terça-feira, 5 de julho de 2011

Indenização por defeitos em apartamento

Número do processo: 2.0000.00.512852-5/000

AÇÃO DE COBRANÇA - CONTRATO DE COMPRA E VENDA - APARTAMENTO SEM CONDIÇÕES DE SER DIGNAMENTE HABITADO - ENTREGA DO IMÓVEL DEPOIS DA DATA APRAZADA - CLÁUSULA PENAL - INCIDÊNCIA.

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 2.0000.00.512852-5/000 da Comarca de BELO HORIZONTE, sendo Apelante (s): MRV SERVIÇOS DE ENGENHARIA LTDA. e Apelado (a) (os) (as): FLÁVIO DINIZ CUNHA E OUTRA,

ACORDA, em Turma, a Décima Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, NEGAR PROVIMENTO AO APELO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR.

Presidiu o julgamento o Desembargador FRANCISCO KUPIDLOWSKI (Vogal) e dele participaram os Desembargadores ELPÍDIO DONIZETTI (Relator) e FÁBIO MAIA VIANI (Revisor).

O voto proferido pelo Desembargador Relator foi acompanhado na íntegra pelos demais componentes da Turma Julgadora.

DESEMBARGADOR ELPÍDIO DONIZETTI

Relator

V O T O

O SR. DESEMBARGADOR ELPÍDIO DONIZETTI:

Trata-se de apelação interposta à sentença que, nos autos da ação de indenização [rectius: cobrança] ajuizada por Flávio Diniz Cunha e Leila Rabelo Rodrigues em face de MRV Serviços de Engenharia Ltda., julgou parcialmente procedente o pedido formulado na inicial, para condenar a ré ao pagamento da quantia de R$ 2.660,00, devidamente corrigida e acrescida de juros moratórios.


Na sentença (f. 57-60), asseverou o juiz de primeiro grau que fora pactuado que a ré deveria concluir as obras do imóvel no último dia de junho de 2000, a fim de que os autores pudessem ser imitidos na posse do apartamento até o décimo dia de julho do mesmo ano, todavia, considerando-se que havia uma tolerância de noventa dias úteis para a conclusão da obra, o último dia para a entrega do apartamento passou a ser 13/10/2000.


Acrescentou que, em maio de 2000, quando a ré notificou os autores para receberem o apartamento, ainda havia defeitos e irregularidades neste, motivo pelo qual não estava em condições de ser habitado, tanto que a ré corrigiu-os posteriormente.


Assim, concluiu o juiz sentenciante, em razão de os autores somente haverem sido imitidos na posse do imóvel em 21/2/2001, por atraso imputável exclusivamente à ré, deve esta arcar com a pena convencional de 1% do preço do imóvel por cada mês ou fração de mês de atraso, contada a partir de 13/10/2000.


Inconformada, a ré interpôs apelação (f. 67-71), alegando, em síntese, que, conforme estipulado no contrato, o imóvel deveria ser entregue em "condição de habitabilidade". Por conseguinte, em razão de faltarem apenas alguns simples retoques no apartamento na data em que os autores foram notificados para recebê-lo, deve-se considerar que o imóvel já estava pronto para ser habitado deste tal data, motivo pelo qual não é cabível a multa por atraso de obra pleiteada pelos autores.


Acrescenta que eventual multa somente seria devida pelo atraso na entrega da obra, e não da unidade específica, razão pela qual, estando concluídas as obras de acabamento do hall do pavimento, das entradas do edifício, bem como do próprio apartamento, não são pequenos defeitos a serem reparados neste que acarretam a falta de "condição de habitabilidade".


Por fim, alega que fez os reparos no imóvel para adimplir sua obrigação, mas não por entender que o imóvel ainda era inabitável.


Desse modo, requer o provimento da apelação, a fim de que seja reformada a sentença, julgando-se, por conseqüência, improcedente o pedido formulado na inicial.


Os autores, por sua vez, apresentaram contra-razões (f. 74-77), pugnando pela manutenção da sentença por seus próprios fundamentos.


Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço da apelação.


Na sentença, asseverou o juiz de primeiro grau que, considerado o prazo de tolerância de 90 dias previsto contratualmente, o último dia para a entrega do apartamento adquirido pelos autores (apelados) foi 13/10/2000. Assim, havendo a imissão destes na posse do imóvel somente em 21/2/2001, por atraso imputável exclusivamente à ré (apelante), é devida a pena convencional de 1% do preço do imóvel por cada mês ou fração de mês de atraso, perfazendo o montante de R$ 2.660,00, devidamente corrigido e acrescido de juros moratórios (f. 59-60).


Inconformada, alega a apelante que, em maio de 2000, os apelados foram notificados para receber o apartamento, que já se encontrava em condições de ser habitado, uma vez que faltavam apenas alguns simples retoques a serem feitos (f. 69-70).


Acrescenta que eventual multa somente seria devida pelo atraso na entrega da obra, e não da unidade específica, motivo pelo qual, estando concluídas as obras de acabamento do hall do pavimento, das entradas do edifício, bem como do próprio apartamento, não se pode falar que simples reparos a serem feitos neste seriam causa para a incidência da multa prevista na cláusula penal (f. 70).


Os apelados, em contrapartida, aduzem que a própria apelante, ao lhes entregar o imóvel em 21/2/2001, reconheceu que, até então, o apartamento não se encontrava ainda em condições de ser habitado, pois, do contrário, não se levariam vários meses para corrigir as irregularidades constatadas. Aduzem, ainda, que somente há que se falar em "condição de habitabilidade" depois de concluídas as obras dentro do apartamento, pois não adquiriram somente o hall ou a entrada do prédio (f. 76).


Inicialmente, cumpre destacar que se aplicam ao caso sob julgamento as normas insertas no Código de Defesa do Consumidor, porquanto, em um dos pólos da relação jurídica material, figuram os apelados, na condição de consumidores (art. 2º do CDC), ao passo que, no outro, figura a apelante, na condição de fornecedora (art. 3º do CDC). Por conseguinte, não se deve perder de vista, para a solução do litígio, o art. 47 do referido diploma legal, segundo o qual "as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor".


Da análise do instrumento do contrato celebrado entre as partes, verifica-se que ficou estipulado o seguinte: "(...) pagará a PROMITENTE VENDEDORA, ao PROMITENTE COMPRADOR, a título de pena convencional, a importância equivalente a 1% (hum por cento) do preço atualizado do imóvel objeto deste contrato, por mês ou fração de mês de atraso, até a data em que o imóvel tenha habitabilidade" (cláusula 7.1, f. 13).


Também na mesma cláusula, encontra-se a seguinte disposição: "A entrega de qualquer unidade não fica condicionada à conclusão das demais unidades do empreendimento, sendo suficiente para se concretizar a referida entrega, [sic] que estejam concluídas apenas as obras de acabamento do hall do pavimento e as da entrada do bloco/edifício" (f. 14).


Pois bem. Em que pese a disposição mencionada no parágrafo acima, deve-se destacar que a "condição de habitabilidade", conquanto se refira ao hall do pavimento e à entrada do bloco/edifício, não se restringe a tais construções. É que, obviamente, quem compra um apartamento não tem o intuito de fixar residência na área comum do condomínio edilício, mas sim no próprio apartamento, ou seja, a "condição de habitabilidade" está intrinsecamente relacionada à conclusão das obras no interior do apartamento.


O que o segundo trecho extraído da cláusula 7.1 do instrumento contratual significa é que, além da necessária e lógica "condição de habitabilidade" do apartamento, faz-se necessária também a do bloco/edifício no qual se encontra o apartamento, mas não dos demais blocos/edifícios, em razão da provável autonomia entre eles. Todavia, não se exclui, em momento algum, a exigência de o apartamento ser habitável - o que seria absolutamente ilógico e abusivo -, razão pela qual o cerne do litígio consiste justamente em se verificar quando o apartamento adquirido pelos apelados adquiriu condições de ser habitado.


Aliás, ressalve-se que, por um mínimo de lógica e bom senso, mesmo que não se estivesse diante de uma relação de consumo não haveria como fugir da interpretação dada à referida cláusula contratual, a fim de se evitar conferir-lhe uma interpretação absurda.

Adentrando-se na questão da "condição de habitabilidade" da unidade residencial adquirida pelos apelados, cumpre ressaltar que, conforme termo de vistoria acostado aos autos com a inicial, ficaram constatadas diversas irregularidades no imóvel que a apelante queria entregar-lhes, podendo-se destacar, entre outras, as seguintes: fissura no teto da cozinha e de um dos quartos; vazamento na pia da cozinha; tanque da área quebrado (f. 17).


Ora, é óbvio que um imóvel em tais condições não é passível de ser habitado dignamente, podendo-se afirmar que uma pessoa média, ao despender suas reservas para a aquisição da tão sonhada casa própria, não aceitaria mudar-se para um apartamento com as aludidas irregularidades.


Destaque-se, ainda, que outros documentos acostados aos autos pelos apelados - em momento algum impugnados pela apelante - permitem concluir que o apartamento somente ficou em "condição de habitabilidade" em 21/2/2001, uma vez que, em folhas contendo o timbre da própria MRV, foram prestadas declarações no sentido de que, na referida data, o apartamento fora vistoriado pelos apelados, "em perfeito estado de funcionamento", sem as irregularidades verificadas anteriormente (f. 18-21).


Ressalve-se, por outro lado, que o único documento juntado pela apelante com a contestação - comunicado de entrega de chaves - é datado de 20/5/2000 (f. 33), bem antes da vistoria realizada pelos apelados - 7/10/2000 (f. 17) -, na qual ainda havia irregularidades no apartamento por estes adquirido. Por conseguinte, inegável que, na data em que a apelante alega haver entregado o apartamento, este ainda não estava acabado, motivo pelo qual não há que se falar que a apelante adimpliu a sua obrigação antes da data aprazada.


Por fim, cumpre ressaltar que a apelante, embora gaste quantias vultosas com publicidade para atrair os consumidores - geralmente oriundos das classes sociais menos abastadas -, afirmando que lhes dará um tratamento diferenciado, adota, na prática, política exatamente oposta à anunciada, deduzindo alegações absolutamente impertinentes para se furtar ao cumprimento de uma obrigação estipulada contratualmente.


À guisa de conclusão, verificado o atraso da apelante quanto à entrega do imóvel vendido aos apelados, deve-se negar provimento à apelação, mantendo-se, por conseguinte, a sentença, na qual se entendeu ser devida a multa prevista na cláusula penal.


Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação, mantendo, por conseqüência, a bem lançada decisão da lavra do ilustre juiz sentenciante, Dr. Maurílio Gabriel Diniz.

Custas recursais pela apelante.

DESEMBARGADOR ELPÍDIO DONIZETTI

Fonte: TJMG