Processo: 1.0024.08.137511-5/001(1)
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO. ATRASO NA ENTREGA DA OBRA. DEVOLUÇÃO INTEGRAL DAS PARCELAS PAGAS. INDENIZAÇÃO DE DANO MORAL. A existência de multa contratual não afasta o direito de rescisão do pacto, fundada na inadimplência de um dos contratantes, pois a parte lesada pelo inadimplemento tem o direito de pedir a resolução do contrato (art. 475, CCB). É nula a disposição contida em contrato de adesão que estipula a renúncia antecipada dos aderentes ao direito de restituição integral dos valores pagos, mesmo no caso de inadimplemento da obrigação de entrega do imóvel no prazo ajustado (art. 424 CCB e 51, IV, §1º, I, II e III, CDC). Como a casa própria está no imaginário de grande parte da população brasileira, ocupa as preocupações dos pais de família e alimenta o sonho de segurança, independência e conforto, o rompimento do contrato de compra e venda de imóvel, destinado à residência, traduz-se em uma frustração de legítima expectativa, caracterizando ofensa de ordem moral.
APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0024.08.137511-5/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - APELANTE(S): CONSTRUTORA TENDA S/A - APELADO(A)(S): ROSANA FERREIRA - RELATOR: EXMO. SR. DES. LUIZ CARLOS GOMES DA MATA
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 13ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador FRANCISCO KUPIDLOWSKI , incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM DAR PARCIAL PROVIMENTO.
DES. LUIZ CARLOS GOMES DA MATA - Relator
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
O SR. DES. LUIZ CARLOS GOMES DA MATA:
VOTO
Trata-se de recurso de apelação interposto por CONSTRUTORA TENDA S/A, contra sentença proferida pelo MM Juiz de Direito da 12ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte, que declarou rescindido o contrato particular de compra e venda firmado pelas partes, condenando-a a restituir aos autores da ação a totalidade dos valores pagos, em parcela única, devidamente corrigida a partir de cada desembolso e acrescida de juros de mora de 1% ao mês a partir de 30/06/2008, além de R$7.000,00 (sete mil reais) a título de danos morais.
A Apelante sustenta preliminar de julgamento extra petita, ao fundamento de que a sentença a condenou ao pagamento de uma multa convencional que não pedida pelos autores na inicial; pede que seja decotada da sentença a condenação superior à que foi pedida.
No mérito, afirma a Apelante que a única consequência do atraso na entrega do imóvel adquirido pela Apelada é a imposição da multa prevista na cláusula décima quarta do contrato, descabendo a rescisão do pacto.
Em tese sucessiva, a Apelante sustenta que o percentual a ser devolvido aos Apelados deve seguir o que foi pactuado na cláusula quinta do contrato, de acordo com os critérios previstos na cláusula nona, parágrafo segundo; afirma que faz jus a uma retenção de 30% (trinta por cento) do valor pago a ser devolvido, a título de multa indenizatória pela rescisão contratual.
Pugna a Apelante também pela inexistência de dano moral e de ilicitude que justifique o deferimento de tal indenização; afirma que a ruptura do contrato de compra e venda não acarreta nenhum dano moral aos Apelados; diz ser incabíveis danos morais em face de inadimplemento contratual; em tese sucessiva pede a redução do quantum arbitrado para o ressarcimento, que reputa excessivo.
Por fim, pede a Apelante que o termo inicial da incidência de juros seja a citação, ocorrida em 1º de setembro de 2008.
A Apelada ofereceu resposta ao recurso (fls. 209/214), pugnando pela manutenção da sentença.
Preparo comprovado à f. 186.
Este é o relatório.
Conheço do recurso, posto que próprio, tempestivo e devidamente preparado.
A Apelante pede que seja julgado improcedente o pedido de rescisão contratual, sob a alegação de que a única consequência do atraso é a imposição da multa prevista na cláusula décima quarta do contrato.
Sem razão, pois a existência de multa contratual não afasta o direito de rescisão do pacto, fundada na inadimplência de um dos contratantes. A parte lesada pelo inadimplemento tem todo o direito de pedir a resolução do contrato, a teor do que dispõe o artigo 475 do Código Civil Brasileiro.
De qualquer forma, a multa é prevista para a hipótese em que a parte lesada preferir exigir o cumprimento do contrato, o que não afasta o direito legal de promover a resolução do pacto.
A propósito do cabimento da resolução do contrato no caso de inadimplemento do prazo de entrega do imóvel, a jurisprudência deste Egrégio Tribunal é pacífica, v.g.:
APELAÇÃO - CONTRATO DE COMPRA E VENDA - RESCISÃO CONTRATUAL - EXTINÇÃO DO VÍNCULO JURÍDICO - ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL - CULPA DA PROMITENTE VENDEDORA - RETENÇÃO DE PARTE DO VALOR PAGO - IMPOSSIBILIDADE. Em face do não cumprimento de obrigação avençada pro parte do promitente vendedor deve-se extinguir o vínculo jurídico estabelecido em decorrência do contrato, não merecendo subsistir sua manutenção, assegurando-se ao lesado o direito à resolução. A retenção pela construtora de parte dos valores pagos pela promitente compradora não pode ser deferida, visto que, além de não ter ocorrido a fruição do imóvel, a rescisão se baseou no inadimplemento da promitente vendedora que deixou de entregar o imóvel no prazo acordado.
(TJMG - AC n.º 1.0024.06.988940-0/002 - Rel. Desembargadora CLÁUDIA MAIA - DJ 23/08/2008)
Assim, mantenho o rompimento do vínculo jurídico existente entre as partes, nos exatos termos declarado na sentença.
Em tese sucessiva, a Apelante pede que seja retido o percentual de 30% ou no mínimo 25% como multa indenizatória, a título de multa indenizatória pela rescisão contratual provocada pelos Apelados.
Mais uma vez está sem razão a Apelante, pois na condição de culpada pelo desfazimento do contrato não faz jus a qualquer reparação. Pelo contrário, cabe à parte inadimplente o dever de indenizar a parte lesada (art. 475, CCB).
Para sustentar a tese de que faz jus à retenção pretendida, a Apelante maneja ainda, a seguinte disposição contratual (Cláusula Décima Quinta, f. 127-v), verbis:
"Na hipótese de rescisão contratual, por qualquer que seja o motivo, será observado o disposto na cláusula nona, parágrafos 2º e 3º, mesmo que o Promissário Comprador esteja em dia com as suas obrigações".
A Cláusula Nona do Contrato (f. 126-v), por seu turno, prevê a devolução de apenas 60% (sessenta por cento) do valor pago, sem juros e depois de descontadas as taxas de corretagem e publicidade (Cláusula Quinta, §5º).
Vejo-me diante de um caso clássico de disposição leonina, nula de pleno direito. No contrato de adesão que preparou, a vendedora estipula para si o direito de rescindir o contrato por inadimplemento dos compradores, com retenção de 40% (quarenta por cento) do que eles pagaram a título de ressarcimento, mas quando a culpa for sua, estipula que a devolução dos valores pagos ocorrerá da mesma forma.
Causa indignação que disposição como essa ainda seja inserida em contratos de adesão, sem o mínimo pudor, inobstante o princípio da boa-fé contratual erigido pela disposição do vigente artigo 422, do Código Civil.
A meu juízo, a disposição em questão estipula uma renúncia antecipada dos aderentes ao direito de restituição integral dos valores pagos, no caso de inadimplemento da obrigação de entrega do imóvel no prazo ajustado, o que atrai a aplicação da seguinte disposição do Código Civil, verbis:
"Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio".
Mas não é só. Também incorre em nulidade a disposição posta à lume, pelo que se depreende do disposto no seguinte artigo do Código de Defesa do Consumidor, verbis:
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
(...)
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;
(...)
§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vontade que:
I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;
II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual;
III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.
A obrigação imposta aos Apelados na Cláusula Décima Quinta do contrato é iníqua, abusiva, pois os coloca em desvantagem exagerada, de forma incompatível com os princípios de boa-fé e de equidade. A manifestação de vontade expressa na referida cláusula presume-se exagerada por todas as razões previstas no acima transcrito dispositivo do Código de Defesa do Consumidor, na medida em que: ofende os citados princípios de regência dos contratos e das relações de consumo; restringe o direito à plena reparação dos danos provocados pela rescisão do contrato, por culpa da outra parte; e se revela excessivamente onerosa para o consumidor.
Por tais razões, declaro nula a Cláusula Décima Quinta do contrato de fls. 126/128, ficando prejudicado o pedido de retenção de parte dos valores pagos pela Apelada à Apelante que a tinha como espeque.
Declarada nula a cláusula contratual em que se apóia a pretensão da Apelante e definida a sua culpa pela rescisão do contrato, a tese de retenção suscitada com fulcro nas disposições do artigo 413 do CCB e do artigo 4º da LICC não merece prosperar, pois a devolução das parcelas pagas pelos Apelados não decorre da imposição de uma penalidade e não há omissão legal, diante da expressa previsão de reparação prevista no artigo 475 do Código Civil.
A retenção de parte dos valores pagos pelo contratante, a título de compensação pelos gastos decorrentes do negócio e/ou a indenização pela rescisão contratual, revela-se inteiramente injustificada no caso em exame, quando a culpa pelo desfazimento do negócio foi atribuída à incorporadora.
Assim sendo, mantenho a condenação imposta à Apelante para que restitua o valor integral pago pelos Apelados, nos exatos termos fixados na sentença.
Pugna a Apelante também pela improcedência dos danos morais, sustentando inexistir ilicitude e que a ruptura do contrato de compra e venda não acarreta nenhum dano moral aos Apelados.
O sonho da casa própria está no imaginário da maior parte da população brasileira, ocupa as preocupações dos pais de família e alimenta o sonho de segurança, independência e conforto. É inegável que tal aspiração é legítima, mormente quando se sabe o esforço que cada brasileiro tem de fazer para alcançá-la.
O direito à moradia está guindado à esfera dos direitos sociais, a teor do que dispõe o artigo 6º, caput, da Constituição Federal, o que empresta foros de maior relevância ao desfazimento do contrato que tem por objeto a casa própria.
Este Egrégio Tribunal tem precedentes no sentido de que a frustração de legítima expectativa caracteriza dano moral, v.g.:
EMENTA: DANO MORAL - INADIMPLEMENTO CONTRATUAL - EXPECTATIVA FRUSTRADA - CARACTERIZAÇÃO.- Cabe indenização por dano moral em decorrência de inadimplemento contratual, desde que este resulte em uma frustração de legítima expectativa.
(TJMG - 13ª C. CÍVEL - APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0434.05.000515-7/001 - RELATOR: EXMO. SR. DES. FABIO MAIA VIANI - DJ 27.10.2006)
No caso, a Apelada alegou ter almejado a casa própria e tive frustrados os seus planos com o atraso na entrega do imóvel, com repercussão no projeto de acolher a filha que estava residindo no exterior, fatos não contestados.
Tenho para mim que houve uma frustração de legítima expectativa, com repercussão de ordem emocional que caracteriza ofensa de ordem moral à Apelada.
Diante do ilícito contratual que decorre da inadimplência da Apelante e o nexo de causalidade com o dano verificado, a aplicação conjugada das disposições do artigo 186 e 927 do Código Civil impõe o dever de reparação.
Mantenho por tais razões a condenação ao pagamento de indenização por danos morais.
Em tese sucessiva ao pedido de improcedência dos danos morais, a Apelante pede a redução do quantum arbitrado para o ressarcimento, que reputa excessivo.
Arbitrada em R$7.000,00 (sete mil reais) a indenização do dano moral, entendo atendidos os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, segundo os parâmetros fixados por este Egrégio Tribunal em casos semelhantes (v.g.: "indenizar a autora a título de danos morais, o valor de sete mil e seiscentos reais", na AC N.º1.0024.07.449119-2/003, Rel. Desembargador DUARTE DE PAULA).
Fica mantido o valor arbitrado para a reparação do dano moral.
Por fim, a propósito do termo inicial da contagem dos juros de mora, entendo que assiste razão à Apelante, posto que tanto a condenação à devolução das parcelas como a indenização do dano moral estão justificadas no descumprimento do contrato, o que afasta a aplicação da Súmula n.º 54 do Colendo Superior Tribunal de Justiça.
A mora somente fica caracterizada no momento em que deduzida a pretensão rescisória, quanto à obrigação de devolver os valores pagos. E com relação à indenização do dano moral, como o ilícito é contratual a mora também depende de citação para que se caracterize.
Provejo o recurso neste ponto, de forma a definir a data de citação, ocorrida em 26 de agosto de 2008 (f. 104) como termo inicial da contagem dos juros de mora.
Feitas tais considerações, DOU PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO, apenas para definir o termo inicial da contagem dos juros em 26 de agosto de 2008.
Custas do recurso pelas partes, respondendo a Apelante por 80% (oitenta por cento) e a Apelada pelos 20% (vinte por cento) restantes, suspensa a exigibilidade quanto a esta (f. 102).
Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): FRANCISCO KUPIDLOWSKI e CLÁUDIA MAIA.
DERAM PARCIAL PROVIMENTO.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0024.08.137511-5/001