segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Indenização por atraso na entrega do imóvel e danos morais

Númeração Única: 2069895-56.2010.8.13.0024

EMENTA: AÇÃO DE CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO CONTRATUAL C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS - ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL - CULPA EXCLUSIVA DA CONSTRUTORA - MULTA POR DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL CUMULADA COM DANOS MATERIAIS - POSSIBILIDADE - NATUREZA DISTINTA - DANOS MORAIS - COMPROVAÇÃO - QUANTUM INDENIZATÓRIO - OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE - SENTENÇA REFORMADA PARCIALMENTE.

-A incidência da multa contratual por descumprimento e a INDENIZAÇÃO por danos materiais, são cumuláveis, eis que possuem naturezas distintas.

-A INDENIZAÇÃO por danos materiais se revelou devida, em razão de estarem presentes os requisitos ensejadores ao dever de indenizar, quais sejam, ato ilícito (mora na ENTREGA do imóvel), dano (despesas com alugueis) e nexo de causalidade (o aluguel do imóvel foi devido ao ATRASO na ENTREGA do bem adquirido pelos autores da ré). Já a incidência da multa, de caráter compensatório, encontra previsão no próprio contrato firmado.

-A ausência de ENTREGA de um imóvel residencial em tempo hábil por certo que gera uma justa expectativa de uso pelos adquirentes, mormente quando se há filhos menores.

-Toda esta situação familiar somada à demora de mais de um ano na ENTREGA, que não pode ser considerado como pouco tempo, sem dúvida gera mais do que meros dissabores à parte, mas efetivo abalo suscetível de INDENIZAÇÃO.

-A fixação da INDENIZAÇÃO por danos morais pauta-se pela aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

-A finalidade da INDENIZAÇÃO é a de compensar o ofendido pelo constrangimento indevido que lhe foi imposto e, por outro lado, desestimular o ofensor a praticar atos semelhantes.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0024.10.206989-5/001

COMARCA BELO HORIZONTE

DENISE REZENDE BARCELLOS BASTOS

APELADO (A) (S) CONSTRUTORA TENDA S/A

APELANTE(S) EDUARDO JOHNNY TADEU DE CASTRO BASTOS

APELADO (A) (S)

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 11ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em dar parcial provimento ao recurso.

Belo Horizonte, 25 de maio de 2011.

DES. WANDERLEY PAIVA,

RELATOR.

DES. WANDERLEY PAIVA (RELATOR)

V O T O

Trata-se de apelação interposta em face da sentença de fls. 140/149, proferida pelo MM. Juiz Estevão Lucchesi de Carvalho da 14ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte que, nos autos da ação de cumprimento de obrigação contratual c/c INDENIZAÇÃO por danos materiais e morais ajuizada por Denise Rezende Barcellos Bastos e Eduardo Johnny Tadeu de Castro Bastos em face de Construtora Tenda S/A., julgou parcialmente procedente os pedidos iniciais, para condenar a ré no pagamento da multa contratual de 0,5% por mês sobre o valor do imóvel objeto do contrato, incidindo no período entre julho de 2008 a 28/04/2010, corrigida monetariamente e acrescida de juros de 1% ao mês a partir da citação.

Condenou ainda a ré ao pagamento de R$6.494,81 à título de INDENIZAÇÃO por danos materiais e R$20.000,00 à título de danos morais.

Em razão de ter a parte autora decaído de parte mínima do pedido, condenou, a ré ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios fixados em 15% sobre o valor da condenação.

Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação, fls. 151/167, sustentando, em suma, que o ATRASO na ENTREGA do imóvel decorreu por culpa exclusiva dos autores, que não cumpriram sua parte no contrato. Contudo, destacou que, ainda que entenda pela aplicação da multa, é indevida a cumulação com danos materiais, eis que iria caracterizar o bis in idem, o que é vedado legalmente. Destacou que a condenação nas duas penalidades ocasionaria o enriquecimento sem causa dos autores, o que não pode prevalecer.

Aduziu a inexistência de dano moral, eis que não há qualquer comprovação de dor e sofrimento a justificar a condenação a este título. Colacionou inúmeras jurisprudências em que consta o não cabimento de INDENIZAÇÃO por danos morais em caso de ATRASO na ENTREGA. Contudo, na eventualidade de assim não se entender, pugnou pela minoração do quantum arbitrado, em consonância com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Concluiu pugnando pelo provimento do apelo, com a consequente reforma da decisão hostilizada.

Preparo regular, fls. 168.

Intimados, os autores apresentaram contrarrazões, fls. 179/180, pugnando pela manutenção incólume da sentença hostilizada.

Em síntese, é o relatório.

Pressentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Pretendem os autores/apelantes o recebimento de INDENIZAÇÃO por danos materiais e morais, além do pagamento de multa por descumprimento contratual da ré que, não entregou o imóvel adquirido no prazo previsto contratualmente, o que lhes acarretou inúmeros transtornos.

Da sentença de parcial procedência, recorre a ré, ao argumento de que o ATRASO na ENTREGA do imóvel decorreu por culpa exclusiva dos autores, que não cumpriram sua parte no contrato. Contudo, destacou que, ainda que entenda pela aplicação da multa por descumprimento da ré, é indevida a cumulação com danos materiais, eis que iria caracterizar o bis in idem, o que é vedado legalmente. Destacou que a condenação nas duas penalidades ocasionaria o enriquecimento sem causa dos autores, o que não pode prevalecer.

Aduziu a inexistência de dano moral, eis que não há qualquer comprovação de dor e sofrimento a justificar a condenação a este título. Colacionou inúmeras jurisprudências em que consta o não cabimento de INDENIZAÇÃO por danos morais em caso de ATRASO na ENTREGA. Contudo, na eventualidade de assim não se entender, pugnou pela minoração do quantum arbitrado, em consonância com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

Pois bem.

Analisando a peça recursal, verifica-se que, não obstante a ré/apelante imputar a culpa pelo ATRASO na ENTREGA do imóvel aos autores, não traz qualquer argumento para justificar sua alegação, nem tão pouco refuta os argumentos despendidos na sentença proferida

Por tal razão, deixo de analisar tal pleito.

Ademais, argumentou a ré que a aplicação da multa por descumprimento não pode ser cumulada com danos materiais, eis que iria caracterizar o bis in idem, o que é vedado legalmente. Destacou que a condenação nas duas penalidades ocasionaria o enriquecimento sem causa dos autores, o que não pode prevalecer.

Conquanto os argumentos despendidos pela ré/apelante, entendo que a incidência da multa contratual por descumprimento, bem como o ressarcimento das despesas havidas, à título de INDENIZAÇÃO por danos materiais, são cumuláveis, eis que possuem natureza distinta.

A INDENIZAÇÃO por danos materiais se revelou devida, em razão de estarem presentes os requisitos ensejadores ao dever de indenizar, qual seja, ato ilícito (mora na ENTREGA do imóvel), dano (despesas com alugueis) e nexo de causalidade (o aluguel do imóvel foi devido ao ATRASO na ENTREGA do bem adquirido pelos autores da ré).

Por outro lado, a incidência da multa, de caráter compensatório, encontra previsão no próprio contrato firmado, sendo decorrente do ATRASO na ENTREGA do imóvel, senão vejamos:

'Cláusula 14ª - §1º Se a Promitente Vendedora não concluir a OBRA no prazo fixado, após vencer o prazo acima avençado e não tendo ocorrido a prorrogação por motivo de força maior ou caso fortuito, pagará a Promitente Vendedora ao Promissário Comprador, a título de pena convencional a quantia que equivaler a 0,5% (meio por cento) do preço reajustado monetariamente da unidade, por mês ou fração de mês de ATRASO, sendo exigível até a data da liberação do apartamento pela promitente vendedora.' (f. 21)

Dessa forma, inexistem óbices para incidência cumulada dos danos materiais fixados na sentença e da multa compensatória estipulada no contrato.

Neste sentido, a jurisprudência deste Egrégio Tribunal já se orientou:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. RESCISÃO. FALTA DE INTERESSE DO COMPRADOR. PRELIMINAR REJEITADA. CULPA DO VENDEDOR. DEVOLUÇÃO INTEGRAL DOS VALORES. RETENÇÃO INDEVIDA. 1. Já se encontra pacificado na Jurisprudência que mesmo o devedor inadimplente pode pleitear a rescisão do contrato. Assim, independente da apuração da culpa pela rescisão, matéria ligada ao mérito da causa, pode-se afirmar que o autor não carece de interesse processual. 2. A retenção de um percentual a título de perdas e danos somente é cabível nos casos em que o comprador dá causa à rescisão. Configurada a culpa da vendedora, as parcelas pagas pelo comprador devem ser devolvidas integralmente. (TJMG - Ap. Cível nº. 1.0024.08.274032-5/001 - 16ª CC - Rel. Wagner Wilson - J. 26/11/2010)

EMENTA: AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL - DESCUMPRIMENTO PELA VENDEDORA DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS - ATRASO NA ENTREGA DA OBRA - DEVOLUÇÃO INTEGRAL DE PARCELAS PAGAS - MULTA PENAL E VALORES REFERENTES ÀS DESPESAS COM ALUGUEL DEVIDOS - PARCELAS DE IPTU - EXCLUSÃO.- A devolução integral dos valores pagos pelo promitente-comprador, que não deu causa à rescisão do contrato, não configura enriquecimento sem causa, nada devendo ser retido pela construtora a título de perdas e danos e/ou multa rescisória.- Restando comprovado que a única responsável pelo descumprimento do contrato de promessa de compra e venda, em razão do injustificado ATRASO na construção e ENTREGA do imóvel objeto da avença, foi a própria empresa construtora, deve ser reconhecido o direito do adquirente à rescisão do pacto, assim como à restituição de todos os valores pagos para a aquisição do bem pretendido e ao recebimento da multa contratual pelo ATRASO na conclusão da OBRA.- São devidos, a título de perdas e danos, o valor do aluguel contratado, pois a devolução das parcelas pagas poderá permitir a aquisição de outro imóvel, mas não repõe os aluguéis pagos no período em que a OBRA deveria ter sido entregue, servindo o aluguel para compensar as despesas com outra moradia no período que deveria estar residindo no bem adquirido. - Decota-se da condenação as parcelas relativas ao IPTU, pois tal imposto seria devido mesmo se o autor estivesse residindo no imóvel próprio. (TJMG - Ap. Cível nº. 1.0024.07.593456-2/001 - 9ª CC - Rel. Osmando Almeida - J. 22/02/2011)

Assim, referentemente à condenação em danos materiais, não assiste razão à recorrente quando aduz a ocorrência de "bis in idem" a cumulação de multa e danos materiais.

Noutro norte, aduziu a ré/apelante a inexistência de dano moral, eis que não há qualquer comprovação de dor e sofrimento a justificar a condenação a este título. Colacionou inúmeras jurisprudências em que consta o não cabimento de INDENIZAÇÃO por danos morais em caso de ATRASO na ENTREGA do imóvel.

Como se sabe, o Código Civil vigente, em seu art.186, prevê a possibilidade de reparação civil em razão de ato ilícito, inclusive quando o dano é exclusivamente moral.

A INDENIZAÇÃO por dano moral surge sempre que for atingido o ofendido como pessoa, não se cogitando de lesão ao seu patrimônio, razão pela qual dispensa prova em concreto, existindo in re ipsa, tratando-se de presunção absoluta.

O dano moral é lesão que integra os direitos da personalidade, tal como o direito à vida, à liberdade, à intimidade, à privacidade, à honra (reputação), à imagem (retrato e atributo), à intelectualidade, à identificação pessoal e à integridade física e psíquica, etc..., enfim, a dignidade da pessoa humana.

Nesse raciocínio, tem-se que configura dano moral aquele dano que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem estar. Neste diapasão, mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da incidência do dano moral, porquanto além de fazerem parte da normalidade do dia a dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico da pessoa.

Em resumo, a responsabilidade civil e seus efeitos presumem lesão, ou seja, a violação à ordem jurídica, pois, caso contrário tratar-se-ia de ato corriqueiro, no qual a licitude da sua prática não ensejaria qualquer reparabilidade.

No entanto, a possibilidade de INDENIZAÇÃO deve decorrer da prática de um ato ilícito, que é considerado como aquela conduta que viola o direito de alguém e causa a este um dano, que pode ser material ou exclusivamente moral. Em qualquer hipótese, porém, exige-se a violação de um direito da parte, da comprovação dos fatos alegados, dos danos sofridos e do nexo de causalidade entre a conduta desenvolvida e o dano sofrido.

Pois bem.

Feito esse breve apontamento, verifica-se que a questão posta nos autos cinge-se em saber se há o dever de indenizar o ato ilícito cometido pela apelante, que consiste, no inadimplemento contratual referente ao ATRASO na ENTREGA do imóvel adquirido, ou não.

Data venia, entendo que a ausência de ENTREGA de um imóvel residencial em tempo hábil por certo que gera uma justa expectativa de uso pelos adquirentes, mormente quando se há filhos menores.

Toda esta situação familiar somada à demora de mais de um ano na ENTREGA, que não pode ser considerado como pouco tempo, sem dúvida gera mais do que meros dissabores à parte, mas efetivo abalo suscetível de INDENIZAÇÃO.

No tocante ao quantum indenizatório, pugnou a ré/apelante pela minoração, em consonância com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

Vê-se que o Julgador monocrático arbitrou o quantum indenizatório na importância de R$20.000,00 (vinte mil reais).

Os critérios para a fixação do valor indenizatório, por não haver orientação segura e objetiva na doutrina e jurisprudência, fica este ao arbítrio do Juiz que deve agir com moderação, prudência e razoabilidade, cujo valor deve produzir no causador impacto suficiente para dissuadi-lo da prática de novos atos ofensivos, mas que, por outro lado, não venha constituir causa de enriquecimento indevido do ofendido.

Na valoração da verba indenizatória a título de danos morais, deve-se levar em conta o intuito da reparação, buscando um efeito repressivo e pedagógico e propiciar à vítima uma satisfação, sem que isto represente um enriquecimento sem causa.

Nesse sentido, Caio Mário da Silva Pereira, Leciona:

"É certo, como visto acima, que a INDENIZAÇÃO em termos gerais, não pode ter o objetivo de provocar o enriquecimento ou proporcionar, ao ofendido, um avantajamento, por mais forte razão deve ser eqüitativa a reparação do dano moral, par que se não converta o sofrimento em móvel de captação de lucro (de lucro capiendo)" - Responsabilidade Civil, 2ª edição, rio de Janeiro, Editora Forense, 1.990, nº 252, p. 339.

Neste interregno, pelo que consta dos autos, verifica-se que a condenação da apelante ao pagamento da importância de R$20.000,00 (vinte mil reais) se mostra superior ao que os tribunais vêm aplicando em casos análogos.

Sabe-se que deve ser levado em consideração a condição econômica das partes, os danos ocasionados, etc.

Assim, entendo que o valor de R$10.000,00 (dez mil reais) está condizente com a razoabilidade e cautela que merece o caso.

Com tais argumentos, dou parcial provimento ao recurso, apenas para minorar o quantum indenizatório fixado na sentença, para o montante de R$10.000,00 (dez mil reais).

Mantenho os ônus sucumbenciais na forma estabelecida na r. sentença primeva.

Em razão da sucumbência mínima, arcará a ré/apelante com as custas recursais.

DES.ª SELMA MARQUES (PRESIDENTE E REVISORA) - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. FERNANDO CALDEIRA BRANT - De acordo com o(a) Relator(a).

DES.ª SELMA MARQUESSÚMULA: "SÚMULA: DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO."

Fonte: TJMG