segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Construtora MRV é condenada a pagar indenização por Danos Morais e Materiais por atraso na entrega de apartamento

Segue a cópia da sentença proferida por juiz de São Paulo;

"O processo comporta imediato julgamento, pois é prescindível o alongamento da atividade probatória: os autos estão instruídos com as informações e os documentos indispensáveis ao bom desfecho da lide. Aliás, os depoimentos pessoais dos autores, única prova expressamente requerida, é, no caso, irrelevante e inútil para o satisfatório deslinde da causa. Ao contrário do afirmado pela ré, este Juízo é competente para processar e julgar a lide, pois a cláusula compromissória, fixada em contrato de adesão, marcado pela vulnerabilidade dos aderentes, é ineficaz perante os consumidores, já que estipulada no próprio contrato - não em documento anexo -, desacompanhada de assinatura ou de visto lançado especialmente para tal disposição (artigo 4.º, § 2.º, da Lei n.º 9.307/1996). Na realidade, é possível ir mais além, afirmando, inclusive, que tal cláusula é abusiva e, portanto, nula de pleno direito, nos termos do artigo 51, VII, do Código de Defesa do Consumidor. A propósito, oportuna a lição de Leonardo Roscoe Bessa, exposta no Manual de Direito do Consumidor, obra feita em co-autoria com Antônio Herman V. Benjamin e Claudia Lima Marques (São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 304-305): -Em que pese o cuidado da Lei 9.307/1996 com a vontade real do aderente, a doutrina sustenta majoritariamente que, em face da vulnerabilidade do consumidor, principalmente quando pessoa natural, a instituição da arbitragem em contratos de adesão é extremamente desvantajosa para o consumidor, e, portanto, nula de pleno direito. Outro argumento, de índole constitucional, se impõe contra a arbitragem nas relações de consumo. É dever do Estado promover a defesa do consumidor na forma da lei (artigo 5.º, XXXII). A principal norma de proteção ao consumidor, editada em atenção ao comando do art. 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, é justamente a Lei 8.078/90. Cuida-se de norma de ordem pública e interesse social. ...Significa dizer que as normas do Código de Defesa do Consumidor, tanto processuais como materiais, não são disponíveis, não podem ser afastadas por conjugação de vontade. Aí está a incompatibilidade do CDC com o procedimento de arbitragem, que legalmente só pode ser instituído para -dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis (art. 1.º). ... Ademais, o julgamento arbitral não precisa necessariamente se basear na lei – pode ser apenas de eqüidade, faculta-se às partes -escolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem- (art. 2.º). Fica claro, portanto, que a instituição de arbitragem nas relações de consumo esvazia por completo o disposto no art. 5.º, XXXII, da Constituição Federal e encontra óbice na própria Lei 9.307/96, ao se estabelecer que apenas os litígios concernentes a direitos patrimoniais disponíveis podem ser submetidos à arbitragem-. Logo, a primeira preliminar argüida pela defesa não vinga (fls. 126/172, item III.1). Contudo, a segunda preliminar procede (fls. 126/172, item III.2): ora, de acordo com o relato contido na petição inicial, o bem imóvel prometido à venda, embora com atraso, já foi entregue. Por conseguinte, os autores, no que diz respeito ao pedido de condenação da ré na entrega do bem imóvel (fls. 02/19, item 5.g), não têm interesse de agir. Evidentemente, prescindem da intervenção judicial, até porque a obrigação já foi cumprida e a certidão de baixa e o habite-se obtidos. Sendo assim, o presente processo, inclusive com a expressa concordância dos autores, manifestaram na réplica (fls. 207/216, item II), prossegue apenas visando ao exame do pedido indenizatório. Agora, no tocante ao pedido indenizatório, o pedido dos autores é procedente. A celebração do contrato de compra e venda é fato incontroverso. Também não se discute que a ré assumiu o compromisso de entregar o bem imóvel prometido à venda até o mês de julho de 2007. É ainda inquestionável que a ré obteve a certidão de baixa e o habite-se residencial apenas em agosto de 2008. Ao lado disso, a ré sequer impugnou que procedeu à entrega do imóvel apenas no dia 20 de setembro de 2008, mais de um ano depois de escoado o prazo convencionado e muitos meses depois de encerrado o prazo contratual de respiro de cento e vinte dias. A ré, inegavelmente, frustrou as justas e legítimas expectativas dos autores. Não obrou com a diligência e a eficiência exigidas e esperadas, ainda mais de um profissional. Não se comportou com a exemplariedade imposta pelo princípio da boa-fé objetiva. Seguramente, causou transtornos para os autores. Aliás, ela nem mesmo questiona que os autores, em razão do atraso, foram obrigados a locar um bem imóvel residencial e suportaram, no período correspondente ao atraso, despesas com moradia correspondentes a R$ 9.094,64. E aqui nem se alegue, até porque absurdo, que os autores poderiam ter residido com seus pais ou outros parentes. A ré não pode querer valer-se de favores alheios para fugir de suas responsabilidades. A ré, para escapar de compromissos assumidos, não pode pretender que os autores se sujeitem a situações provisórias, a arranjos familiares e a desconfortos. Não pode pretender que os autores se submetam a uma situação de constrangimento. Situação de constrangimento, aliás, a que foram levados pela ineficiência e descompromisso da ré. De mais a mais, os autores nem precisavam comprovar os prejuízos materiais. Nem mesmo dependiam da demonstração de gastos com aluguéis, que, de todo modo, repita-se, tornaram-se incontroversos. Ora, para compor perdas e danos presumidos relacionados com a tardia entrega do bem imóvel prometido à venda, o contrato celebrado pelas partes prevê cláusula penal. Com efeito, estabelece a obrigação da ré de pagar importância correspondente a 1% do preço do imóvel por mês de atraso, até a data da efetiva entrega da coisa ou até a liberação da certidão de baixa e do habite-se. Quer dizer: prevê uma indenização mensal prefixada em R$ 1.151,98. Ocorre que os autores, por mera liberalidade e procedendo com a boa-fé desprezada pela ré, requereram indenização por danos materiais no valor de R$ 9.094,64, calculada com base no aluguel mensal de R$ 649,64. Ou seja, pediram menos do que podiam requerer. Sob outro prisma, a cláusula penal estabelecida não contempla danos morais. Não abrange danos de ordem extrapatrimonial. De fato, considerada a sua finalidade no caso concreto, objetivou apenas assegurar moradia aos autores por prazo correspondente ao do atraso na entrega do imóvel, em imóvel com condições semelhantes ao do adquirido. Tanto assim que, observando a praxe comercial no mercado locatício, a cláusula penal foi fixada em 1% do preço do bem imóvel adquirido. Por sua vez, os danos morais são manifestos. A conduta da ré comprometeu a vida cotidiana dos autores. Prejudicou o início da vida de casados. Abalou, por certo, a tranqüilidade e o sossego dos autores. Estes, induvidosamente, sentiram-se atingidos nos seus sentimentos próprios de respeitabilidade e auto-estima. A ré obrigou os autores a correrem atrás de moradia provisória. Desorganizou a vida dos autores. Ofendeu o padrão de confiança e a lealdade que devem presidir as relações jurídicas. Demonstrou descaso pelos autores, desrespeito para com eles. Nessa linha, para compensar os danos morais, arbitro indenização no valor correspondente ao dobro da indenização por danos materiais, ou seja, R$ 18.129,28. Tal valor, salvo melhor juízo, presta-se, a um só tempo, a dar certo conforto aos autores e a sancionar a conduta ilícita da ré. Por fim, observo: os trâmites burocráticos e administrativos tratados na contestação não afastam a obrigação e a responsabilidade da ré. As exigências impostas pelo corpo de bombeiros, pela Prefeitura Municipal e, especificamente, pelo Departamento de Parques e Áreas Verdes da Prefeitura de São Paulo são despidas de aptidão para romper o nexo causal. Ora, não se qualificam como caso fortuito ou força maior, até porque, se a obra tivesse andado em boa marcha e a ré tivesse agido de modo organizado, o atraso, mesmo com as exigências aludidas, era passível de ser evitado. Ademais, tais exigências eram previsíveis, são normais no ramo de atuação da ré. A propósito, abrangem riscos inerentes, próprios, das atividades desenvolvidas pela ré. Qualificam-se, na melhor das hipóteses para a ré, como fortuito interno, inidôneo para romper o nexo causal. Pelo todo exposto, a) julgo extinto o processo, sem resolução do mérito, com relação ao pedido de condenação da ré na entrega do bem imóvel, nos termos do artigo 267, VI, do CPC; b) no tocante aos pedidos indenizatórios, julgo procedente o pedido dos autores para condenar a ré a pagar-lhes R$ 9.094,64, a serem acrescidos de correção monetária, da distribuição da ação, e de juros de mora de 1% ao mês, da citação, e R$ 18.129,28, a título de compensação financeira por danos morais, a serem acrescidos de correção monetária, a partir da publicação desta sentença (Súmula 362 do STJ), e de juros de mora de 1% ao mês, contados da citação. Considerando que a falta de acolhimento de estimativa feita na petição inicial para fins de indenização por danos morais não desencadeia sucumbência e levando em conta a mínima sucumbência dos autores, condeno apenas a ré nas verbas de sucumbência. Por isso, condeno a ré no pagamento das custas, das despesas processuais e dos honorários dos advogados dos autores, ora fixados em 15% do valor atualizado da condenação, considerando a dimensão e a importância econômica da lide, seu julgamento antecipado, os atos praticados e o grau de zelo demonstrado. Publicada em audiência, registre-se. Saem intimados". NADA MAIS. Lido e achado conforme, vai devidamente assinado".

Fonte: TJSP - Comarca de São Paulo, na sala de audiências do Juízo da 2ª Vara Cível do Foro Regional XI