quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Atraso na entrega de imóvel

EMENTA: APELAÇÃO - REVISÃO CONTRATUAL - CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE APARTAMENTO - PRORROGAÇÃO DO PRAZO DE ENTREGA PREVISTO NO CONTRATO - RAZOÁVEL - LEGALIDADE - CONTRATO DE ADESÃO SEM ANUÊNCIA EXPRESSA DA CONTRATANTE QUANTO À CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA DE ARBITRAGEM - NULIDADE DECLARADA - MULTA MORATÓRIA EM FAVOR DA CONSTRUTORA - INVERSÃO EM FAVOR DOS CONSUMIDORES - IMPOSSIBILIDADE.

- É legal a cláusula contratual que prevê a prorrogação do prazo razoável para entrega do imóvel, considerando o princípio pacta sunt servanda.

- O atraso na entrega do imóvel por culpa dos promitentes vendedores, caracteriza inadimplemento contratual, podendo ser cobradas as despesas efetuadas pela parte inocente com aluguéis.

- Há dano moral se a construtora, de modo injustificado, atrasa, por longo período, a entrega de imóvel, impedindo o comprador de tomar posse na data aprazada.

- O valor da indenização deve ser fixado com prudência, segundo os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, mostrando-se apto a reparar, adequadamente, o dano suportado pelo ofendido, servindo, ainda, como meio de impedir que o condenado reitere a conduta ilícita.

- É nula de pleno direito a cláusula contratual que prevê arbitragem compulsória em contrato de adesão.

- A ausência de previsão de penalidade para a vendedora, ora ré, no capítulo DO PAGAMENTO não autoriza a inversão da cláusula que prevê multa moratória em caso de inadimplemento do comprador, visto que há outra penalidade no contrato que pode preencher esse vácuo, deixando a contratação mais justa e equânime, repelindo, dessa forma, o enriquecimento ilícito de um dos contratantes.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0079.10.054761-5/001 - COMARCA DE CONTAGEM - 1º APELANTE: MRV ENGENHARIA PARTICIPACOES S/A - 2º APELANTE: BEATRIZ GERTRUDES PRADO CARAVELLI - APELADO(A)(S): MRV ENGENHARIA PARTICIPACOES S/A, BEATRIZ GERTRUDES PRADO CARAVELLI

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 17ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DA PARTE RÉ E DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DA PARTE AUTORA.

DES. EVANDRO LOPES DA COSTA TEIXEIRA

RELATOR.

DES. EVANDRO LOPES DA COSTA TEIXEIRA (RELATOR)

V O T O

Trata-se de recursos de apelação interpostos contra a sentença de ff. 150/154, pela qual o MM. Juiz de Direito, nos autos da ação de revisão contratual proposta por BEATRIZ GERTRUDES PRADO CAVALLERI em face de MRV ENGENHARIA E PARTICIPAÇÕES LTDA., julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais para: i) condenar a requerida a pagar à autora a quantia de R$15.000,00 a título de danos morais, devidamente corrigida e atualizada a partir da publicação da sentença até a data do efetivo pagamento; ii) condenar a requerida a pagar à autora a quantia de R$1.315,35, a título de danos materiais, atualizada e corrigida desde a data do efetivo desembolso. Em face da sucumbência mínima da autora, o magistrado condenou o réu, ainda, ao pagamento integral das custas e dos honorários, fixados em 10% sobre o valor da condenação.

A requerida MRV apresentou recurso de apelação às ff. 156/182. Em suas razões sustentou que o atraso na entrega do empreendimento não se deu por culpa sua. Assevera que alguns dos moradores que receberam as suas respectivas unidades antecipadamente, procederam à modificações na estrutura do prédio, o que impossibilitou a concessão do habite-se à obra. Afirma ter agido com cautela e boa-fé ao suspender a entrega das demais unidades habitacionais como forma de solucionar o problema e evitar novas intervenções dos moradores. Reitera a validade da cláusula quinta do contrato de promessa de compra e venda celebrado entre as partes, a qual prevê a possibilidade de suspensão, por prazo indeterminado, para a conclusão da obra. Alega que no caso, tal cláusula é plenamente aplicável, ante a ocorrência de caso fortuito. No tocante à condenação pelos danos materiais, referentes aos supostos alugueis pagos pela autora, assevera que ela não cuidou de juntar o contrato de locação ou os recibos de pagamento que comprovem as suas alegações. Ressalta a inexistência de danos morais, tendo a autora experimentado, no máximo, meros aborrecimentos. Ao final, caso mantida a condenação, pediu a redução do quantum fixado a título de danos morais.

A autora também apresentou recurso de apelação às ff. 184/193. Em suas razões sustentou a nulidade da cláusula de arbitragem, inserida compulsoriamente, por afrontar o CDC. Argumentou, ainda, a nulidade da cláusula de prorrogação do prazo para a entrega do imóvel, por colocar o consumidor em desvantagem exagerada. Ressaltou que, em razão do princípio da equidade, também deve ser aplicada em seu favor a cláusula penal inicialmente prevista somente em favor da construtora, para que esta seja compelida a pagar multa de 1% por mês sobre o valor do imóvel por cada mês de atraso.

Contrarrazões pelas partes às ff. 195/212 e 213/218.

Conheço dos recursos, presentes os pressupostos de admissibilidade.

1ª APELAÇÃO - RECURSO DA PARTE RÉ

Em seu recurso, a ré MRV sustentou que não cometeu ato ilícito, já que o atraso na entrega da unidade se deu por caso fortuito e que em razão da existência de cláusula contratual que autoriza a suspensão da obra por prazo indeterminando, assevera a licitude de sua conduta.

Conforme se depreende dos autos, a apelante, MRV ENGENHARIA E PARTICIPAÇÕES LTDA, firmou contrato de promessa de compra e venda com a apelada, sendo objeto do contrato o apartamento nº101, bloco 10, do Residencial Parque Riacho Doce, localizado na Rua Alfa, nº04, quadra 21, bairro Jardim Riacho, Contagem/MG.

Consta no referido contrato, acostado aos autos às ff. 26/30, que a promissária vendedora assumiu a obrigação de entregar o imóvel no último dia útil do mês de dezembro de 2010, com a tolerância de 180 dias para as obras de arremate.

Analisando o contrato de promessa de compra e venda de unidade habitacional autônoma celebrado entre as partes, verifica-se que a cláusula quinta traz especificamente em quais situações poderá ocorrer o atraso na entrega da obra:

"Independentemente do prazo acima previsto, a conclusão da obra poderá ser prorrogada por até 180 dias corridos. Na superveniência de caso fortuito ou força maior, de acordo com o Código Civil, esta tolerância ficará prorrogada por prazo indeterminado."(f. 28-v)

No caso, alega a construtora ré que o atraso na entrega da unidade da autora se deu por conta de caso fortuito, já que os moradores que receberam suas unidades antecipadamente procederam à mudanças na estrutura do prédio, o que impediu a concessão do "habite-se". Assim, alega ter agido com cautela ao evitar a entrega de novas unidades até regularizar o registro do empreendimento.

Como sabido, caso fortuito é o evento proveniente de ato humano, imprevisível e inevitável, que impede o cumprimento de uma obrigação.

Ora, não há que se falar na ocorrência de caso fortuito capaz de justificar a aplicação da cláusula quinta do contrato sub judice.

Isso porque a construtora ré assumiu o risco ao entregar as unidades antes de obter o "habite-se", sendo perfeitamente previsível que os promissários compradores procederiam a alterações em suas unidades.

Não fosse isso, deixou de trazer a apelante qualquer prova nesse sentido capaz de confirmar sua alegação.

Forçoso concluir, então, que o atraso na entrega da obra foi injustificado, portanto, indevido.

Quanto à sua pretensão de ver afastada a sua condenação ao pagamento de danos materiais, mais uma vez sem razão.

Os recibos de pagamento acostados às ff. 32/33 fazem a prova de que teve a autora de arcar com despesas referentes a aluguel após dezembro de 2010, data prevista no contrato para a entrega das chaves.

Assim, comprovados estão os danos materiais alegados pela apelada, devendo ser mantida a condenação da apelante nesse sentido.

Com relação aos danos morais, o STJ tem entendimento pacificado de que o simples descumprimento de contrato não enseja o dano extrapatrimonial.

Também é sabido que o mero dissabor não pode ser alçado ao patamar do dano moral.

No entanto, no caso em exame, não se trata de simples descumprimento de contrato de que tenha decorrido mero dissabor.

Isso porque a propriedade, em nosso ordenamento jurídico, está atrelada a uma função social, sendo de conhecimento comum que o brasileiro, em especial da sofrida classe média, sonha com a casa própria para nele residir com sua família, para isso envidando todos os esforços.

Por essa razão, o demasiado atraso na entrega de um imóvel para o comprador, além de causar indiscutíveis prejuízos de ordem financeira, acarreta, de modo evidente, um dano moral, que decorre da grave frustração advinda do fato de se ter comprado um imóvel, confiando na idoneidade da empresa construtora, e de não se poder para ele se mudar, em razão de injustificado atraso na conclusão da obra.

Por conseqüência, em casos como o dos autos, é forçoso reconhecer a ocorrência do dano moral.

A propósito, assim já decidiu este Tribunal:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO. ATRASO NA ENTREGA DA OBRA. DEVOLUÇÃO INTEGRAL DAS PARCELAS PAGAS. INDENIZAÇÃO DE DANO MORAL. A existência de multa contratual não afasta o direito de rescisão do pacto, fundada na inadimplência de um dos contratantes, pois a parte lesada pelo inadimplemento tem o direito de pedir a resolução do contrato (art. 475, CCB). É nula a disposição contida em contrato de adesão que estipula a renúncia antecipada dos aderentes ao direito de restituição integral dos valores pagos, mesmo no caso de inadimplemento da obrigação de entrega do imóvel no prazo ajustado (art. 424 CCB e 51, IV, §1º, I, II e III, CDC). Como a casa própria está no imaginário de grande parte da população brasileira, ocupa as preocupações dos pais de família e alimenta o sonho de segurança, independência e conforto, o rompimento do contrato de compra e venda de imóvel, destinado à residência, traduz-se em uma frustração de legítima expectativa, caracterizando ofensa de ordem moral (Apelação Cível n° 1.0024.08.137511-5/001; Rel. Des. Luiz Carlos Gomes da Mata; data do julgamento: 11/02/2010; data da publicação: 05/03/2010) - grifei.

Da mesma forma, assim já decidiu esta Câmara:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA. CLÁUSULA PREVENDO A PRORROGAÇÃO DO PRAZO DE ENTREGA. LEGALIDADE. ATRASO SUPERIOR AO PREVISTO. DEVER DE INDENIZAR. DANOS MORAIS E MATERIAIS. HONORÁRIOS. REDUÇÃO.

I - É legal a cláusula contratual que prevê a prorrogação do prazo para entrega do imóvel, em atenção ao princípio do pacta sunt servanda.

II - O atraso na entrega do imóvel, após o prazo de prorrogação, por culpa dos promitentes vendedores, caracteriza inadimplemento contratual.

III - Comprovados os danos materiais, devida a condenação da parte ao ressarcimento.

IV - O atraso na entrega do imóvel gera não um mero aborrecimento, mas abalo moral, notadamente quando o comprador não tem condições de pagar financiamento e aluguel, simultaneamente, residindo, assim, de favor, na casa de amigos.

V - Consoante entendimento uníssono da jurisprudência pátria, a indenização por danos morais não deve implicar em enriquecimento ilícito, tampouco pode ser irrisória, de forma a perder seu caráter de justa composição e prevenção.

VI - Os honorários advocatícios devem ser fixados em fiel observância aos parâmetros dispostos no §3° do art. 20 do CPC.

(...) (Apelação Cível 1.0024.10.073999-4/001, Rel. Des.(a) Leite Praça, 17ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 31/05/2012, publicação da súmula em 06/06/2012)

AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS- CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL - ATRASO NA ENTREGA - INOCORRÊNCIA DE CASO FORTUITO OU FORÇA MAIOR - RESPONSABILIDADE DA CONSTRUTORA- CARACTERIZAÇÃO. DEVOLUÇÃO DAS PARCELAS NA INTEGRALIDADE- DANO MORAL DEVIDO. -O caso fortuito e a força maior são acontecimentos maiores, que escapam do controle da vontade humana, sendo imprevisíveis e inevitáveis, não havendo que se falar em tais hipóteses se houve atraso da entrega de imóvel por parte da construtora decorrente de problemas na rede de esgoto do empreendimento, configurado o fortuito interno, ínsito às suas atividades.- Tem o promissário-comprador direito à rescisão contratual por descumprimento das obrigações do promitente- vendedor, devendo ocorrer a devolução integral das parcelas pagas, de forma simples, se não restou delineada a existência de má-fé, bem como indenização pelos danos morais sofridos havendo a "quebra dos deveres anexos do contrato", a violação ao princípio da confiança (Apelação Cível n° 1.0024.08.192116-5/001; Rela. Des. Luciano Pinto; data do julgamento: 17/12/2009; data da publicação: 22/01/2010) - grifei.

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL- APELAÇÃO- AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS- CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL- ATRASO NA ENTREGA DAS CHAVES PELA PROMITENTE VENDEDORA- CASO FORTUITO- NÃO APLICAÇÃO E NÃO COMPROVAÇÃO- PERDAS E DANOS EM FAVOR DO PROMISSÁRIO COMPRADOR- CABIMENTO- TERMO A QUO- DATA PREVISTA PARA ENTREGA, COM PRORROGAÇÃO CONTRATUAL AVENÇADA- DANOS MORAIS- PRESENÇA- RESPONSABILIDADE CIVIL DE INDENIZAR- VERIFICAÇÃO- CUMULAÇÃO- POSSIBILIDADE- REFORMA PARCIAL DA SENTENÇA- RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

-Há presunção relativa do prejuízo do promissário-comprador pelo atraso na entrega de imóvel pelo promitente-vendedor, cabendo a este, para se eximir do dever de indenizar, fazer prova de que a mora contratual não lhe é imputável.

-As perdas e danos devem ser calculadas a partir da data em que o imóvel deveria ser entregue, considerando, inclusive, a prorrogação contratualmente prevista.

-Aquele que não recebe o imóvel adquirido na planta, no prazo previsto no contrato, sofre danos morais que devem ser indenizados pelo vendedor, cujo pagamento é cumulável com a indenização pelos danos materiais.

- Recurso conhecido e parcialmente provido (Apelação Cível 1.0024.10.200176-5/001; Relatora Desembargadora Márcia De Paoli Balbino; data de julgamento: 24/05/2012; data da publicação da súmula: 31/05/2012) - grifei.

Por outro lado, observando os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade e o caráter pedagógico da medida, tenho que se deva diminuir o valor da indenização por dano moral para R$10.000,00 (dez mil reais), montante que, a meu ver, mostra-se apto a reparar, adequadamente, o dano suportado pela parte ofendida, servindo, ainda, como meio de impedir que a parte ofensora reitere a conduta ilícita.

POSTO ISSO, dou parcial provimento ao recurso da parte ré, a fim de reduzir para R$ 10.000,00 o valor da indenização por danos morais, valor esse que deverá ser corrigido monetariamente pelos índices da tabela da Corregedoria de Justiça, a partir da publicação deste acórdão e acrescido de juros de mora, conforme determinado na sentença.

2ª APELAÇÃO - RECURSO DA PARTE AUTORA

Pretende a autora ver declarada a nulidade das cláusulas do contrato de promessa de compra e venda que permitem a prorrogação na entrega do apartamento e instituem a utilização de arbitragem.

Em relação à prorrogação do prazo de entrega, conforme decidiu o magistrado "a quo", não vejo abusividade, porquanto, além de ser razoável, consta expressamente do contrato (f.27-v).

Vale ressaltar que, na atualidade, revela-se aceitável a prorrogação do prazo para a entrega de imóveis, desde que proporcional e prevista no contrato, considerando os elementos variáveis que envolvem a construção civil (material, mão-de-obra, inadimplência, entre outros).

Noutro giro, frise-se que a parte autora aceitou os termos do contrato, tendo conhecimento da possibilidade de prorrogação do prazo de entrega do imóvel.

Assim, deve ser observado o princípio do pacta sunt servanda, com o intuito de conferir segurança às relações jurídicas.

Nesse sentido:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA. CLÁUSULA PREVENDO A PRORROGAÇÃO DO PRAZO DE ENTREGA. LEGALIDADE. ATRASO SUPERIOR AO PREVISTO. DEVER DE INDENIZAR. DANOS MORAIS E MATERIAIS. HONORÁRIOS. REDUÇÃO.

I - É legal a cláusula contratual que prevê a prorrogação do prazo para entrega do imóvel, em atenção ao princípio do pacta sunt servanda.

II - O atraso na entrega do imóvel, após o prazo de prorrogação, por culpa dos promitentes vendedores, caracteriza inadimplemento contratual.

(...) (Apelação Cível 1.0024.10.073999-4/001, Rel. Des.(a) Leite Praça, 17ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 31/05/2012, publicação da súmula em 06/06/2012)

Diante disso, conclui-se que apenas o atraso na entrega do imóvel, após o prazo de prorrogação, por culpa dos promitentes vendedores, caracteriza inadimplemento contratual.

Por outro lado, deve ser declarada a nulidade da cláusula décima primeira que prevê que eventuais controvérsias decorrentes da avença seriam solucionadas por arbitragem (ff. 29-v/30).

Em se tratando de contratos de adesão, é nula de pleno direito a cláusula contratual que prevê arbitragem compulsória (art. 51, VII do CDC).

O princípio da autonomia privada, aqui é mitigado por princípios outros, como o da igualdade, da boa-fé e da função social do contrato, o que se justifica em razão da evidente vulnerabilidade de um dos contratantes, que será obrigado a se sujeitar às cláusulas impostas pelo outro, se com ele quiser contratar.

Nesse sentido:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO ANULATÓRIA DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C INDENIZAÇÃO - RELAÇÃO DE CONSUMO - CONTRATO DE ADESÃO - CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA DE ARBITRAGEM - NULIDADE.

- É nula de pleno direito a cláusula contratual que prevê arbitragem compulsória em contrato de adesão. vv: Sendo reconhecida a competência do juízo arbitral para dirimir as controvérsias oriunda do contrato celebrado pelas partes, com trânsito em julgado da decisão, deve ser extinto o processo em que se requer a anulação do negócio jurídico. (Des. Evangelina Castilho Duarte) (Apelação Cível 1.0079.08.410729-5/001, Relator(a): Des.(a) Valdez Leite Machado , 14ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 07/02/2013, publicação da súmula em 22/02/2013)

Por fim, quanto à pretensão da autora de ver aplicada em seu favor a multa contratual prevista exclusivamente em favor da construtora ré, razão não lhe assiste.

A cláusula 4.2 assim dispõe:

"Caso não sejam pagas na data de seu vencimento, as parcelas ficarão sujeitas, até seu efetivo pagamento, à multa de 2%, acrescida de 1% de juros moratórios ao mês ou 'pro-rata-die'. (f. 26-v)"

O Código Civil brasileiro prevê no seu art. 419 que "a cláusula penal pode referir-se à inexecução completa da obrigação, à de alguma cláusula especial ou simplesmente à mora".

Referindo-se a pena à inexecução completa da obrigação, trata-se da multa compensatória, ao passo que, referindo-se à inexecução de alguma cláusula especial ou à mora, trata-se da multa moratória.

Assim, enquanto a multa compensatória destina-se a evitar o inadimplemento integral da obrigação, a moratória dirige-se à proteção do cumprimento de determinada cláusula ou ao fiel cumprimento da obrigação, quanto à forma, ao lugar e, primordialmente, ao tempo estipulados.

Em relação aos efeitos atinentes a cada uma das espécies, a multa compensatória visa a suprir a falta de cumprimento da obrigação principal, como alternativa por escolha do credor a partir do inadimplemento. Já a multa moratória não substitui o direito à execução da obrigação principal, mas é exigível conjuntamente com este.

Seguindo-se a idéia indenizatória da cláusula penal, a compensatória visaria reparar o prejuízo pelo inadimplemento da obrigação no seu todo, ao passo que a moratória visaria indenizar apenas um descumprimento parcial, quanto ao lugar, modo ou, via de regra, quanto ao tempo da prestação assumida.

Sobre o tema, vale destacar que, em notícia publicada em 09/01/2013, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou que é possível a cumulação da multa contratual por mora e da indenização por perdas e danos. Ao analisar o recurso da incorporadora, a Terceira Turma do STJ confirmou que o credor tem a faculdade de requerer cumulativamente o cumprimento da obrigação, a multa estipulada no contrato e, ainda, indenização correspondente às perdas e danos decorrentes da mora.

O ministro Beneti ressaltou que a "cominação de uma multa para o caso de mora não interfere com a responsabilidade civil correlata que já deflui naturalmente do próprio sistema". (http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=10267)

Desse modo, como dito, não há que se falar em aplicação da multa moratória em favor da parte autora.

Registre-se que a ausência de previsão de penalidade para a vendedora, ora ré, no capítulo DO PAGAMENTO não autoriza a inversão da cláusula que prevê multa moratória em caso de inadimplemento, visto que há outra penalidade no contrato que pode preencher esse vácuo, deixando a contratação mais justa e equânime, repelindo, dessa forma, o enriquecimento ilícito de um dos contratantes.

POSTO ISSO, dou parcial provimento ao recurso da parte autora tão somente para declarar a nulidade da cláusula décima primeira, que instituiu compulsoriamente a arbitragem.

Mantenho os ônus de sucumbência, conforme sentença.

DES. EDUARDO MARINÉ DA CUNHA (REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. LUCIANO PINTO - De acordo com o(a) Relator(a).

SÚMULA: "DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DA PARTE RÉ E DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DA PARTE AUTORA."

Fonte: TJMG