segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Indenização por atraso na entrega de imóvel

Númeração Única: 0446616-10.2010.8.13.0024

EMENTA: RESCISÃO CONTRATUAL. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. CULPA EXCLUSIVA DA CONSTRUTORA. RETENÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. DEVOLUÇÃO INTEGRAL DOS VALORES PAGOS. CORREÇÃO MONETÁRIA. TERMO INICIAL. DANO MORAL CONFIGURADO. QUANTUM. RECURSO ADESIVO. NÃO VINCULAÇÃO COM O PRINCIPAL. NÃO CONHECIMENTO. Verificada a culpa exclusiva da construtora pela rescisão contratual, deve ser devolvido ao comprador a integralidade dos valores pagos, corrigidos desde a época do desembolso. Caracteriza dano moral indenizável a conduta da construtora de procrastinar, sem motivo justificado, o início da obra, frustrando o sonho do comprador de ter a casa própria. A quantificação do dano moral obedece ao critério do arbitramento judicial, que, norteado pelos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, fixará o valor, levando-se em conta o caráter compensatório para a vítima e o punitivo para o ofensor. A apelação adesiva não pode ser conhecida se a matéria nela versada não foi objeto da principal.


APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0024.10.044661-6/001 COMARCA BELO HORIZONTE ALCIONE FERREIRA GOMES

APELADO(A)(S) CONSTRUTORA TENDA S/A

1º APELANTE(S) ALCIONE FERREIRA GOMES

APTE(S) ADESIV CONSTRUTORA TENDA S/A

APELADO(A)(S)

A C Ó R D Ã O


Vistos etc., acorda, em Turma, a 11ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO PRINCIPAL E ACOLHER A PRELIMINAR, PARA NÃO CONHECER DO ADESIVO.

Belo Horizonte, 30 de março de 2011.

DES. MARCOS LINCOLN,

RELATOR.



DES. MARCOS LINCOLN (RELATOR)

V O T O

ALCIONE FERREIRA GOMES ajuizou "Ação Ordinária de Rescisão de Contrato de Compra e Venda de Imóvel com Pedido de Indenização por Danos Materiais e Morais" contra CONSTRUTORA TENDA S/A, objetivando a rescisão do contrato celebrado entre as partes, devolução integral dos valore pagos, recebimento de indenização por danos materiais referentes à diferença de valorização do imóvel e indenização por danos morais.

A r. sentença recorrida julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, rescindindo o contrato objeto da ação e condenando a ré à devolução dos valores pagos, corrigidos desde a data de cada desembolso, e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, a contar da citação, bem como indenização por danos morais, no valor de R$ 10.000,00, corrigido a partir do arbitramento e com juros de 1% ao mês a contar da publicação, além das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em 15% sobre o valor da condenação.

Inconformada, a ré interpôs apelação. Em suas razões, sustentou, em síntese, que o contrato celebrado entre as partes prevê o pagamento de multa para o caso de atraso na entrega do imóvel. Alegou que, caso seja determinada a devolução dos valores pagos, faz jus à retenção de 25% a 30% a título de multa. Insurgiu-se contra a forma de correção. Defendeu a inocorrência de danos morais. Ao final, pugnou pelo provimento do recurso, para reformar a sentença e julgar improcedentes os pedidos iniciais, ou, a fixação de um percentual de retenção a título de multa e a redução do quantum indenizatório.

A autora apelou adesivamente, requerendo a condenação da ré ao pagamento da indenização referente à valorização do imóvel negociado.

Intimadas, as partes apresentaram as respectivas contrarrazões, tendo a ré arguido preliminar de não conhecimento da apelação adesiva.

Recursos próprios e tempestivos, estando somente a apelação principal preparada em razão de a apelante adesiva litigar sob o pálio da justiça gratuita.

APELAÇÃO PRINCIPAL

Infere-se dos autos, que as partes, em 13 de março de 2006, celebraram uma "Proposta de Compra de Imóvel" (fl. 06), referente ao apartamento nº 102, do bloco nº 03, do Residencial Quebec, com data de entrega prevista para março de 2009.

Apesar de o contrato de compra e venda não ter sido juntado aos autos, é fato incontroverso que houve sua celebração.

Pois bem.

Sustenta a ré/apelante principal, que o contrato de compra e venda prevê o pagamento de multa para o caso de atraso na entrega do imóvel.

Ocorre que, como mencionado, o referido instrumento não foi acostado aos autos, não sendo possível constatar a pactuação de tal penalidade, motivo pelo qual não há como determinar sua incidência.

Mesmo que assim não fosse, a referida multa por atraso somente seria devida no caso de manutenção do contrato de compra e venda, o que não é a hipótese dos autos, uma vez que a pretensão da autora é a rescisão do pacto em decorrência da culpa da construtora ré.

A construtora ré/apelante principal pretende, também, a fixação de um percentual de retenção a título de multa pela rescisão do contrato.

Analisando detidamente a proposta de fl. 06, constata-se que a previsão de entrega do imóvel era março de 2009.

No entanto, conforme afirmado pela autora em sua exordial e não negado pela construtora ré, 10 (dez) meses após a data prevista para entrega, as obras do referido empreendimento imobiliário não haviam sequer sido iniciadas.

Sendo assim, conclui-se que a rescisão do contrato ocorreu por culpa exclusiva da Construtora Tenda S/A, que não construiu o imóvel prometido.

Destarte, sendo constatada a culpa exclusiva da construtora ré pela rescisão contratual, não tem ela direito à retenção de qualquer percentual, pois tal fato configuraria enriquecimento ilícito, uma recompensa para a parte que descumpriu o contrato.

A propósito, sobre o tema, vejamos o entendimento do colendo Superior Tribunal de Justiça, em julgados envolvendo a própria Construtora Tenda S/A:

"CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL. INADIMPLÊNCIA DA CONSTRUTORA RECONHECIDA PELO TRIBUNAL ESTADUAL. RECURSO ESPECIAL. PROVA. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7-STJ. I. (...) Firmado pelo Tribunal estadual, soberano no exame da prova, que a rescisão do contrato de compra e venda decorreu de culpa da construtora em face do atraso na entrega do imóvel, inviável a reapreciação do tema em sede especial, ante o óbice da Súmula n. 7 do STJ. II. Indevida a retenção de parcela do preço, se o rompimento do contrato de promessa de compra e venda se deu por inadimplência da construtora e não da adquirente...". (STJ. 4ª Turma. REsp nº 510.267/MG. Rel. Min. Aldir Passarinho Junior. DJ: 03/05/04, pág. 172).

"CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL. INADIMPLÊNCIA DA CONSTRUTORA RECONHECIDA PELO TRIBUNAL ESTADUAL. RECURSO ESPECIAL. PROVA. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7-STJ. JUROS MORATÓRIOS, MULTA E HONORÁRIOS. APLICAÇÃO EM CONSONÂNCIA COM A PREVISÃO CONTRATUAL, POR EQÜIDADE. CORREÇÃO MONETÁRIA DAS PARCELAS A SEREM RESTITUÍDAS. INCC INCIDENTE ATÉ O AJUIZAMENTO DA AÇÃO, POR VINCULAÇÃO À CONSTRUÇÃO. INPC APLICÁVEL A PARTIR DE ENTÃO. I. Firmado pelo Tribunal estadual, soberano no exame da prova, que o atraso na entrega do imóvel foi por culpa da construtora, inviável a reapreciação do tema em sede especial, ante o óbice da Súmula n. 7 do STJ. (...) III. Indevida a retenção de parcela do preço, se o rompimento do contrato de promessa de compra e venda se deu por inadimplência da construtora e não do adquirente...". (STJ. 4ª Turma. REsp nº 510.472/MG. Rel. Min. Aldir Passarinho Junior. DJ: 29/03/04, pág. 247).

No mesmo sentido foi o posicionamento adotado por este egrégio Tribunal de Justiça, também em casos envolvendo a apelante principal:

"APELAÇÃO CÍVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. RESCISÃO. FALTA DE INTERESSE DO COMPRADOR. PRELIMINAR REJEITADA. CULPA DO VENDEDOR. DEVOLUÇÃO INTEGRAL DOS VALORES. RETENÇÃO INDEVIDA. 1. Já se encontra pacificado na Jurisprudência que mesmo o devedor inadimplente pode pleitear a rescisão do contrato. Assim, independente da apuração da culpa pela rescisão, matéria ligada ao mérito da causa, pode-se afirmar que o autor não carece de interesse processual. 2. A retenção de um percentual a título de perdas e danos somente é cabível nos casos em que o comprador dá causa à rescisão. Configurada a culpa da vendedora, as parcelas pagas pelo comprador devem ser devolvidas integralmente." (TJMG. 16ª Câmara Cível. Apelação nº 1.0024.08.274032-5/001. Rel. Des. Wagner Wilson, DJe: 28/01/2011).

"APELAÇÃO CÍVEL. RESCISÃO DE CONTRATO. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. ATRASO NA ENTREGA DA OBRA. DEVOLUÇÃO INTEGRAL DOS VALORES PAGOS. RETENÇÃO DE PERCENTUAL INCABÍVEL. Não tendo o imóvel sido entregue na data pactuada, por culpa do fornecedor, este deve ser responsabilizado pela rescisão do contrato; Não há que se falar na retenção de percentual sobre os valores já pagos pelos promitentes compradores, a título de multa, quando a rescisão ao contrato ocorre em virtude da conduta negligente da construtora." (TJMG. 12ª Câmara Cível. Apelação nº 1.0024.08.249744-7/001. Rel. Des. Domingos Coelho, DJe: 12/01/2011).

Dessa forma, deve ser mantida a parte da sentença que condenou a ré/apelante principal à devolução integral dos valores pagos pela autora.

Quanto ao termo inicial da correção monetária, deverá incidir desde a época do desembolso pela autora, uma vez que a correção não constitui um plus, mas mera preservação do valor aquisitivo da moeda.

Com relação aos danos morais, sustenta a ré/apelante principal serem indevidos tendo em vista que o atraso na entrega do imóvel configura um simples inadimplemento contratual.

De fato, o descumprimento ou a abusividade permeada em cláusulas de contrato não tem o condão, por si só, de ensejar indenização por danos morais.

Entretanto, salvo melhor juízo, a hipótese vertente possui caráter excepcional, onde se verifica a ocorrência de dano moral indenizável.

Isso porque, a conduta da ré/apelante principal no sentido de procrastinar, sem motivo justificado, o início da obra, causou prejuízo moral à autora, que teve frustrado o seu sonho de ter a casa própria.

Ora, não se trata de um mero atraso tolerável na entrega do imóvel, mas sim de um ilícito contratual, ensejador de dano moral, pois 10 (dez) meses após o prazo de entrega do apartamento as obras sequer tinham iniciado.

Não bastasse isso, verifica-se que a autora tentou resolver a questão administrativamente, antes de ajuizar a presente ação, sem, contudo, lograr êxito.

Logo, não há dúvida de que os desgastes emocionais sofridos pela autora ultrapassaram aqueles dissabores decorrentes de um mero inadimplemento contratual, devendo a apelante principal ser responsabilizada pelos danos causados.

Por conseguinte, restando induvidoso o dano moral, mister analisar o quantum indenizatório arbitrado em primeira instância.

A quantificação do dano moral permanece a cargo da doutrina e da jurisprudência, predominando no Direito Brasileiro o critério do arbitramento judicial (art. 944 do CC), tendo-se em conta que a reparação do dano moral tem duplo caráter: compensatório para a vítima e punitivo para o ofensor.

Nesse sentido, vejamos os ensinamentos de CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA:

"A - de um lado, a idéia de punição ao infrator, que não pode ofender em vão a esfera jurídica alheia...;

B - de outro lado proporcionar a vítima uma compensação pelo dano suportado, pondo-lhe o ofensor nas mãos uma soma que não é pretium dolores, porém uma ensancha de reparação da afronta..." (Instituições de Direito Civil, V, II, Ed. Forense, 16ª ed., 1.998, p. 242).

A fixação deve se dar com prudente arbítrio, para que não haja enriquecimento à custa do empobrecimento alheio, mas também para que o valor não seja irrisório.

As decisões de nossos Tribunais têm assentado o entendimento de que:

"A indenização por dano moral é arbitrável, mediante estimativa prudencial que leve em conta a necessidade de, com a quantia, satisfazer a dor da vítima e dissuadir, de igual e novo atentado, o autor da ofensa" (RT 706/67).

"A indenização haverá de ser suficientemente expressiva para compensar a vítima pelo sofrimento, tristeza ou vexame sofrido e penalizar o causador do dano, levando em conta ainda a intensidade da culpa e a capacidade econômica dos ofensores" (COAD, Bol. 31/94, p. 490, nº 66.291).

"Para a fixação do dano moral o julgador pode usar de certo arbítrio, devendo, porém, levar em conta as condições pessoais do ofendido e do ofensor" (RJTJRS, 127/411).

Destarte, atento ao princípio da prudência e às peculiaridades do caso sub judice, já apontadas, ausente o critério objetivo de fixação da verba indenizatória por danos morais e levando-se em conta outros processos que relatei, versando sobre a justa quantificação dos danos morais, hei por bem manter o valor arbitrado pelo MM. Juiz, qual seja, R$ 10.000,00 (dez mil reais), quantia que não configura uma premiação, nem mesmo uma importância insuficiente para concretizar a pretendida reparação civil.

Por tais razões, nego provimento à apelação principal.

APELAÇÃO ADESIVA

PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO (arguida nas contrarrazões)

A ré, nas contrarrazões de fls. 99/105, suscitou preliminar de não conhecimento do recurso adesivo, ao fundamento de que a matéria nele tratada não foi objeto do recurso principal.

Razão lhe assiste.

Consoante a sistemática processual vigente, "...o recurso adesivo fica subordinado ao recurso principal" (art. 500 do CPC).

Sobre o tema, a jurisprudência é firme no sentido de que o recurso adesivo não pode ser conhecido se a matéria nele versada não foi objeto do recurso principal, valendo trazer à colação o voto do eminente Desembargador Afrânio Vilela, proferido no julgamento do Recurso de Apelação nº 1.0024.04.2900175/001:

"APELAÇÃO. AÇÃO DE COBRANÇA. RETENÇÃO DE INDENIZAÇÃO DEVIDA AO CLIENTE PELO ADVOGADO A TÍTULO DE HONORÁRIOS CONTRATUAIS. AUSÊNCIA DE CONTRATO. AÇÃO DE ARBITRAMENTO DE HONORÁRIOS EM TRAMITAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE CONEXÃO. RECONVENÇÃO. INÉPCIA. PEDIDO GENÉRICO. INDEFERIMENTO MANTIDO. APELAÇÃO ADESIVA. MATÉRIA ESTRANHA À AÇÃO PRINCIPAL. (...) O recurso adesivo, por ser acessório e subordinado ao principal, fica limitado à matéria devolvida por este, sob pena de não ser conhecida aquela que não lhe foi contraposta, conforme estabelece a norma inserta no art. 500 do CPC."

No mesmo sentido, decidiu o colendo Superior Tribunal de Justiça:

"INDENIZATÓRIA PROPOSTA COM LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO. O recurso adesivo (rectius, recurso subordinado) pressupõe sucumbência recíproca, e busca contrapor-se ao recurso principal. Se o recurso principal é manifestado pelo réu condenado ao ressarcimento, não cabe ao autor interpor recurso adesivo impugnando a improcedência da demanda relativamente ao outro réu. O recurso adesivo vincula-se ao principal, em relação de subordinação (CPC, art. 500, III). O recorrente no recurso principal deverá estar como recorrido no recurso adesivo. Recurso especial interposto pelo autor sob a alínea c, e não conhecido." (STJ. 4ª Turma. REsp nº 27.319, Rel. Min. Athos Carneiro. DJU: 31/05/93, pág. 10.672, in JUIS - 16).

No caso vertente, a sentença recorrida julgou improcedente o pedido de indenização referente à suposta valorização do imóvel negociado, não tendo, por óbvio, a ré questionado tal matéria na apelação principal.

Ora, se a autora/apelante adesiva não se conformou com a improcedência de tal pedido, deveria ter oferecido recurso autônomo, e não recorrer adesivamente sobre matéria que não foi questionada na apelação principal.

Sendo assim, acolho a preliminar arguida nas contrarrazões e não conheço da apelação adesiva.

CONCLUSÃO

Mediante tais considerações, NEGO PROVIMENTO à apelação principal e ACOLHO a preliminar, para NÃO CONHECER da apelação adesiva, mantendo a sentença hostilizada, pelos seus próprios fundamentos.

Custas recursais, pelos respectivos apelantes, suspensa a exigibilidade quanto à parte que litiga sob o pálio da justiça gratuita.

DES. WANDERLEY PAIVA (REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).

DES.ª SELMA MARQUES (PRESIDENTE) - De acordo com o(a) Relator(a).

DES.ª SELMA MARQUESSÚMULA: "NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO PRINCIPAL E ACOLHER A PRELIMINAR, PARA NÃO CONHECER DO ADESIVO"

Fonte: TJMG