quinta-feira, 14 de abril de 2011

A cláusula arbitral, em contratos de adesão, só terá eficácia se tiver sido do aderente a iniciativa de instituí-la

Número do processo: 1.0024.08.183073-9/001(1)

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER - INDENIZAÇÃO - CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM - CONTRATO DE ADESÃO - PRELIMINAR SUSCITADA DE OFÍCIO - REJEIÇÃO. A questão acerca da validade da referida cláusula arbitral foi discutida nas razões do recurso, e, assim, o contraditório não restou ofendido, até porque a apelação devolve ao Tribunal a análise de todas as questões discutidas na instrução do processo. Assim, deve o mérito do processo ser apreciado nesta instância revisora.OBRIGAÇÃO DE FAZER. INDENIZAÇÃO. COMPROMISSO ARBITRAL. VALIDADE DA CLÁUSULA. REQUISITOS. INEFICÁCIA. NULIDADE. EXTINÇÃO DO PROCESSO. CASSAÇÃO. - Embora o compromisso arbitral implique em renúncia ao foro Estatal, a discussão sobre a validade da cláusula que o institui é de competência do Poder Judiciário, do qual não se pode excluir a apreciação da lesão de direito (artigo 5º, XXXV, CF) que decorre da privação de acesso à Justiça prestada pelo Estado, sem que o litigante tenha, validamente, a ela renunciado. - Em se tratando de contrato de adesão e havendo questionamento da parte sobre a sua validade, a 'vexata quaestio' se desloca para a aferição dos requisitos legais para que o compromisso arbitral seja firmado, o que não é matéria que faz parte do Compromisso Arbitral. - Em se tratando de contrato de adesão, a cláusula compromissória somente terá eficácia se tiver sido do aderente a iniciativa de instituí-la, ou se ele concordar de forma expressa com a sua instituição. - A concordância expressa, prevista no §2º, do artigo 4º, da Lei nº 9.307/96, não se caracteriza pelo mero lançamento de uma assinatura em cláusula preparada pela estipulante do contrato de adesão, que não sugere ter sido informada a existência da cláusula compromissória e explicação dos seus efeitos.V.V.OBRIGAÇÃO DE FAZER. INDENIZAÇÃO. COMPROMISSO ARBITRAL. PRELIMINAR DE EXTINÇÃO DO PROCESSO. OITIVA DO AUTOR. NECESSIDADE. SENTENÇA CASSADA. - Uma vez instituído o compromisso arbitral, a extinção do processo com fulcro na disposição do art. 267, VII, do CPC, é plenamente justificada, desde que válida a disposição contratual. - Embora o compromisso arbitral implique em renúncia ao foro Estatal, a discussão sobre a validade da cláusula que o institui é de competência do Poder Judiciário, do qual não se pode excluir a apreciação da lesão de direito (artigo 5º, XXXV, CF) que decorre da privação de acesso à Justiça prestada pelo Estado, sem que o litigante tenha, validamente, a ela renunciado. - Em se tratando de contrato de adesão e havendo questionamento da parte sobre a sua validade, a 'vexata quaestio' se desloca para a aferição dos requisitos legais para que o compromisso arbitral seja firmado, o que não é matéria que faz parte do Compromisso Arbitral. - Tendo sido a convenção de arbitragem suscitada em preliminar da defesa, em obediência à disposição do artigo 301, IX, do CPC, cabe ao Juiz atender ao que dispõe o artigo 327, do CPC, que manda ouvir o autor, permitindo assim o estabelecimento do contraditório.

APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0024.08.183073-9/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - APELANTE(S): CLELMO RODRIGUES LÚCIO E OUTRO(A)(S) - APELADO(A)(S): MRV SERVICOS ENGENHARIA LTDA - RELATOR: EXMO. SR. DES. LUIZ CARLOS GOMES DA MATA

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 13ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, EM REJEITAR PRELIMINAR SUSCITADA DE OFÍCIO PELO RELATOR E, NO MÉRITO, DAR PROVIMENTO AO RECURSO PARA CASSAR A SENTENÇA.

DES. LUIZ CARLOS GOMES DA MATA - Relator

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

O SR. DES. LUIZ CARLOS GOMES DA MATA:

VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto por CLELMO RODRIGUES LÚCIO, contra sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito da 15ª Vara Cível desta Capital, que, em ação de obrigação de fazer cominada com pedido de indenização, por ele ajuizada, acolhendo preliminar suscitada na defesa, julgou extinto o processo sem julgamento de mérito, ao entendimento de que a existência de cláusula de compromisso de arbitragem exclui a competência da Justiça Comum.

Inconformado, o Apelante sustenta que, em se tratando de contrato de adesão, a cláusula compromissória não tem validade, uma vez que ele não tomou a iniciativa de instituí-la, nem concordou com a sua instituição; aduz não ter sido informado da existência de tal cláusula e nem dos seus efeitos jurídicos; pede que seja cassada a sentença; e, por fim, que, desde logo, nos termos do que autorizaria o artigo 515, §3º, do CPC, sejam julgados procedentes os pedidos exordiais.

Contrarrazões às fls. 96/103, pugnando pela manutenção da sentença.

Assistência judiciária deferida ao autor, o ora Apelante, à fl. 58 dos autos.

Este é o relatório.

DECIDO:

Conheço do recurso de apelação interposto, porquanto próprio e tempestivo.

Suscito preliminar de ofício, tendo em vista a desobediência ao que dispõe o artigo 327, do CPC, que implica em cerceamento de defesa.

Justifico ser cabível a declaração de nulidade da sentença, de ofício, por estar a Apelada sob o pálio da assistência judiciária, a revelar a sua hipossuficiência, como também por se estar diante de um contrato de adesão, o que atrai a aplicação do Código de Defesa do Consumidor e autoriza a relativização do "ne procedet judex ex oficio" (art. 2º, CPC).

No mesmo sentido, colaciono precedentes deste Egrégio Tribunal, admitindo que a preliminar de cerceamento de defesa seja suscitada de ofício, v.g. in (grifei):

INDENIZAÇÃO. PRODUÇÃO DE PROVAS ORAL. PEDIDO DEFERIDO. REQUERIMENTO DE OUTRAS PROVAS. NÃO APRECIADO. CERCEAMENTO DE DEFESA. É lícito ao juiz determinar que as partes especifiquem as provas que pretendem produzir, depois de delimitadas as questões de fato controvertidas, mas lhe é defeso ignorar o pedido já formulado na petição inicial, ou impedir a produção de provas anteriormente deferidas no bojo dos autos. Suscitar, de ofício, a preliminar de cerceamento de defesa para cassar a sentença. Apelação voluntária prejudicada.

(TJMG - AC nº 1.0592.05.001455-0/001 - Rel. Desembargador MARCOS LINCOLN - DJ 29/01/2009)

APELAÇÃO CÍVEL - EMBARGOS MONITÓRIOS - DILAÇÃO PROBATÓRIA IRRESTRITA. Pelo disposto no §2º do artigo 1.102-C do CPC, opostos os embargos monitórios, há a conversão para o procedimento ordinário, o que possibilita às partes ampla discussão da matéria. Levantar, de ofício, preliminar de cerceamento de defesa e cassar a sentença. Preliminar instalada de ofício e sentença a partir de fl.98 cassada.

(TJMG - AC nº 1.0245.05.064025-0/001 - Rel. Desembargadora ELECTRA BENEVIDES - DJ 20/03/2009)

Uma vez instituído o compromisso arbitral válido, a extinção do processo com fulcro na disposição do art. 267, VII, do CPC, é plenamente justificada.

A jurisprudência deste Egrégio Tribunal não destoa de tal entendimento, v.g.:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REVISÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. A convenção de arbitragem transfere ao juízo arbitral a competência para dirimir as controvérsias que envolvem direitos disponíveis, afastando a competência cognitiva ordinariamente atribuída ao Estado-Juiz. A ação ajuizada em desacordo com cláusula compromissória deve ser extinta sem julgamento do mérito.

(TJMG - AC n.º 1.0024.07.502822-5/002 - Relator Des. JOSÉ FLÁVIO DE ALMEIDA - DJ 17.05.2008)

CIVIL - APELAÇÃO - AÇÃO DECLARATÓRIA - FALTA DE INTERESSE SUPERVENIENTE - OCORRÊNCIA - ARBITRAGEM POSTERIOR AO AJUIZAMENTO DO FEITO - PRESENÇA DE CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA - EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO - INCISO VII DO ARTIGO 267 DO CPC. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ - OCORRÊNCIA. Deve ser negado provimento ao recurso contra a sentença que extinguiu o feito judicial por ausência de interesse processual por terem as partes instituído o procedimento arbitral. Deve ser reduzida a pena de litigância de má-fé quando o montante foi arbitrado acima do legalmente previsto. Majoram-se os honorários advocatícios quando a fixação ocorreu em valor irrisório para a causa em discussão.

(TJMG - AC n.º 1.0283.05.001235-2/002 - Relator Des. AFRÂNIO VILELA - DJ 06.02.2009 )

Assim, desde que exista estipulação válida, não vejo como adotar solução diferente.

Entretanto, tendo sido a convenção de arbitragem suscitada em preliminar da defesa, em obediência à disposição do artigo 301, IX, do CPC, cabia ao MM. Juiz a quo atender ao que dispõe o artigo 327, do CPC, que tem o seguinte teor, verbis:

"Art. 327. Se o réu alegar qualquer das matérias enumeradas no art. 301, o juiz mandará ouvir o autor no prazo de dez (10) dias, permitindo-lhe a produção de prova documental. Verificando a existência de irregularidades sanáveis, o juiz mandará supri-las, fixando à parte prazo nunca superior a trinta (30) dias." (grifei)

Verifico que não foi atendida tal exigência processual, pois logo depois de colhida a defesa (fls. 63/83), sobreveio a sentença de extinção do processo (fls. 84/86).

Diante do que dispõe o §4º, do artigo 301, do CPC, o compromisso arbitral não é matéria que pode ser conhecida de ofício, o que avulta a necessidade de estabelecimento do contraditório.

Tal atropelamento da marcha processual privou o Apelante de discutir, perante a instância primeva, a validade da cláusula que instituiu o compromisso arbitral, de forma a estabelecer a controvérsia, o que é uma garantia constitucional. Também perpetrou um cerceamento de defesa, na medida em que não permitiu a uma das partes impugnar o documento apresentado como comprovante da existência da cláusula compromissória.

Observo, ainda, que, em se tratando de contrato de adesão e havendo questionamento da parte sobre a sua validade, a "vexata quaestio" se desloca para a aferição dos requisitos legais para que o compromisso arbitral seja firmado, o que não é matéria que faz parte do Compromisso Arbitral.

No caso, alega o Apelante que não tomou a iniciativa de instituir o compromisso arbitral, nem com ele concordou de forma expressa, mesmo porque não foi informado da existência de tal cláusula nem dos seus efeitos jurídicos. São questões que dizem respeito à validade de cláusula que instituiu o compromisso arbitral.

Embora o compromisso arbitral implique em renúncia ao foro Estatal, a discussão sobre a validade da cláusula que o institui é de competência do Poder Judiciário, do qual não se pode excluir a apreciação da lesão de direito (artigo 5º, XXXV, CF) que decorre da privação de acesso à Justiça prestada pelo Estado, sem que o litigante tenha, validamente, a ela renunciado.

Por tais razões é que casso a sentença de extinção do processo, determinando a instância primeva que, ouvido o autor sobre a preliminar de extinção do processo, fundada na existência de convenção de arbitragem, decida, em seguida, conforme a formação ou não do contraditório exigir.

Feitas tais considerações, SUSCITO PRELIMINAR DE OFÍCIO E CASSO A SENTENÇA, determinando o retorno dos autos à origem para que se dê regular andamento ao feito, mediante a oitiva do autor sobre a preliminar de extinção do processo, suscitada pela ré, decidindo-se, em seguida, conforme a formação ou não do contraditório exigir.

Custas recursais pelo Apelado.

É como voto.

O SR. DES. FRANCISCO KUPIDLOWSKI:

VOTO

Data venia ao entendimento esposado pelo Ilustre Des. Relator, ouso divergir quanto à preliminar suscitada de ofício, uma vez que a parte apelante sequer alegou, no recurso, violação ao contraditório.

A preliminar suscitada nas contestação e acolhida pela sentença versa sobre incompetência da justiça estadual, pois no contrato de adesão celebrado entre as partes há estipulação de cláusula de compromisso de arbitragem.

Ademais, a questão acerca da validade da referida cláusula arbitral foi discutida nas razões do recurso, e, assim, o contraditório não restou ofendido, até porque a apelação devolve ao Tribunal a análise de todas as questões discutidas na instrução do processo.

Ao meu ver, não houve atropelamento algum na marcha processual, nem mesmo privação do autor a respeito da matéria.

Com o exposto, rejeito a preliminar suscitada de ofício, devendo o mérito do recurso ser apreciado nesta instância revisora.

A SRª. DESª. CLÁUDIA MAIA:

VOTO

Peço vênia ao eminente Desembargador Relator para dele divergir.

As questões atinentes ao descumprimento do disposto no art. 327 do Código de Processo Civil e a suposta violação do contraditório sequer foram aventadas pela parte apelante no recurso de apelação.

Como se sabe, em se tratando de violação de norma cogente de tutela de interesse privado, como é o caso do cerceamento da ampla defesa e do contraditório, depara-se, no âmbito do processo civil, com nulidade relativa e, por isso, fica vedado o reconhecimento de ofício pelo órgão jurisdicional.

Cabe registrar que a discussão acerca da validade da cláusula arbitral foi feita no bojo do próprio recurso de apelação, de tal forma que, segundo os efeitos devolutivo e translativo, pode o Tribunal perfeitamente examinar tal questão.

Em face dessas considerações, REJEITO A PRELIMINAR SUSCITADA DE OFÍCIO PELO RELATOR, divergindo da anulação de ofício da sentença, consignando a necessidade de apreciar a matéria devolvida pelo recurso de apelação ao conhecimento deste Tribunal.

O SR. DES. LUIZ CARLOS GOMES DA MATA:

VOTO

No mérito, peço vista, Sr. Presidente.

O SR. DES. PRESIDENTE:

Este feito veio adiado da sessão anterior a pedido do Des. Relator.

O SR. DES. LUIZ CARLOS GOMES DA MATA:

VOTO

DECIDO:

Superada a preliminar que suscitei de ofício, pedi vista para o exame de mérito, que passo a abordar:

O Apelante alega que não tomou a iniciativa de instituir o compromisso arbitral, nem com ele concordou de forma expressa, mesmo porque não foi informado da existência de tal cláusula nem dos seus efeitos jurídicos. São questões que dizem respeito à validade de cláusula que instituiu o compromisso arbitral.

Como já afirmei, a discussão sobre a validade da cláusula que institui o compromisso arbitral é de competência do Poder Judiciário, do qual não se pode excluir a apreciação da lesão de direito (artigo 5º, XXXV, CF), que decorre da privação de acesso à Justiça prestada pelo Estado, sem que o litigante tenha, validamente, a ela renunciado.

No caso, que se trata de contrato de adesão, cuja validade é questionada, a "vexata quaestio" se desloca para a aferição dos requisitos legais para que o compromisso arbitral seja firmado, o que não é matéria que faz parte do Compromisso Arbitral.

Assim, passo ao exame da validade da renúncia ao acesso à Justiça Estatal, contida no contrato de adesão de fls. 74/82, à luz do que dispõe a Lei n.º 9.307, de 23 de setembro de 1996, fixando os seguintes requisitos para a estipulação de cláusula compromissória, verbis:

Art. 4º A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato.

§ 1º A cláusula compromissória deve ser estipulada por escrito, podendo estar inserta no próprio contrato ou em documento apartado que a ele se refira.

§ 2º Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula.

(...)

Art. 10. Constará, obrigatoriamente, do compromisso arbitral:

I - o nome, profissão, estado civil e domicílio das partes;

II - o nome, profissão e domicílio do árbitro, ou dos árbitros, ou, se for o caso, a identificação da entidade à qual as partes delegaram a indicação de árbitros;

III - a matéria que será objeto da arbitragem; e

IV - o lugar em que será proferida a sentença arbitral.

Como visto, em se tratando de contrato de adesão, a cláusula compromissória somente terá eficácia se tiver sido do aderente a iniciativa de instituí-la, ou se concordar de forma expressa com a sua instituição.

A meu juízo, a concordância expressa prevista no §2º, do artigo 4º, da Lei n.º 9.307/96, não se caracteriza pelo mero lançamento de uma assinatura em cláusula preparada pela estipulante do contrato de adesão, como percebo no caso, em que até mesmo o código do formulário está mencionado no documento de f. 74 [V21 RMast(BH)].

Fosse admissível a estipulação do compromisso arbitral, através de cláusula de adesão, estaria sendo frustrado o objetivo do legislador ao estipular condições diferenciadas para a validade da renúncia do foro Estatal nos contratos de adesão. A exigência de destaque, de pleno conhecimento e entendimento do aderente sobre os efeitos da cláusula compromissória ficaria prejudicada, na medida em que a disposição do §1º, do artigo 4º, da Lei nº 9.307/96, já seria suficiente para autorizar tal pacto.

Como é sabido, umas das regras básicas de hermenêutica é que não se deve considerar que o legislador cria normas inúteis, dispensáveis, o que me leva a dar à disposição do supracitado §2º um alcance que o diferencia do §1º. Se nos contratos em geral a cláusula compromissória pode ser estipulada no próprio contrato ou em documento apartado, sem maiores exigências, nos contratos de adesão, quando não tiver sido do aderente a iniciativa de sua instituição, de forma alguma se pode permitir que a concordância expressa exigida pela lei seja provada através de uma cláusula preparada para simples adesão.

Estou convencido de que o Apelante, de fato, não foi informado da existência da cláusula compromissória, muito menos dos seus efeitos, tendo assinado o documento de f. 74 juntamente com o contrato de adesão (fls. 78/82), um termo de ciência (f. 75) e uma declaração (f. 76), todos preparados pela Apelada. E em tais circunstâncias não se pode dizer que concordou de forma expressa com a instituição da cláusula compromissória.

Observo, a propósito da ausência de esclarecimento ao aderente dos efeitos da cláusula compromissória, que a Promitente Vendedora nem mesmo assinou o documento de f. 74, o que me leva a concluir não ter existido qualquer tratativa a propósito do seu conteúdo. Tratou-se de uma mera formalidade, com o objetivo de contornar a exigência legal de efetiva participação do aderente na instituição do compromisso arbitral.

Além disso, o documento de f. 74 não representa uma concordância com a instituição da arbitragem, mas sim uma ratificação de instituição que teria sido feita no Contrato Particular de Compra e Venda, que, por sua vez, não atende a exigência do §2º, do artigo 4º, da Lei nº 9.307/96, pois não há nos autos, com assinatura ou visto lançado especialmente na cláusula, um compromisso arbitral pactuado nos termos do artigo 10 da citada lei.

Confira-se, no documento de fls. 78/82, que uma das páginas do contrato não foi carreada aos autos, justamente a que, imagina-se, poderia conter a cláusula compromissória. Vê-se à f. 82 um texto que parece ser a continuação dos termos de um compromisso arbitral, mas não se pode saber se há no início da cláusula o indispensável lançamento de assinatura ou visto do aderente; além disso, não está em negrito.

A propósito, cabe a aplicação da disposição do artigo 46 do Código de Defesa do Consumidor, pois, com efeito, não foi dada ao Apelante a "oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo" e a cláusula compromissória foi redigida "de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance".

Feitas tais observações, deste Egrégio Tribunal colho precedente que afasta o compromisso arbitral, diante da ineficácia da cláusula que o instituiu. Confira-se, por exemplo:

AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO ORDINÁRIA - CONTRATO DE ADESÃO - LITÍGIO - ARBITRAGEM - CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA INEFICAZ - RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. I - O §2º do artigo 4º da Lei nº 9.307/96 submete a eficácia da cláusula compromissória nos contratos de adesão à iniciativa ou à anuência expressa do aderente. II - Ausente destaque em escrito separado ou em negrito, com assinatura especialmente para essa cláusula, indevida a instituição da arbitragem.

(TJMG - AC n.º 1.0024.08.176898-8/001 - Rel. Desembargador BITENCOURT MARCONDES - DJ 12.12.2008)

Por tais razões, declaro nula a cláusula compromissória e casso a sentença de extinção do processo, uma vez que, não instituído compromisso arbitral válido, a disposição do art. 267, VII, do CPC, deixa de dar ensejo à aplicação do artigo 267, IV, do mesmo Cânone Processual.

Examino agora a pretensão do Apelante, no sentido de que seja julgada desde logo a lide, com fulcro na disposição do artigo 515, §3º, do Código de Processo Civil.

Os fatos constitutivos do direito do autor da ação, ora Apelante, são os seguintes: celebração pelas partes de um contrato de compra e venda de imóvel residencial; cumprimento de todas as obrigações assumidas pelo adquirente, o que nos termos do contrato obriga a vendedora a entregar o bem; liberação do imóvel para uso desde outubro de 2007, sem a entrega das chaves ao comprador pela falta de recebimento da parte do preço correspondente ao financiamento feito pela Caixa Econômica Federal, por culpa da própria vendedora; gastos de R$3.525,00 (três mil quinhentos e vinte e cinco reais) com o pagamento de 15(quinze) meses de aluguel.

Da contestação pude extrair a afirmação de que "inexiste nos autos prova inequívoca da responsabilidade exclusiva da Ré pelo atraso na entrega do imóvel" (f. 69), negando a existência de pendências entre ela e a instituição financiadora (f. 70); também, que a ré atribuiu ao próprio autor a responsabilidade pela demora na liberação da carta de crédito, apontando os esclarecimento da instituição financeira de f. 23, tanto para se eximir de entregar as chaves do imóvel como da obrigação de indenizar.

Assim, são fatos incontroversos: a existência do contrato, a liberação do imóvel para uso na data indicada na inicial, a não entrega das chaves e os gastos do autor com aluguéis.

Porém, há controvérsia sobre a responsabilidade pela não liberação da carta de crédito, o que demanda dilação probatória para se apurar qual das partes deve responder pela causa da impossibilidade da entrega das chaves do imóvel no prazo do contrato (f. 80, cláusula quinta), uma vez que condicionada à "assinatura do contrato de financiamento junto ao Agente Financeiro" (f. 78).

Como se vê, a causa não está em condições de imediato julgamento, nem versam as questões nela suscitadas exclusivamente de direito, razão pela qual este Egrégio Tribunal não pode julgar desde logo a lide.

A propósito do pedido de antecipação de tutela, pelos termos das informações prestadas pela instituição financiadora, escolhida pelo Apelante (f. 23), não se pode aferir ser da Apelada a responsabilidade pelo atraso no financiamento. O que tal documento informa é que a modalidade escolhida pelo Apelante, chamada CAIXA CONSÓRCIO, tem exigências documentais não atendidas "tanto do consorciado quanto do imóvel e ainda do vendedor".

Ocorre que a responsabilidade contratual pelo financiamento é do comprador (cláusula 4.3, f. 26), não existindo vinculação da vendedora à instituição financeira escolhida.

Assim, não vislumbro prova inequívoca capaz de autorizar o deferimento de antecipação de tutela, nem a existência de dano irreparável, uma vez que se for apurada a responsabilidade da Apelada pelo atraso na entrega das chaves do imóvel, o Apelante poderá ser ressarcido das despesas com os aluguéis que pagar no período.

Feitas tais considerações, DOU PROVIMENTO À APELAÇÃO E CASSO A SENTENÇA DE EXTINÇÃO DO PROCESSO, posto que declaro nula a cláusula compromissória, determinando o retorno dos autos à origem para que se dê regular andamento ao feito.

Custas recursais pelo Apelado.

É como voto.

O SR. DES. FRANCISCO KUPIDLOWSKI:

VOTO

Coloco-me de acordo com o Relator, nos termos de seu judicioso voto.

A SRª. DESª. CLÁUDIA MAIA:

VOTO

De acordo.

SÚMULA : REJEITARAM PRELIMINAR SUSCITADA DE OFÍCIO PELO RELATOR E, NO MÉRITO, DERAM PROVIMENTO AO RECURSO PARA CASSAR A SENTENÇA.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0024.08.183073-9/001