O fato de a empresa estar passando por dificuldades financeiras não
autoriza a alteração das condições de trabalho de forma prejudicial ao
empregado. Permitir isso significaria transferir para o trabalhador os
riscos do empreendimento, em alteração contratual ilícita e ofensa ao
princípio da boa fé objetiva. Com esses fundamentos, a juíza Patrícia
Vieira Nunes de Carvalho, em sua atuação na Vara do Trabalho de
Cataguases, deferiu horas extras e reflexos a um trabalhador que teve
sua jornada de trabalho alterada de forma unilateral pela empregadora
que, alegando problemas financeiros, retirou uma folga semanal dele.
Admitido
em julho de 2010, o empregado sempre trabalhou em turnos de revezamento
com escala de seis dias de trabalho por dois de descanso, como previsto
em norma coletiva da categoria. Mas, a partir de julho/2012, começou a
trabalhar em turnos normais na escala de 6X1, ou seja, passou a usufruir
apenas uma folga semanal a cada seis dias de serviço. A empresa se
justificou alegando que, em virtude de dificuldades econômicas, teve que
extinguir a turma na qual o reclamante trabalhava e realocar os
empregados em outras atividades, todas realizadas nos turnos regulares
de 6X1.
Mas, a magistrada não acatou a tese da ré. Ela explicou
que o Direito do Trabalho proíbe que o empregador transfira para os seus
empregados os riscos da atividade econômica (artigo 2º da CLT) e, ao
ignorar essa norma legal, a empresa extrapolou os limites do seu poder
diretivo.
"Sendo inerente ao negócio da empregadora a
possibilidade de enfrentamento de crises econômicas e adversidades de
mercado, os riscos decorrentes devem por ela ser suportados, ou, caso
contrário, seriam transferidos ao trabalhador, em flagrante afronta ao
princípio da alteridade", destacou a juíza. Ela ponderou ainda que a
empresa tinha o poder de organizar o setor onde o reclamante
trabalhava, mas não de forma a lhe causar prejuízo, privando-lhe de dias
de descanso previstos em norma coletiva. "A atitude da empregadora afronta os princípios da não alteração contratual lesiva, da alteridade e da boa-fé objetiva", frisou.
De
acordo com a magistrada, a boa-fé objetiva é uma cláusula geral que
impõe que as partes de uma relação jurídica mantenham um padrão de
comportamento marcado pela lealdade, honestidade, cooperação, de forma
que nenhuma delas quebre a confiança que depositou na outra. E, segundo a
julgadora, a boa-fé objetiva possui diversos desdobramentos, entre
eles, dois bastante curiosos: "O primeiro desdobramento matriz da
boa-fé objetiva é a regra proibitiva, de origem medieval, denominada
"venire contra factum proprio", expressão que, literalmente, pode ser
traduzida como a proibição de "vir contra fato que é próprio".
Tecnicamente, em nome da segurança e da confiança, veda-se que um
agente, em momentos diferentes, adote comportamentos contraditórios
entre si, prejudicando alguém. O outro desdobramento é a expressão
conhecida como "tu quoque", extraída da célebre frase dita por Júlio
César ao ser apunhalado, covardemente e de surpresa, por seu filho: "tu
quoque Brutus filie mi" ("até tu Brutos, filho meu"). Assim, o "tu
quoque", quando aplicado na relação privada, pretende evitar a quebra da
confiança pelo comportamento marcado pela surpresa ou ineditismo", destacou, na sentença.
Na avaliação da juíza, foi exatamente o que ocorreu no caso: "A quebra da confiança, o ineditismo, a prática de um ato inesperado e a falta de lealdade por parte da ré", frisou.
Por tais razões, a empresa foi condenada a pagar ao trabalhador, como
extras, as horas trabalhadas após as folgas semanais que não foram
regularmente concedidas (2 dias de folga, a cada seis dias trabalhados),
a partir de julho de 2012, com reflexos em 13º, férias com 1/3, RSR,
feriados, e em FGTS. A empregadora apresentou recurso ordinário, que
está em trâmite no TRT-MG.
Fonte: TRT/MG