quarta-feira, 14 de março de 2012

Indenização por atraso na entrega de imóvel

Número do processo: 1.0024.06.089162-9/002

EMENTA: AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - EMPRESA QUE FIRMA CONTRATO PARTICULAR DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL COM NOIVOS E GERA PREJUÍZOS E TRANSTORNOS AOS CONSUMIDORES - DANO MORAL CARACTERIZADO - QUANTUM INDENIZATÓRIO - REDUÇÃO - IMPOSSIBILIDADE - ARRAS - ART. 418 DO CC - DEVOLUÇÃO DE FORMA SIMPLES - JUROS MORATÓRIOS - TERMO INICIAL - DATA DA CITAÇÃO - HONORÁRIOS DE ADVOGADO - REDUÇÃO - POSSIBILIDADE. - A empresa que firma contrato particular de promessa de compra e venda de imóvel com noivos que pretendem se casar, recebe vários pagamentos e, ainda assim, deixa de entregar o bem na data avençada sem qualquer razão justificável, responde pelos prejuízos causados aos consumidores, cujas legítimas expectativas de dispor do imóvel para estabelecer a residência conjugal restaram frustradas. - A teor do disposto no artigo 418 do CCB/2002, a parte contratante que deu causa à rescisão contratual deve ser condenada a restituir o valor recebido a título de arras de forma simples, e não em dobro. - Não se tratando de ato ilícito, o termo inicial dos juros moratórios é a data da citação, nos exatos termos do disposto no artigo 219 do CPC e artigo 405 do CCB/2002. - À luz dos critérios previstos no artigo 20 do CPC, é possível reduzir o valor dos honorários de advogado fixados na espécie.

APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0024.06.089162-9/002 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - APELANTE(S): CONSTRUTORA TENDA S/A - APELADO(A)(S): RODRIGO ALBERTO DE JESUS SILVA E OUTRO(A)(S) - RELATOR: EXMO. SR. DES. LUCAS PEREIRA

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 17ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM REJEITAR PRELIMINAR E DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO.

Belo Horizonte, 06 de março de 2008.

DES. LUCAS PEREIRA - Relator

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

O SR. DES. LUCAS PEREIRA:

VOTO

Trata-se de ação de rescisão contratual cumulada com pedidos de devolução de valores pagos e indenização, proposta por Rodrigo Alberto de Jesus Silva e Nathalia de Castro Pena, em desfavor de Construtora Tenda S.A.

Consta da inicial que os autores eram noivos e planejavam se casar em 10 de junho de 2006; que, a fim de adquirir sua moradia, os autores firmaram contrato com a ré no valor de R$ 31.950,00 (trinta e um mil novecentos e cinqüenta reais) referente ao apartamento descrito às f. 02/03, com previsão de entrega para 28 de março de 2006; que a parte ré descumpriu o pacto, pois deixou de construir o imóvel e, por isso, deve ser condenada à devolução integral das quantias recebidas; que o inadimplemento contratual da ré impediu que os autores tivessem uma moradia, e que se casassem nos moldes inicialmente planejados e, por isso deve ser condenada ao pagamento de indenização por danos morais.

Devidamente citada, a ré ofereceu contestação, e argumentou, preliminarmente, carência de ação por falta de interesse de agir. No mérito, aduziu que o atraso na entrega do imóvel decorreu de motivo de força maior, e que o pleito de rescisão contratual é destituído de amparo legal; que a devolução das quantias se condiciona ao pagamento de multa no montante de 30% (trinta pontos percentuais); que não restaram preenchidos os pressupostos da obrigação de indenizar.

Na sentença, o MM. Juiz a quo rejeitou a preliminar de carência de ação e, no mérito, julgou procedente o pedido inicial para declarar rescindido o contrato por culpa da ré, e condená-la: a) à devolução dos valores pagos devidamente atualizados pelos índices e percentuais de juros contratados a partir do desembolso; b) à devolução em dobro da quantia recebida a título de sinal; c) ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais), acrescida de juros moratórios e multa desde a data da sentença. Condenou a ré, ainda, ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como honorários de advogado fixados em 20% (vinte pontos percentuais) do valor da condenação.

Rejeitados os embargos de declaração opostos contra a sentença, esta decisão permaneceu inalterada.

Inconformada, a empresa ré interpôs recurso de apelação, e reiterou a preliminar de carência de ação por falta de interesse de agir. No mérito, asseverou que o atraso na entrega do imóvel foi causado em virtude de sério problema na rede de esgoto que impediu o prosseguimento das obras nos termos inicialmente planejados; que sua responsabilidade pelo atraso na entrega do bem deve ser afastada diante da ocorrência de motivo de força maior; que o prazo para a entrega do imóvel é prorrogável por 120 (cento e vinte) dias. Caso se entenda pela possibilidade de devolução das quantias pagas, cumpre observar os termos pactuados. Acrescentou que a situação retratada nos autos não é passível de reparação moral; que o termo inicial dos juros moratórios é a data da citação; que não se justifica a devolução em dobro dos valores recebidos a título de sinal, mormente porque não foi formulado pedido nesse sentido na petição inicial; que se faz necessária a redução dos honorários de advogado. Requer, ao final, o provimento do recurso.

Em contra-razões, os apelados ratificaram o pedido inicial, e pugnaram pela confirmação da sentença.

É o relatório.

JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

PRELIMINAR

Tendo em vista que a preliminar de carência de ação por falta de interesse de agir se confunde com o mérito, como tal será analisada.

Rejeito-a, portanto.

MÉRITO

Consta dos autos que as partes firmaram contrato particular de promessa de compra e venda referente ao apartamento 202 do Bloco 007, do Residencial Toronto, localizado na Rua Hungria n.º 565, Nova Pampulha - Ribeirão das Neves.

Por entender que a ré descumpriu sua obrigação de entregar o mencionado apartamento no tempo devido, o MM.º Juiz singular julgou procedente o pedido inicial para declarar rescindido o contrato firmado entre os litigantes por culpa da ré, e condena-la à devolução dos valores recebidos, bem como ao pagamento de indenização por danos morais.

Realmente, verifico que a ré descumpriu o contrato ao deixar de entregar o imóvel na data avençada, qual seja, 28 de março de 2006.

E, diversamente do que tenta fazer crer a apelante, não vislumbro a existência de motivo de força maior hábil a afastar a sua responsabilidade pelo atraso no cumprimento de suas obrigações contratuais. Muito embora o acordo firmado entre a empresa recorrente e a Copasa, referente à construção dos sistemas de abastecimento de água e de esgotamento sanitário no imóvel em questão, tenha sido firmado em 13-05-2005, não há qualquer notícia de que tais obras tenham sido sequer iniciadas, a fim de possibilitar a construção do apartamento dos autores (f. 63/68).

Outrossim, também não há como afastar a responsabilidade da ré pelo atraso pelo adimplemento contratual com base na cláusula contratual que prevê a tolerância de 120 (cento e vinte) dias para a entrega do imóvel, pois tal disposição somente pode ser aplicada nos casos de obras de arremate, conforme consta da cláusula 19 do contrato (f. 19). No caso dos autos, observo que a ré, ora apelante, sequer iniciou as obras de construção do imóvel e, por isso, ainda que se entendesse pela aplicabilidade do referido prazo, na espécie, a apelante não teria tempo hábil para adimplir sua obrigação contratual.

No tocante à devolução das quantias pagas, também não vejo como acolher o pleito recursal, pois a rescisão do contrato ocorreu em virtude de culpa exclusiva da ré.

Assim, tendo em vista que a ré deu causa à inexecução do contrato, fazem jus os autores à restituição da integralidade das quantias desembolsadas, nos exatos termos consignados na sentença. Admitir entendimento contrário violaria não somente o principio da boa fé objetiva, mas também a lógica e o bom senso, pois a parte inocente não pode ser responsabilizada pelo inadimplemento do outro contratante.

O juízo singular também agiu com acerto ao atribuir à ré o dever de arcar com o pagamento de indenização por danos morais. Pertinente transcrever trecho da sentença:

"A conduta da suplicada é inteiramente reprovável e deve ser reprimida na medida em que vende o sonho da casa própria sem possuir a mínima possibilidade de fazer a entrega no prazo e condições convencionados. Caracteriza crime contra a economia popular arrecadar recursos dos trabalhadores objetivando postergar em processo a devolução da tão suada economia daqueles que acreditam na propaganda por eles formulada.

É flagrante a ilicitude da sua conduta e o nexo de causalidade dessas com o sofrimento experimentado pelos autores que depositaram as suas economias em um projeto de vida frustrado pela suplicada" (f. 118)

Obviamente, a empresa que firma contrato particular de promessa de compra e venda de imóvel com noivos que pretendem se casar, recebe vários pagamentos e, ainda assim, deixa de entregar o bem na data avençada sem qualquer razão justificável, responde pelos prejuízos causados aos consumidores, cujas legítimas expectativas de dispor de um imóvel para estabelecer a residência conjugal restaram frustradas.

Pode-se dizer, portanto, que a apelante agiu de forma reprovável e ilícita ao firmar contrato particular de promessa de compra e venda de imóvel com pessoas que planejavam se casar, e deixar de entregar o imóvel destinado à moradia dos cônjuges na data avençada.

Em relação ao quantum indenizatório, entendo que a reparação por danos morais deve consistir na fixação de um valor que seja capaz de desencorajar o ofensor ao cometimento de novos atentados contra o patrimônio moral das pessoas.

MARIA HELENA DINIZ (Curso de Direito Civil Brasileiro, 7º vol., 9ª ed., Saraiva), ao tratar do dano moral, ressalva que a reparação tem sua dupla função, a penal "constituindo uma sanção imposta ao ofensor, visando a diminuição de seu patrimônio, pela indenização paga ao ofendido, visto que o bem jurídico da pessoa (integridade física, moral e intelectual) não poderá ser violado impunemente", e a função satisfatória ou compensatória, pois "como o dano moral constitui um menoscabo a interesses jurídicos extrapatrimoniais, provocando sentimentos que não têm preço, a reparação pecuniária visa proporcionar ao prejudicado uma satisfação que atenue a ofensa causada.".

É importante ressaltar não só o sentido de compensar o constrangimento sofrido pelo apelante, como também o de recomendação à apelada, para que diligencie objetivando evitar tais danos. Daí que, se a indenização não pode envolver enriquecimento sem causa, também não deve se revestir de valor insignificante, pois assim não intimidaria pedagogicamente a ré.

À luz de tais considerações, entendo que o valor fixado na sentença em R$ 6.000,00 (seis mil reais) se mostra justo e adequado para compensar os danos oriundos da situação retratada nos autos, qual seja, prejuízos materiais e morais advindos de inexecução contratual.

No tocante à devolução do sinal, entendo que a sentença está a merecer reparos, pois inexistem razões que justifiquem a condenação da apelante a devolver o dobro da referida verba. Nesse sentido, dispõe o artigo 418 do CCB/2002, segundo o qual se a inexecução do contrato for de quem recebeu as arras, "poderá quem as deu haver o contrato por desfeito, e exigir sua devolução mais o equivalente, com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, juros e honorários de advogado".

Sendo assim, nos termos do disposto no artigo 418 do CCB/2002, a sentença deve ser alterada, a fim de que a apelante seja condenada a restituir o valor recebido a título de sinal de forma simples, e não em dobro.

Com relação aos juros de mora, registre-se que, não se tratando de ato ilícito, o respectivo termo inicial ocorre a partir da citação, a teor do que dispõe o art. 219, do CPC e art. 405, do CC/2002 sendo, portanto, a citação válida, o marco inicial para contagem dos juros moratórios.

A propósito:

"Não se tratando de dívida decorrente de responsabilidade por ato ilícito, contam-se os juros de mora a partir da citação". (TJDF, 4ª T., rel. Sérgio Bittencourt, DJ 28-10-1998).

"Os juros moratórios, nas hipóteses de responsabilidade objetiva ou culpa contratual, serão devidos a partir da data da citação inicial, nos termos do artigo 1.536, § 2º, do Código Civil". (Recurso Especial nº 23.386/SP, relator Ministro Waldemar Zveiter, DJ de 30-11-1992)

Por fim, à luz dos critérios previstos no artigo 20 do CPC, e considerando também que esta demanda não apresentou elevado grau de complexidade jurídica, acolho o pedido de redução dos honorários de advogado para 15% (quinze pontos percentuais) do valor da condenação, que se mostra justo e adequado para remunerar o trabalho desempenhado pelos procuradores dos apelados nestes autos.

Ante o exposto, dou provimento parcial ao recurso para: a) alterar o termo inicial dos juros moratórios de todas as quantias a serem restituídas para a data da citação; b) determinar a devolução do valor recebido a título de arras de forma simples, e não em dobro; c) reduzir o valor dos honorários de advogado para o patamar de 15% (quinze pontos percentuais) do valor da condenação. No mais, mantenho incólume a sentença recorrida, por seus próprios e jurídicos fundamentos.

Custas recursais, pela empresa apelante.

Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): EDUARDO MARINÉ DA CUNHA e IRMAR FERREIRA CAMPOS.

SÚMULA : REJEITARAM PRELIMINAR E DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0024.06.089162-9/002

Fonte: TJMG