quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Nulidade de cláusula arbitral em contrato de imóveis

EMENTA: CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA - CLÁUSULA DE ARBITRAGEM - CONTRATO DE ADESÃO - NULIDADE - CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - APLICABILIDADE - SENTENÇA CASSADA. A cláusula compromissória deve ser estipulada por escrito, seja no próprio contrato negocial, ou em outro documento aditivo. Importante salientar que, uma vez acordada, ela obriga as partes a resolver o conflito através do Juízo Arbitral, por essa razão, a lei exige a manifestação de vontade das partes ao aderirem à cláusula compromissória, sob pena de ser declarada nula.
APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0024.10.061249-8/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - APELANTE(S): LÍLIAN CRISTINA EÇA FARIAS - APELADO(A)(S): MRV SERVICOS ENGENHARIA LTDA - RELATOR: EXMO. SR. DES. ANTÔNIO DE PÁDUA
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 14ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador VALDEZ LEITE MACHADO , incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM DAR PROVIMENTO E CASSAR A SENTENÇA.
Belo Horizonte, 07 de julho de 2011.
DES. ANTÔNIO DE PÁDUA - Relator
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
O SR. DES. ANTÔNIO DE PÁDUA:
VOTO
Trata-se de recurso de apelação interposto por Lílian Cristina Eça Farias, nos autos ação de indenização proposta contra MRV Engenharia Ltda, perante a 3ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte, inconformada com os termos da r. sentença de fls. 156/160 que extinguiu o processo sem exame de mérito, nos termos do arts. 267, VII, CPC, ao fundamento de que, havendo as partes ajustado a cláusula compromissória, na conformidade do disposto no art. 4º da Lei 9.307/96, não poderia a autora ingressar diretamente em juízo, antes de buscar a solução da controvérsia pela via arbitral.
Em suas razões recursais de fls. 161/176, aduz a apelante que o contrato é de adesão e a ré estabeleceu unilateralmente a cláusula arbitral e, por isso, tal cláusula é nula de pleno, direito nos termos do artigo 51 do CDC.
Ausente o preparo, apelante que litiga sob os benefícios da justiça gratuita.
Não houve apresentação de contrarrazões.
Conheço do recurso, presentes suas condições de admissibilidade.
Passando ao exame do recurso principal, interposto pela autora, verifico que, em 05/06/2007, firmou com a ré, ora apelada, "Termo de Acordo e Declaração de Partes e Outros Pactos" (fls. 30/35), tendo as partes em referência pactuado que quaisquer controvérsia decorrente em relacionada à interpretação ou cumprimento do contrato deveriam ser resolvidas de acordo com as regras da Câmara de Arbitragem de Minas Gerais.
Não obstante expressamente ajustado que as partes, para a solução de qualquer controvérsia relacionada ao mencionado contrato, submetê-lo-iam, antes, ao procedimento arbitral, segundo as regras da Câmara de Arbitragem de Minas Gerais, a apelante ingressou em juízo diretamente com a ação em tela, objetivando a rescisão do mencionado instrumento, não logrando êxito, conforme se colhe dos termos da r. sentença hostilizada, já delineados, em síntese, no relatório acima, parte integrante do presente voto, motivando, com isso, a interposição do recurso sob exame.
A Lei 9.307/96 possibilitou aos contratantes convencionar que qualquer litígio oriundo de um pacto surgido entre eles fosse solucionado por meio da arbitragem, sem haver necessidade de se movimentar o aparato jurisdicional estatal. Assim, facultou-se a inserção nos contratos da cláusula compromissória, segundo a qual as partes acordam em submeter as controvérsias surgidas a um árbitro previamente escolhido, renunciando, destarte, ao direito de recorrer à Justiça Comum, antes de exaurir a instância arbitral. Deve ser salientado, contudo, que a cláusula não pode impedir que a parte recorra ao Judiciário, após o exaurimento da instância arbitral, sob pena de estar sendo negada vigência ao art. 5º, XXXV da Constituição Federal.
Sobre a cláusula compromissória, vale registrar a lição de Francisco Maia Neto: "Constitui uma disposição inserida no contrato, onde as partes comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que eventualmente venham a surgir, excluindo assim a jurisdição estatal" (Arbitragem, a justiça alternativa, Belo Horizonte, 2002, p.33).
Anote-se que, consoante o art. 1º da Lei 9.307/96, somente litígios que girem em torno de direitos patrimoniais disponíveis podem ser alvo de arbitragem, competindo à Justiça solucionar as demandas relativas a direitos indisponíveis.
A cláusula compromissória deve ser estipulada por escrito, seja no próprio contrato negocial ou em outro documento aditivo. Importante salientar que, uma vez acordada, ela obriga as partes a resolver o conflito através do Juízo Arbitral, por essa razão, a lei exige a manifestação de vontade das partes ao aderirem à cláusula compromissória, sob pena de ser declarada nula.
No caso específico dos autos, estampada se encontra a relação de consumo, tendo os autores firmado com a ré o contrato particular de promessa de compra e venda.
Na lição do professor Orlando Gomes:
"No 'contrato de adesão' uma das partes tem de aceitar, em bloco, as cláusulas estabelecidas pela outra, aderindo a uma situação contratual que encontra definida em todos os seus termos. O consentimento manifesta-se como simples 'adesão' a conteúdo preestabelecido da relação jurídica. Conforme o ângulo de que seja focalizada, a relação contratual tem duplo nome. Considerada sob o aspecto da formulação das cláusulas por uma só das partes, recebe a denominação de 'condições gerais dos contratos' e é analisada à luz dos princípios que definem a natureza desse material jurídico. Encarada no plano da efetividade, quando toma corpo no mundo da eficácia jurídica, é chamada 'contrato de adesão' e examinada em relação ao modo por que se formam as relações jurídicas bilaterais". ("Contratos, 20ª edição. Rio de Janeiro:Forense, 2000, p.109).
No contrato de adesão, a cláusula compromissória só terá validade se ela estiver em negrito e contiver a assinatura do aderente, especialmente para essa cláusula, como manifestação de sua vontade em instituir o compromisso arbitral. Esse é o disposto no § 2º do art. 4º, da Lei 9.307/96:
"Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula."
No caso dos autos, o contrato celebrado entres as partes (fls. 30/35) se afigura como de adesão e, por isso, a cláusula 11(onze), que prevê a arbitragem compulsória, segundo a regra do art. 51, VII do CODECON é nula de pleno direito. O princípio da autonomia privada é mitigado por princípios outros, como o da igualdade, da boa-fé e da função social do contrato, o que se justifica em razão da evidente vulnerabilidade de um dos contratantes, no caso os consumidores, que serão obrigados a se sujeitar às cláusulas impostas pelo fornecedor.
Este egrégio Tribunal de Justiça já se manifestou:
"AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL - RELAÇÃO DE CONSUMO - POSSIBILIDADE DE REVISÃO DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS - ARBITRAGEM - ONEROSIDADE EXCESSIVA AO CONSUMIDOR. - Em se tratando de relação de consumo, é possível que se modifiquem as cláusulas que destoem das disposições do CDC (art. 6º, V), mormente as que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou que sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade (art. 51, IV do CDC). - Nos de contratos de adesão, é nula de pleno direito cláusula contratual que prevê arbitragem compulsória (art. 51, VII do CDC). O princípio da autonomia privada, aqui, é mitigado por princípios outros, como o da igualdade, da boa-fé e da função social do contrato, o que se justifica em razão da evidente vulnerabilidade de um dos contratantes, que será obrigado a se sujeitar às cláusulas impostas pelo outro, se com ele quiser contratar. (Apelação Cível 1.0702.06.319785-0/002 - Rel. Des. Elpídio Donizetti - Publ. 24/03/09).
Além disso, importante ressaltar que na fl. 179 dos autos, a apelante colacionou documento, no qual a própria apelada admite que:
"Em reunião recente de sua Administração, restou decidido que as demandas que envolvem os clientes promitentes compradores de imóvel das sociedades, não obstante a previsão contratual deverão ser submetidas à apreciação do poder Judiciário."
Assim, patente a nulidade da cláusula 11 do contrato firmado pelas partes, impondo-se a cassação da r. sentença hostilizada, que julgou extinto o processo sem resolução do mérito.
À vista do exposto, dou provimento ao recurso para cassar a r. sentença hostilizada e determinar o retorno dos autos à comarca de origem, para prosseguimento da instrução, com enfrentamento do mérito, como entender de direito o douto julgador.
Custas, ao final.
O SR. DES. ROGÉRIO MEDEIROS:
VOTO
De acordo com o Relator.
O SR. DES. ESTEVÃO LUCCHESI:
VOTO
De acordo com o Relator.
SÚMULA : DERAM PROVIMENTO E CASSARAM A SENTENÇA.