terça-feira, 6 de março de 2012

Indenização por atraso na entrega de imóvel

Número do processo: 1.0024.09.694099-4/002

EMENTA: RESCISÃO CONTRATUAL. CDC. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE BEM IMÓVEL. INADIMPLÊNCIA DA PROMITENTE VENDEDORA POR ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL. OBRIGAÇÃO DE DEVOLVER 100% DOS VALORES PAGOS. DANOS MORAIS INDEVIDOS. 1. Resultando dos autos prova incontroversa de que a promitente vendedora, na condição de construtora do imóvel, não o entregou no prazo avençado, nem mesmo depois de decorridos os 120 dias previstos como prorrogação, caracteriza-se a inadimplência por parte da construtora, ocasionando o dever de devolução integral da quantia paga à promitente compradora. 2. Não se justifica o desconto de qualquer retenção porque a exclusividade de culpa assim o impede, na forma de assentada jurisprudência deste Pretório Mineiro. 3. A restituição dos valores devidos à compradora do imóvel deve ser feita de forma imediata e em parcela única, sendo abusiva a pretensão de devolvê-los de forma parcelada. 4. Improcede o pedido de condenação do apelante nas penas de litigância de má-fé, pois, com a interposição do recurso, o mesmo está apenas exercendo seu direito de resistência, não produzindo qualquer manifestação ou ato que se insira nas hipóteses contempladas no art. 17, do CPC. 5. Os honorários da sucumbência fixados em 10% sobre o valor da causa estão adequados para a presente demanda, haja vista a sua complexidade e o esforço do profissional.

APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0024.09.694099-4/002 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - APELANTE(S): VANILDA DIAS - APELADO(A)(S): CONSTRUTORA TENDA LTDA - RELATOR: EXMO. SR. DES. FRANCISCO KUPIDLOWSKI

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 13ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador FRANCISCO KUPIDLOWSKI , incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM REJEITAR PRELIMINAR E DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO.

Belo Horizonte, 30 de junho de 2011.

DES. FRANCISCO KUPIDLOWSKI - Relator

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

O SR. DES. FRANCISCO KUPIDLOWSKI:

VOTO

Pressupostos presentes. Conhece-se do recurso.

Contra uma decisão que, na Comarca de Belo Horizonte - 9ª Vara Cível -, julgou improcedentes os pedidos iniciais, surge o apelo da autora VANILDA DIAS argüindo, preliminarmente, nulidade da sentença, ante a ausência de apreciação do pedido de inversão do ônus da prova e da multa prevista na Cláusula Décima Quarta do Contrato de Compra e Venda.

No mérito, pretende a reforma do decisum, para que seja decretada à rescisão contratual com a devolução integral dos valores pagos e pagamento de multa em decorrência do atraso da obra.

Diz que não contribuiu para o atraso da entrega do imóvel e que não apresentou a relação de fiadores, pois sequer foi notificada para a entrega das chaves.

Verbera que antes da concessão do habite-se não há que se falar que a obra encontra-se pronta, o que também a impossibilitou de providenciar financiamento com instituições financeiras.

Pleiteia indenização por danos morais, condenação da parte ré pela litigância de má-fé, tornando imperiosa a repetição do indébito.

Requer, por fim, que os honorários advocatícios sejam arbitrados nos termos do art. 20, §3º, do Código de Processo Civil.

É o necessário.

DA PRELIMINAR

No que se refere à nulidade da sentença por ausência de apreciação de alguns pontos abordados nos autos, constata-se que, da forma que foi colocada, a referida prejudicial confunde-se com o mérito e como tal será apreciada. Ato contínuo, passo, então, à análise meritória.

DO MÉRITO

Trata-se de Ação de Rescisão Contratual com pedido de devolução das parcelas pagas cumulada com danos morais aforada por Vanilda Dias em face da Construtora Tenda S/A.

Relata, para tanto, que as partes celebraram contrato de compra e venda de um apartamento, na planta, constituído de uma unidade do Residencial Betânia Park, situado na Avenida Úrsula Paulino, nº 381, apto 403, - Bloco 09 - no Bairro Betânia, nesta capital, com data prevista para a entrega da obra em 30 de novembro de 2007.

Afirma que sempre cumpriu com suas obrigações contratuais, sendo que a construtora extrapolou o prazo de integra do imóvel, sem qualquer justificativa, gerando-lhe várias vantagens, o que violou o princípio da boa fé e da probidade dos contratos.

Sustenta que, diante do descumprimento por parte da construtora, assiste direito de ter rescindido o contrato e ser ressarcida pelos valores pagos com incidência de atualizações e multa contratualmente prevista na Cláusula Décima Quarta.

Em contestação, a construtora, assevera, em resumo, que o descumprimento contratual foi por parte da autora, já que imóvel somente seria entregue mediante a apresentação de 02 (dois) fiadores e desde que o promitente comprador estivesse em dia com todas as obrigações contratuais, pugnando pela improcedência dos pedidos iniciais.

Lançada a sentença, o Magistrado Singular julgou improcedentes os pedidos aforados na exordial, ao fundamento de que a autora não apresentou os dois fiadores com idoneidade econômico-financeira, conforme estabelece a cláusula décima quarta do contrato, o que desobriga a requerida de entregar as chaves do imóvel, ensejando, assim, a interposição do presente recurso, que, a meu juízo, merece prosperar, pelos motivos que passo a expor.

Ab initio, de se ressaltar que as normas do Código de Proteção e Defesa do Consumidor visam evitar abusos praticados contra hipossuficientes que, quando da celebração de uma avença não possuem condições de argumentar e modificar cláusulas contratuais, ainda mais quando o contrato é de adesão.

A relação de consumo é evidente no caso dos autos e as normas protecionistas devem ser aplicadas, ante a existência de consumidor final e fornecedor de produtos, possibilitando ao Judiciário coibir os abusos praticados.

Assim, submetida a contratação às Normas do Código de Proteção e Defesa do Consumidor como acontece no caso presente, o descumprimento das obrigações não inibe a providência da revisão das cláusulas contratuais.

Conforme se depreende dos autos, a apelante firmou contrato de compra e venda com Construtora Tenda S/A, possuindo como objeto o apartamento 403, do Bloco 9, do empreendimento Residencial Betânia Park, situado na Avenida Úrsula Paulino, nº 381, nesta Capital.

Extrai-se do Termo entabulado entre as partes, acostado às fls. 32/39, que a construtora deveria entregar o imóvel, devidamente acabado, em 30 de novembro de 2007, com tolerância de 120 dias, o que, segundo a apelante, poderia ser entregue em 30 de maio de 2008.

A Cláusula Décima Quarta prevê as hipóteses em que serão admitidas o atraso na entrega da obra. Senão vejamos:

"A unidade será entregue na data descrita no sub-item 1.4 da capa do contrato, e poderá ser antecipada. Ficará, entretanto, sujeita a uma tolerância de 120 (cento e vinte) dias úteis contados do dia de sua expiração para as obras de arremate, dentre outras, e, além disso, na hipótese de ocorrência de caso fortuito ou de força maior, nos termos do art. 393, do Código Civil/2002, fica pactuado que a Promitente Vendedora não poderá ser responsabilizada por eventuais atrasos na entrega das unidades, cujo prazo ficará automaticamente prorrogado pelo mesmo número de dias em que durar o evento que lhes deu causa, com as parte pactuando que são hipóteses de caso fortuito e força maior, por exemplo, a fiscalização ou ato praticado por órgãos municipais, estaduais ou federais, que impeçam a continuidade da obra" (fl. 36).

Da cláusula transcrita, infere-se que a tolerância de 120 dias é somente para caso de "arremate da obra", "caso fortuito" ou "força maior", o que não restou comprovado nos autos, tendo sido, inclusive, afirmado pela apelada, por ocasião de sua defesa, que suposto retardamento na entrega da unidade imobiliária não é caso para a rescisão contratual, e, sim, para a incidência da multa especificada no parágrafo §1º da referida cláusula, a partir de junho de 2008.

Frente a este contexto, é incontroverso nos autos que o prazo de entrega do imóvel comprado pela autora não foi cumprido, nem mesmo com a prorrogação de 120 dias, ainda assim não cumpriu com o prometido, o que ensejou o pedido de rescisão constante de fl. 02/20.

Neste passo, diferentemente do que entendeu o ilustre Sentenciante, não há razão para atribuir à apelante qualquer descumprimento contratual. Ora, a culpa para a rescindibilidade é exclusiva da ré que prometeu em venda um imóvel e não o construiu dentro do prazo marcado pelo cronograma.

Ao contrário do restou consignado no decisum, data maxima venia, entendo que realmente não havia obrigação por parte da apelante em indicar os dois fiadores conforme previsto no parágrafo §4º, da Cláusula Décima Quarta do Contrato, já que a obra apenas se torna concluída com a autorização do "habite-se".

Assim, a toda evidência, a unidade será considerada pronta e acabada, pelo promitente vendedor, quando da concessão de respectivo "habite-se" ou quando da comunicação da construtora de que o imóvel já se encontra à disposição do promitente comprado.

Vê-se dos autos, notadamente da certidão de fls. 264, que a autorização do "habite-se" somente foi expedido pelo órgão competente em 20 de abril de 2010, valendo este como fato determinante da conclusão da obra, já que a entrega das chaves realmente não ocorreu, o que foi justificável pela própria construtora.

O atraso noticiado nos presentes autos não mostra justificado, caracterizando o descumprimento da obrigação, sendo, portanto, impertinente a alegação da apelada de que o inadimplemento ocorreu por parte da autora ao deixar de apresentar os dois fiadores e também que o órgão público que seria responsável pelo atraso da construção, já que é o responsável pela autorização do "habite-se".

Demonstrada a culpa é exclusiva da promitente vendedora, sem apresentar qualquer motivo relevante a justificar o atraso da obra, a devolução deverá registrar-se na íntegra, devidamente corrigidos pela Tabela da Corregedoria de Justiça, desde a data do desembolso de cada parcela, acrescido de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a partir da citação.

Sobre o tema, o entendimento desta CASA DE JUSTIÇA:

"RESCISÃO CONTRATUAL. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE BEM IMÓVEL... INADIMPLÊNCIA DA PROMITENTE VENDEDORA. ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL [...] DEVOLUÇÃO DE 100% DOS VALORES PAGOS. Rescindido o contrato de promessa de compra e venda de bem imóvel, por culpa da promissária vendedora, que deixa de entregar o imóvel no prazo estipulado, sem a devida notificação ao promitente comprador, nos termos estipulados no contrato, este tem o direito à devolução das parcelas pagas, corrigidas monetariamente, pelos índices das tabelas publicadas pela Douta CGJ, com a aplicação de juros de 1% ao mês, a partir da citação, sem prejuízo da restituição do valor pago a título de sinal...". (Apelação Cível 2.0000.00.499629-6/001, da Comarca de Belo Horizonte, tendo como Relator o Em. Des. PEREIRA DA SILVA e publicação em 14/11/2006).

A tudo confirmar, vem a seguinte ementa também contemporânea:

"[...] RESCISÃO CONTRATUAL. INADIMPLÊNCIA DA PROMITENTE VENDEDORA. DEVOLUÇÃO DA QUANTIA PAGA PELA PROMISSÁRIA COMPRADORA [...] RESCISÃO DA PROMESSA DE COMPRA E VENDA DO IMÓVEL OCORRIDA EM RAZÃO DO INADIMPLEMENTO DA CONSTRUTORA, IMPÕE-SE A RESTITUIÇÃO DAS PARCELAS AO ESTADO ANTERIOR, SEM RETENÇÃO DE QUAISQUER VALORES PELA PROMITENTE VENDEDORA...". (Apelação nº 2.0000.00.506234-0/001 da Comarca de Juiz de Fora, com Relatoria da Em. Desembargadora Teresa Cristina da Cunha Peixoto e publicação em 28/07/2006).

Com efeito, verificado o inadimplemento contratual, a parte que deu causa à rescisão do contrato deve suportar os ônus de sua incúria, restituindo de uma só vez os valores recebidos a título de prestação, não podendo haver retenção de qualquer taxa. Ora, não há justificativa para que a ré proceda à devolução da quantia paga da mesma forma que o preço foi integralizado, pois tais importâncias já incorporaram ao patrimônio da construtora.

Restando demonstrado nos autos o inadimplemento por parte da construtora, esta deve ser condenada ao pagamento da multa contratual prevista no §4º, da Cláusula Décima Quarta, que visa a penalizar a parte que deixou de adimplir suas obrigações.

Assim, tenho que a multa contratual, por demora na entrega da obra, deverá incidir no importe de 0,5% (meio por cento) ao mês sobre o total pago pela apelante, desde a data de 30.11.2011, momento em que o imóvel deveria ter sido concluída e entregue à compradora, até a data da restituição do valor total, uma vez que a referida cláusula é potestativa, ao prorrogar indefinitamente o prazo de entrega da obra.

Vale ressaltar que não justifica a incidência da pena culminatória a partir de 30 de maio de 2008, porquanto, não restou demonstrado, por parte da ré, as situações previstas no referido termo contratual, ou seja, que a obra estivesse na fase de arremate ou mesmo a ocorrência de caso fortuito ou força maior.

No ponto, é intolerável o atraso ocorrido, em razão do longo período de tempo. Contudo, melhor sorte, não assiste a autora quanto à pretendida indenização por danos morais.

O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA já pacificou o entendimento de que "O inadimplemento contratual implica a obrigação de indenizar os danos patrimoniais; não, danos morais, cujo reconhecimento implica mais do que os dissabores de um negócio frustrado. Recurso especial não conhecido. (REsp 201414/PA, Rel. Ministro WALDEMAR ZVEITER, Rel. p/ Acórdão Ministro ARI PARGENDLER, TERCEIRA TURMA, julgado em 20.06.2000, DJ 05.02.2001 p. 100)"

Eventual atraso na edificação da obra não tem, por si só, efeito de autorizar ressarcimento por danos morais, já que exigem outros pressupostos, que a autora não demonstrou satisfatoriamente.

Verifica-se que, embora a requerente possa ter se sentido frustrada com o descumprimento contratual, não há qualquer comprovação de que, em razão dos fatos alegados, tenha sido ela constrangida ou humilhada. De mais a mais, há de se ter em conta que nem todos os fatos considerados constrangedores dão ensejo ao dever de indenizar.

Lado outro, os juros de mora e a multa contratual reconhecidos, cuidam de recompor o desgaste na entrega da obra. Se de forma satisfatória ou não, a questão é diversa, não levando, contudo, por essa razão, o pagamento específico de ressarcimento por danos morais.

No que toca ao pedido de condenação da apelada por litigância de má-fé, julgo-o improcedente, visto que a construtora está apenas exercendo seu direito de resistência, não produzindo qualquer manifestação ou ato que se insira nas hipóteses contempladas no art. 17, do CPC.

Finalmente, os honorários da sucumbência encontram-se bem arbitrados, no percentual de 10% sobre o valor da causa, haja vista a complexidade da demanda e o esforço do profissional, até porque, estão em conformidade com o art. 20 do CPC.

Com o exposto, dou provimento parcial à apelação, para declarar a rescisão do contrato de promessa de compra e venda do Condomínio Residencial Park, condenando a requerida a restituir à autora as parcelas pagas, corrigidos pela Tabela da Corregedoria de Justiça, desde a data do desembolso de cada parcela, acrescido de juros de mora de 1% ao mês, a partir da citação e, ainda, ao pagamento da multa prevista na Cláusula Décima Quarta, no valor correspondente a 0,5% ao mês, sobre o total do valor pago pela autora, desde a data de 30.11.2007, até a data da restituição integral do valor pago pela autora, tudo a ser apurado em liquidação de sentença.

Em face da sucumbência minoritária, condeno apenas a apelada nas custas processuais.

Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): NICOLAU MASSELLI e ALBERTO HENRIQUE.

SÚMULA : REJEITARAM PRELIMINAR E DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO.

Fonte: TJMG