quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Nulidade de cláusula arbitral em contrato imobiliário

Número do processo: 1.0024.08.058093-9/001

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - CONTRATO DE COMPRA E VENDA - RELAÇÃO DE CONSUMO - POSSIBILIDADE DE REVISÃO DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS - ARBITRAGEM - ONEROSIDADE EXCESSIVA AO CONSUMIDOR. Em se tratando de relação de consumo, é possível que se modifiquem as cláusulas que destoem das disposições do CDC (art. 6º, V), mormente as que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou que sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade (art. 51, IV do CDC). - Nos contratos de adesão, é nula de pleno direito cláusula contratual que prevê arbitragem compulsória (art. 51, VII do CDC).

AGRAVO DE INSTRUMENTO N° 1.0024.08.058093-9/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - AGRAVANTE(S): MRV ENGENHARIA PARTICIPACOES S/A - AGRAVADO(A)(S): IZABEL CRISTINA RITTER - RELATOR: EXMO. SR. DES. FERNANDO CALDEIRA BRANT

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 11ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, EM NEGAR PROVIMENTO.

Belo Horizonte, 20 de maio de 2009.

DES. FERNANDO CALDEIRA BRANT - Relator

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

Assistiu ao julgamento pela agravada a Dra. Renatha de Almeida Silva.

O SR. DES. FERNANDO CALDEIRA BRANT:

VOTO

Trata-se de Agravo de Instrumento interposto contra a decisão proferida pelo Juízo da 7ª Vara Cível desta Capital que, nos autos da ação ordinária proposta pela Agravada, concedeu a antecipação dos efeitos da tutela para determinar a ré que entregue os imóveis à autora no prazo de 30 dias, sob pena de multa diária de R$500, 00, até o limite de valor dos próprios imóveis.

Contra tal decisão insurge-se a Agravante. Alega que as partes celebraram contratos particulares de promessa de compra e venda que tem por objeto as casas 13 e 14, do residencial Giardino di Napoli, situado na Alameda dos Sabiás, nº. 1.163, Bairro Cabral em Contagem.

Aduz que em conformidade com o art. 4º, §1º da Lei 9.307/96, a MRV Empreendimentos e Participações S/A anexou ao contrato cláusula compromissória de Instituição de Juízo Arbitral.

Sustenta que nos termos do contrato as partes fizeram opção pela arbitragem como forma de dirimir qualquer conflito ou controvérsia decorrente do contrato e escolheram a Câmara Mineira de Mediação e Arbitragem para administrar a escolha dos árbitros, instituir e processar a arbitragem.

Afirma que uma vez convencionada a cláusula compromissória de instituição arbitral, se fez lei entre as partes, não havendo a possibilidade de sua revogação a não ser que tenha anuência de todos os contratantes para tal.

Relata que não cabe ao Agravado ajuizar ação ordinária perante este juízo, uma vez que este não é competente para dirimir as questões atinentes ao contrato firmado.

Colacionou jurisprudências e, ao final, requereu seja concedido efeito suspensivo ao agravo de instrumento, até o julgamento final, sendo, também, reformada a r. decisão agravada no sentido de extinguir a ação ordinária sem resolução do mérito com a conseqüente declinação para a Caminas.

Documentos às f. 16/245-TJ, encontrando-se a decisão agravada à f. 242/243-TJ.

Deferido o efeito suspensivo às f. 250/252-TJ.

Informações prestadas pelo Juiz prolator da decisão agravada à f. 259-TJ, esclarecendo que a agravante cumpriu o disposto no art. 526 do CPC, e que a decisão foi mantida.

Devidamente intimado, o agravado apresentou contraminuta às f. 261/264-TJ.

Conheço do recurso, presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de sua admissibilidade.

Trata-se de agravo de instrumento interposto contra a r. decisão que concedeu a antecipação dos efeitos da tutela para determinar a ré que entregue os imóveis à autora no prazo de 30 dias, sob pena de multa diária de R$500, 00, até o limite de valor dos próprios imóveis.

Tenho que não lhe assiste razão.

A empresa agravante, e a Agravada firmaram entre si um Contrato de Compra e Venda que previa a opção das partes pelo juízo arbitral, para a solução de eventuais conflitos que viessem a surgir em razão deste contrato.

Assim, consoante o disposto nos arts. 2º e 3º, do CDC, é inegável a existência de relação de consumo entre as partes, pelo que as normas de ordem pública contidas na Lei 8.078/90 aplicam-se ao presente caso.

Por conseguinte, é possível, em tese, que se modifiquem as cláusulas contratuais que destoem das disposições do CDC, mormente as que estabeleçam obrigações consideradas iníquas (abusivas), que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou que sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade (art. 51, IV do CDC).

Salienta-se que a finalidade das normas do CDC é justamente proteger o consumidor enquanto sujeito vulnerável, dentro da perspectiva de que o Estado deve intervir no âmbito das relações contratuais com o objetivo de garantir o equilíbrio entre as partes, nos termos do art. 170, V, da CF/88.

Destarte, em que pese a autonomia das partes no momento de celebrar o contrato, a posterior manifestação do consumidor no sentido de que lhe foram impostas cláusulas abusivas, consideradas nulas por normas de ordem pública, não pode ser ignorada, sob pena de se frustrar a finalidade protetiva das normas consumeristas.

Nesse contexto, aplica-se ao caso sob julgamento o art. 6º, V, primeira parte, do CDC, o qual permite a modificação de cláusulas contratuais, independentemente de haver fato superveniente e imprevisível, bastando unicamente a existência de prestações desproporcionais advindas de cláusulas contrárias ao ordenamento jurídico.

Não se pode olvidar, ainda, que o contrato, a par dos princípios clássicos tais como o da autonomia da vontade e o da obrigatoriedade (pacta sunt servanda), deve ser balizado por sua função social intrínseca, qual seja, a circulação de riquezas.

Vivemos em um Estado que tem como fundamentos, entre outros, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º da CF) e, como fins, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, e a promoção do desenvolvimento nacional e do bem comum (art. 3º da CF). Por conseguinte, o princípio da função social dos contratos deve ser compreendido como uma cláusula geral e implícita a todo e qualquer contrato, por meio do qual se deve buscar o equilíbrio contratual, viabilizando a circulação de riquezas.

Em sendo assim, resta indubitável a possibilidade de se discutir e modificar as cláusulas do contrato celebrado entre as partes.

Voltando ao caso sob julgamento, observa-se que o contrato prevê que eventuais controvérsias decorrentes da avença seriam solucionadas por arbitragem (f. 39/43-TJ).

A arbitragem consiste no julgamento do litígio por terceiro imparcial, escolhido pelas partes. É, portanto, espécie de heterocomposição de conflitos, que se desenvolve mediante trâmites mais simplificativos e menos formais do que o processo jurisdicional.

No Brasil, a arbitragem é regulada pela Lei 9.307/96 e constituída mediante negócio jurídico denominado convenção de arbitragem, que compreende a cláusula compromissória e o compromisso arbitral.

Pela cláusula compromissória, convencionam as partes que as demandas decorrentes de determinado negócio jurídico serão resolvidas pelo juízo arbitral. Trata-se de decisão prévia e abstrata das partes, anterior ao litígio.

Já o compromisso arbitral é o acordo de vontades posterior ao litígio, para submetê-lo ao juízo arbitral. O compromisso arbitral, portanto, será a materialização da cláusula compromissória.

Ocorre que, em se tratando de contratos de adesão, é nula de pleno direito cláusula contratual que prevê arbitragem compulsória (art. 51, VII do CDC). O princípio da autonomia privada, aqui, é mitigado por princípios outros, como o da igualdade, da boa-fé e da função social do contrato, o que se justifica em razão da evidente vulnerabilidade de um dos contratantes, que será obrigado a se sujeitar às cláusulas impostas pelo outro, se com ele quiser contratar.

Conforme bem explicitado pelo Magistrado de primeiro grau, o juízo arbitral não é caminho obrigatório e inafastável, porquanto nenhuma lesão ou ameaça de lesão será excluída da apreciação do Poder Judiciário, segundo garantia insculpida no XXXV da Carta Maior.

Pelo exposto, NEGO PROVIMENTO ao Agravo de Instrumento, para manter inalterada a decisão atacada.

Custas, ex lege.

Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargadores: MARCELO RODRIGUES e MARCOS LINCOLN.

SÚMULA : NEGARAM PROVIMENTO.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1.0024.08.058093-9/001