eles ficar, impondo os prejuízos apenas a João Carlos. No entanto, se o fornecedor quer manter a lide no plano das cogitações, não se ponha no oblívio que a clonagem do cartão magnético, infelizmente, é procedimento comum hoje em dia e, assim, in casu, poderia isso muito bem ter acontecido, até porque o clone se equipara à via válida do cartão, tanto que aciona o sistema bancário e implementa a operação".
A sentença ainda faz referência à doutrina de Cláudia Lima Marques, especialista em Direito do Consumidor. Ela escreve que "a manifestação de vontade do consumidor é dada almejando alcançar determinados fins, determinados interesses legítimos. A ação dos fornecedores, a publicidade, a oferta, o contrato firmado criam no consumidor expectativas, também, legítimas de poder alcançar estes efeitos contratuais [...] No sistema do CDC, leis imperativas irão proteger a confiança que o consumidor depositou no vínculo contratual, mais especificamente na prestação contratual, na sua adequação ao fim que razoavelmente dela se espera, irão proteger também a confiança que o consumidor deposita na segurança do produto ou do serviço colocado no mercado".
Na sentença, o juiz lembra que os bancos têm o dever de conservar o sigilo bancário. O tema foi tratado primeiramente pela Lei 4.595, de 1964, em seu artigo 38, hoje revogado. O assunto é retomado então com a Lei Complementar 105, de 2001. Nas palavras dele, "os serviços bancários disponibilizados na internet e em terminais de auto-atendimento, na exata medida que servem de eficaz instrumento para a captação de clientela no mercado, hão de garantir ao consumidor a segurança necessária para a movimentação sigilosa de suas contas".
Fonte: Conjur