Se a atividade desenvolvida pelo empregado configura ilícito
criminal, a existência da relação de emprego não pode ser reconhecida
pela Justiça. Isto porque o contrato válido pressupõe que o objeto dele
seja lícito e não proibido por lei. Com base nesse fundamento, expresso
no voto do desembargador Jales Valadão Cardoso, a 2ª Turma do TRT-MG
confirmou a sentença que negou o vínculo empregatício a uma vendedora de
cartelas e locutora de bingo.
Em seu recurso, a trabalhadora
insistia em que a relação deveria ser reconhecida como sendo de emprego,
uma vez que todas as atividades prestadas seguiam as regras da CLT.
Segundo afirmou, a condição não foi negada pelo reclamado, que apenas se
limitou a alegar a ilicitude do negócio jurídico, para ser beneficiado
pela própria torpeza (ou seja, ele se livra das obrigações trabalhistas
justamente porque está envolvido em negócio ilícito).
No entanto,
o relator do recurso não acatou esses argumentos. Ele destacou
inicialmente que a reclamante foi confessa quanto à matéria de fato,
pois não compareceu à audiência em prosseguimento e não justificou a
falta. Como consequência, a versão apresentada pela defesa no sentido de
se tratar de vendedora e locutora do bingo foi considerada verdadeira.
De acordo com o magistrado, o trabalho da reclamante na exploração de
atividade ilícita também foi confirmado pela denúncia oferecida contra
ela pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais no Juizado
Especial Criminal da Comarca de Montes Claros.
O desembargador
lembrou que a atividade de bingo é considerada contravenção penal no
artigo 50 do Decreto-Lei nº 3.688/44, sendo denominada jogo de azar. Daí
a impossibilidade de ser reconhecido o vínculo de emprego. Conforme
explicou no voto, essa prática não pode resultar em benefícios. Para o
julgador, não há que se falar que o reclamado se beneficiou de sua
própria atitude ilegal, já que a formação do negócio jurídico, como é o
contrato de emprego, pressupõe um objeto lícito. É o que dispõem os
artigos 104 e 166 do Código Civil. Na visão do magistrado, a reclamante
tinha ou deveria ter conhecimento de que exercia atividade ilícita, uma
vez que a ninguém é dado desconhecer as regras da legislação.
"A proteção assegurada ao trabalho e a vedação do enriquecimento sem
causa têm seus limites no ordenamento jurídico, sendo o ilícito criminal
dela excluído, de forma expressa", registrou no voto, decidindo por manter a sentença pelos seus próprios fundamentos.
Ao
final, lembrou ainda que a Orientação Jurisprudencial nº 199 da SDI-I
do TST, que trata da atividade do jogo de bicho, pode ser aplicada de
forma análoga ao caso dos autos. A OJ considera "nulo o contrato de
trabalho celebrado para o desempenho de atividade inerente à prática do
jogo do bicho, ante a ilicitude de seu objeto, o que subtrai o requisito
de validade para a formação do ato jurídico".
A Turma de julgadores acompanhou o voto, negando provimento ao recurso da reclamante.
Fonte: TRT/MG