segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Atraso na entrega de imóveis garante direito à indenização

Número do processo: 2.0000.00.444844-8/000(1)

EMENTA: COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA - RESCISÃO - ATRASO NA ENTREGA DA OBRA - CULPA EXCLUSIVA DA CONSTRUTORA - MULTA CONTRATUAL - RESTITUIÇÃO DE VALORES - RETENÇÃO - IMPOSSIBILIDADE - BENFEITORIAS - INDENIZAÇÃO - ALUGUEL - INCLUSÃO NA MULTA COMPENSATÓRIA.

- Comprovando-se que a construtora atrasou a entrega do imóvel por dificuldade de obtenção de "habite-se" junto à Prefeitura, tem o comprador direito à rescisão contratual e ao recebimento da restituição integral dos valores pagos, bem como de multa compensatória estipulada no contrato.

- Sendo instalados armários no imóvel, às custas do comprador, rescindido o contrato, tem ele direito à indenização pela benfeitoria, que é útil.

- Não tem o comprador direito à indenização pelos aluguéis pagos pelo período de atraso na entrega do imóvel se optou pela rescisão do contrato, com recebimento da multa compensatória.

- As parcelas a serem restituídas devem ser acrescidas de juros, contados do ajuizamento, e correção monetária, contada do pagamento de cada prestação, para que haja recomposição integral do seu valor.

- Primeira apelação não provida e segunda apelação parcialmen-te provida.



A C Ó R D Ã O



Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível Nº 444.844-8, da Comarca de BELO HORIZONTE, sendo Apelante (s): 1º) MRV SERVIÇOS DE ENGENHARIA LTDA.; 2ºs) HUMBERTO TOMAZINI NETO E OUTRA e Apelado (a) (os) (as): OS MESMOS,


ACORDA, em Turma, a Segunda Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais, NEGAR PROVIMENTO À PRIMEIRA APELAÇÃO E DAR PARCIAL PROVIMENTO À SEGUNDA APELAÇÃO.


Presidiu o julgamento o Juiz ALBERTO VILAS BOAS (Revisor) e dele participaram os Juízes EVANGELINA CASTILHO DUARTE (Relatora) e ROBERTO BORGES DE OLIVEIRA (Vogal).


O voto proferido pelo Juiz Relator foi acompanhado na íntegra pelos demais componentes da Turma Julgadora.

JUÍZA EVANGELINA CASTILHO DUARTE

Relatora



V O T O




A SRª. JUÍZA EVANGELINA CASTILHO DUARTE:


Tratam os autos de rescisão de contrato par-ticular de promessa de compra e venda firmado pelas par-tes, ao fundamento ter se comprometido a primeira Apelan-te a proceder à entrega do imóvel em outubro de 2000, com imissão de posse em novembro de 2000, com tolerân-cia de 90 dias, sem, entretanto, cumprir sua obrigação, em-bora tenham os compradores quitado as prestações ajusta-das.


Afirmaram que pretendiam residir no imóvel, nele procedendo a benfeitorias, tendo direito à reparação por perdas de danos, bem como ao pagamento dos alu-guéis que se sujeitaram em virtude da impontualidade da primeira Apelante.


Pretendem, mais, a rescisão do contrato, com devolução dos valores pagos no total de R$11.297,04, mais multa compensatória de 20% sobre o valor e honorários de advogado no mesmo patamar.


O MM. Juiz a quo julgou parcialmente pro-cedente o pedido, declarando rescindido o contrato, con-denando a primeira Apelante a restituir aos segundos a quantia de R$11.297,04, correspondente às prestações pa-gas, acrescidos de juros de 0,5% ao mês e correção mone-tária, de acordo com os índices da Corregedoria-Geral de Justiça, ambos contados da data do efetivo desembolso.


Determinou, ainda, que cada parte arque com a metade das custas, bem como com o pagamento de honorários advocatícios, fixados em R$ 1.500,00.


Irresignadas, ambas as partes recorreram, f. 82/91 e 99/114.


A primeira Apelante pretende a reforma da r. decisão recorrida, justificando sua impontualidade por força maior, em decorrência da falta de certidão de "baixa e ha-bite-se", a ser fornecida pela Prefeitura, e em decorrência da inadimplência dos compradores, que não honraram a prestação vencida em 05 de setembro de 1999, nem a par-cela vencida em setembro de 2000, concluindo que a ina-dimplência impossibilitou a entrega pontual do imóvel, de-vendo a eles ser atribuída a responsabilidade pelo descum-primento da obrigação contratual, conforme previsto na cláusula 7.1.


Discorda da incidência de juros e correção monetária e pretende ver reconhecido seu direito de reten-ção de 20% sobre os valores pagos, a título de compensa-ção pela rescisão precipitada do contrato.


Os segundos Apelantes pretendem a refor-ma da r. decisão, com relação ao reconhecimento de cul-pa recíproca, pois houve inadimplência de apenas uma prestação mensal, que foi quitada em duas parcelas, em ju-nho e dezembro de 2000.


Negam que tenham causado transtornos no cronograma da obra, principalmente considerando-se o valor da prestação, de R$460,00, que não era suficiente para comprometer o desenrolar dos trabalhos.


Pretendem receber aluguéis pelo imóvel ocupado durante o período de atraso na entrega da obra e indenização pelas benfeitorias implantadas no apartamen-to.


Contra a r. decisão de primeiro grau, foram interpostos embargos de declaração, em 22 de abril de 2003, com decisão às f. 93/93v, publicada em 10 de outubro de 2003.


O recurso da primeira Apelante foi interposto antes da decisão dos embargos de declaração, em 28 de abril de 2002, sendo, portanto, tempestivo, estando acom-panhado de preparo regular.


O segundo recurso foi apresentado em 17 de outubro, sendo também tempestivo e estando preparado.


Estão presentes os requisitos para conheci-mento de ambos os recursos.


I - PRIMEIRA APELAÇÃO


A r. decisão recorrida reconheceu a culpa recíproca pela rescisão do contrato. Da primeira Apelante, por não ter entregado o imóvel no prazo ajustado, e, dos segundos Apelantes, por não terem quitado pontualmente duas prestações mensais.


A cláusula sétima do contrato prevê a entre-ga do imóvel em outubro de 2000, com possibilidade de prorrogação por 90 dias.




A primeira Apelante justifica o atraso no cumprimento da sua obrigação pela dificuldade para ob-tenção de certidão de "baixa e habite-se" junto à Prefeitura de Belo Horizonte.


Efetivamente, sem tal documento, resta in-viabilizada a entrega do imóvel. Porém, tratando-se de construtora de grande porte, não é fato que justifique o atraso na entrega do bem, considerando-se que a empresa já deve prever as dificuldades para liberação do imóvel, prevenindo-se contra atrasos.


Se o alvará não foi prontamente obtido, terá havido irregularidades na obra, que são da exclusiva res-ponsabilidade da empresa.


Também não restou comprovado que a falta de a expedição da certidão de "baixa e habite-se" tenha ocorrido por culpa exclusiva da Municipalidade, não res-tando caracterizada a alegada força maior, a justificar o atraso na conclusão e entrega das obras.


O atraso no pagamento de prestações pelo comprador não pode ser causa exclusiva para o descum-primento da entrega do imóvel, por ter havido inadimplên-cia de apenas duas prestações, que foram posteriormente pagas, com acréscimos de juros, correção monetária e mul-ta.


Conclui-se, portanto, que os compradores não agiram com culpa, nem deram causa ao atraso na en-trega do imóvel, não podendo ser punidos por descumpri-mento do contrato, uma vez que quitaram as prestações, embora com atraso.


As partes não se irresignaram contra a resci-são do contrato, que a ambas atende.


Concluindo-se, assim, que a rescisão ocorreu por culpa exclusiva da construtora, que não concluiu a obra no prazo ajustado e não entregou o imóvel aos comprado-res na data fixada, devem ser restituídos os valores pagos na integralidade.


A retenção só se justifica se houvesse culpa dos compradores pela rescisão contratual, circunstância que não se apurou.


Embora a vendedora tenha arcado com despesas de publicidade, administração, impostos, correta-gem e outros, não pode transferir tais despesas aos com-pradores, que não deram causa à rescisão.


Logo, as parcelas a serem restituídas devem ser acrescidas de juros de mora e correção monetária, vi-sando tanto à recomposição da moeda, por imperativo le-gal, como do real valor devido.


A correção monetária deve incidir desde a data de cada pagamento efetuado pelos compradores, para recomposição integral dos valores, observando-se que a vendedora teve a disposição daquelas importâncias, sem cumprir o contrato firmado.


Os juros devem incidir desde o ajuizamento, quando fixou-se a mora da vendedora, com a irresignação dos compradores pela inadimplência contratual.




É como decide este egrégio Tribunal de Alçada:


"sobre as parcelas a serem restituídas em decorrência da resolução do contrato, deve incidir correção monetária, a partir do efeti-vo desembolso, e juros de moratórios a partir da citação, uma vez que este é o momento em que tais valores se tornaram exigíveis da parte ré." (TAMG - Apelação Cível n. 398.253-6 - 5ª Câmara Cível - Relator: Juiz Elias Camilo, j. 28/08/2003).


Não merece, portanto, provimento o recurso da primeira Apelante.


II - SEGUNDA APELAÇÃO


Os compradores pretendem afastar a impu-tação de culpa pelo descumprimento do contrato, obser-vando-se que, efetivamente, embora tenham atrasado o pagamento de duas prestações mensais, não podem ser considerados responsáveis pelo atraso na entrega do imó-vel.


É que, embora com atraso, quitaram as duas prestações, com acréscimos de juros, correção monetária e multa.


Ademais, somente duas prestações ao longo de um ano de vigência não são suficientes para determinar a bancarrota do empreendimento.


A vendedora não comprovou que tenha atrasado a entrega da obra em decorrência da falta de pagamento daquelas duas prestações, já que não trouxe qualquer documento que demonstrasse sua dificuldade fi-nanceira para o empreendimento.


Ao contrário, confessou não ter obtido o al-vará de "habite-se", pretendendo justificar o atraso pelas dificuldades administrativas encontradas.


Logo, conclui-se que a culpa exclusiva pela rescisão contratual é da vendedora, que não entregou o imóvel na data fixada.


Responde a Apelada, portanto, pela multa contratual prevista na cláusula 9.2, que determina o paga-mento de multa compensatória de 20% do valor do contrato por aquele que der causa à rescisão por infração contratu-al.


Foi prevista a entrega do imóvel em outubro de 2000, com imissão de posse em novembro do mesmo ano, conforme f. 13, com possibilidade de prorrogação por 90 dias.


Assim, o prazo máximo para entrega do imó-vel teve vencimento em fevereiro de 2001.


Embora os compradores tenham suportado gastos com aluguel de imóvel destinado a sua moradia no período de atraso na entrega do apartamento adquirido da Apelada, optaram pela rescisão do contrato.


Logo, não resultando em cumprimento do contrato, mas em sua rescisão, não se pode compelir a Apelada ao pagamento de indenização por aluguéis pagos pelos compradores, porquanto, com a rescisão, adquiriram esses o direito à multa compensatória, que tem a finalidade de penalizar o contratante inadimplente.

Não se pode, pois, acolher a pretensão dos Apelantes.


Verifica-se dos autos que o recibo de f. 24 não foi impugnado pela primeira Apelante, que se limitou a alegar que se trata de benfeitorias voluptuárias, nos moldes do art. 63, § 1º do Código Civil de 1916.


A instalação de armários em apartamento não caracteriza benfeitorias de mero deleite ou recreio. Os armários constituem equipamento necessário e indispensá-vel, facilitando o uso do imóvel de maneira inequívoca, além de valorizá-lo.


Não se enquadram, portanto, os armários como benfeitorias voluptuárias, mas como benfeitoria útil, de modo a facilitar a utilização do imóvel, impondo-se a in-denização correspondente.


O indeferimento do ressarcimento das despe-sas correspondentes caracterizaria vantagem indevida àquele que vai desfrutar da benfeitoria.


Deve-se, pois, incluir no valor a ser pago aos segundos Apelantes a importância de R$3.367,98, corres-pondente à despesa com instalação de armários, que deve ser acrescida de juros de 0,5% ao mês e correção monetária pelos índices da Corregedoria-Geral de Justiça, desde o ajuizamento.

Diante do exposto, nego provimento ao re-curso apresentado por MRV-SERVIÇOS DE ENGENHARIA LTDA, e dou parcial provimento ao recurso apresentado por HUMBERTO TOMAZINI NETO e OUTRA, para condenar a pri-meira Apelante ao pagamento de multa contratual, equi-valente a 20% sobre o valor do contrato, e indenização por benfeitorias, com acréscimo de juros de 0,5% ao mês e cor-reção monetária pelos índices da Corregedoria-Geral de Justiça, desde o ajuizamento, mantida a distribuição da su-cumbência.

Fonte: TJMG