quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Indenização por atraso na entrega de produto

Número do processo: 1.0525.98.002782-1/002(1)

EMENTA: AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO C/C PERDAS E DANOS - CONTRATO DE CONCESSÃO PARA REVENDA DE VEÍCULOS - FALTA DE PEÇAS DE REPOSIÇÃO - IMPOSSIBILIDADE DA CONCESSIONÁRIA PRESTAR ASSISTÊNCIA TÉCNICA - PREJUÍZOS - CULPA DA CONCEDENTE - CLÁUSULA EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE - DESEQUILÍBRIO CONTRATUAL - INVALIDADE - DEVER DE INDENIZAR - DANOS MORAIS - OFENSA À HONRA OBJETIVA - OCORRÊNCIA. Pela natureza do contrato de concessão comercial para revenda de veículos, infere-se que há deveres e obrigações a serem cumpridas por ambas as partes contratantes, de modo que se uma das partes deixa de cumprir algum dever, causando prejuízos à outra, recai sobre ela o dever de indenizar. É inválida a cláusula excludente da responsabilidade quando prejudica o próprio objeto do negócio jurídico celebrado, causando flagrante desequilíbrio contratual entre as partes contratantes. Sendo o fornecimento de peças de reposição um dever da concedente a fim de possibilitar o fiel cumprimento do contrato pela concessionária, o não atendimento aos pedidos das referidas peças configura o inadimplemento contratual, causando vários prejuízos de ordem patrimonial. A pessoa jurídica somente faz jus à indenização por danos morais se ficar comprovado que sua reputação ou imagem foram atingidas no meio comercial por algum ilícito, gerando restrições de crédito, perda de negócios ou outras conseqüências aferíveis objetivamente.

APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0525.98.002782-1/002 - COMARCA DE POUSO ALEGRE - 1º APELANTE(S): JPX BRASIL LTDA - 2º APELANTE(S): LOCACITY LOCADORA VEICULOS LTDA E OUTRO(A)(S) - APELADO(A)(S): LOCACITY LOCADORA VEICULOS LTDA E OUTRO(A)(S), JPX BRASIL LTDA - RELATOR: EXMO. SR. DES. ALVIMAR DE ÁVILA

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 12ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM REJEITAR A PRELIMINAR, NEGAR PROVIMENTO AO PRIMEIRO RECURSO E DAR PROVIMENTO PARCIAL AO SEGUNDO

Belo Horizonte, 26 de agosto de 2009.

DES. ALVIMAR DE ÁVILA - Relator

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

Proferiram sustentação oral, pelo 1º apelante, o Dr. Bernardo Franco Vianna e, pelo 2º apelante, o Dr. Leonardo Rocha Ferreira Chaves.

O SR. DES. ALVIMAR DE ÁVILA:

VOTO

Ouvi atentamente à manifestação dos ilustres e cultos advogados que bem explicitaram as controvérsias reinantes no presente processo. Ressalto recebimento de substanciosos memoriais de ambas as partes, aos quais dei a devida atenção e consta do meu voto, até extenso, voto de quinze laudas, a análise dos pontos debatidos no processo e, especificamente, nos memoriais cuja juntada aos autos foi determinada na forma de praxe.

Trata-se de dois recursos de apelação, o primeiro interposto por JPX Brasil Ltda., e o segundo por Locacity Locadora de Veículos Ltda. e JPCITY Veículos Ltda., nos autos da "ação ordinária de rescisão de contrato c/c reparação de danos emergentes, lucros cessantes e danos morais" movida pelas segundas apelantes em face da primeira, contra sentença que julgou parcialmente procedente o pedido inicial (f. 846/864).

Em suas razões, a primeira apelante alega, preliminarmente, nulidade da r. sentença. No mérito, sustenta que deve ser reconhecida a aplicabilidade das cláusulas 6.3 e 7.2 do contrato de concessão firmado entre as partes; que as cláusulas de limitação de responsabilidade não são nulas, tendo em vista que não excluem toda e qualquer responsabilidade do concedente, mas apenas a que decorreria de duas únicas hipóteses, expressamente previstas; que referidas cláusulas devem ser interpretadas levando-se em consideração a obrigação das apeladas de manterem estoque mínimo de peças de reposição; que não há que se falar em dever de indenizar; que as apeladas não lograram provar que seus pedidos deixaram de ser atendidos; que as despesas efetuadas pelas apeladas não tem nexo de causalidade com os fatos controvertidos; que os investimentos não podem dar margem à indenização, pois integram o ativo permanente da empresa; que a sucumbência das apeladas foi expressiva, o que lhes impunha arcar com a maior parte das custas, além de terem majorada a verba devida aos patronos da apelante (f. 866/898 e reiteração às f. 947/980).

Já as segundas apelantes, em suas razões, argumentam que produziram prova cabal dos danos materiais e morais por elas sofridos; que quando a expectativa do consumidor não é correspondida, o juízo negativo do consumidor não recai sobre a montadora, mas sim pela concessionária; que a Carta Magna pátria assegura o direito à indenização de danos morais sem fazer qualquer distinção entre pessoa física ou jurídica; que as testemunhas atestaram que, em razão da falha na reposição de peças, as concessionárias ficaram conhecidas por não possuir um bom atendimento ao seu público consumidor; que a fabricante e montadora de veículos não pode se eximir de suas responsabilidades sob o argumento de que não entregou as peças requisitadas pelo revendedor, porque são importadas; que a apelada deveria possuir um estoque mínimo suficiente para que suas concessionárias pudessem continuar a trabalhar; que o fato das peças requisitadas serem importadas é irrelevante; que os cálculos apresentados pelos peritos não condizem com a tese por elas alegada; que deve ser elucidado o termo inicial da incidência dos índices de correção monetária, devendo incidir sobre os valores apurados a partir da data do efetivo prejuízo; que deve ser modificado o valor fixado a título de sucumbência recíproca, devendo a apelada ser condenada ao pagamento da integralidade das custas processuais e dos honorários advocatícios, fixados em 20% sobre o valor da condenação (f. 935/945).

Contra-razões (f. 982/998 e 1000/1012), pelo não provimento dos recursos.

Conhece-se dos recursos, por estarem presentes os pressupostos de admissibilidade.

Inicialmente, passa-se ao exame da preliminar de nulidade da sentença suscitada pela primeira apelante.

Sustenta a primeira recorrente que a sentença recorrida, tal como a antecedente sentença cassada de f. 723/734, insistiu na condenação indeterminada quanto à abrangência dos danos materiais, especialmente no que tange aos lucros cessantes.

Verifica-se, porém, que a r. sentença de f. 845/854, diferentemente da sentença outrora cassada, foi esclarecedora no que tange à condenação por danos materiais, tendo em vista que enfatizou apenas a exclusão dos prejuízos advindos no não atendimento dos pedidos relacionados com os produtos de origem estrangeiras, bem como dos prejuízos advindos da frustração da licitação.

Assim sendo, a r. sentença condenou a ré ao pagamento dos danos materiais advindos do inadimplemento contratual, excluindo-se os acima referidos, devendo a apuração ser feita em liquidação de sentença em razão da complexidade da matéria, assim como determinado pelo i. Juiz a quo.

No que tange especificamente aos lucros cessantes, a r. sentença fundamentou, à f. 851, que os mesmos restaram devidamente demonstrados na prova pericial.

Ressalta-se que não existe qualquer óbice para que a apuração do quantum debeatur seja feita em liquidação de sentença nas ações de indenização, se a sentença cuidou de elucidar o an debeatur.

Com tais considerações, rejeita-se a preliminar e passa-se à análise conjunta dos recursos, tendo em vista a identidade das matérias devolvidas a este egrégio Tribunal.

O SR. DES. SALDANHA DA FONSECA:

VOTO

Com o Relator.

O SR. DES. DOMINGOS COELHO:

VOTO

De acordo com o Relator.

O SR. DES. ALVIMAR DE ÁVILA:

VOTO

Vou julgar em conjunto, porque as causas se entrelaçam.

Versam os autos sobre "ação ordinária de rescisão de contrato c/c reparação de danos emergentes, lucros cessantes e danos morais" ajuizada pelas segundas apelantes em face da primeira, visando a rescisão do "Contrato de Concessão para Revenda de Veículos" entabulado entre as partes. Para tanto, as autoras/segundas apelantes argumentam que a ré/primeira apelante deixou de cumprir as obrigações contratuais para a realização do serviço de assistência técnica, tendo em vista que deixou de atender pedidos relacionados ao fornecimento de peças e equipamentos dos veículos, ocasionando lhes vários prejuízos, tanto de ordem patrimonial quanto extrapatrimonial (f. 02/15 -TJ).

Inicialmente, ressalta-se que, especificamente, nos termos da Lei Ferrari, a qual rege os contratos como o dos autos, o contrato de concessão comercial entre produtores e distribuidores de veículos automotores se traduz em acordo em que o produtor ou concedente, empresa industrial que realiza a fabricação ou montagem de veículos automotores, estipulando uma margem de revenda, fornece continuamente ao distribuidor ou concessionário, empresa comercial pertencente à respectiva categoria econômica, que realiza a comercialização ou revenda de veículos automotores, implementos e componentes novos, presta assistência técnica a esses produtos e exerce outras funções pertinentes à atividade.

Dessa forma, pela natureza do contrato de concessão comercial, infere-se que há deveres e obrigações a serem cumpridas por ambas as partes contratantes, de modo que se uma das partes deixa de cumprir algum dever, causando prejuízos à outra, recai sobre ela o dever de indenizar.

Diante de tais considerações, após meticuloso exame dos autos e, ressaltando a complexidade da matéria discutida, tem-se que restou devidamente demonstrado o inadimplemento contratual por parte da ré, o que enseja o dever de indenizar as autoras pelos prejuízos suportados.

Cumpre registrar que a responsabilidade civil é tratada no art. 159, do CC/16, aplicável no caso em exame, do qual se extrai três requisitos para a configuração do dever de indenizar, quais sejam, o dano, nexo causal e culpa, in verbis:

"Art. 159. Aquele que, por ação ou omissão vonluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano".

Dessa forma, uma vez comprovado que o inadimplemento contratual se deu por culpa de uma das partes, causando prejuízos à outra, forçoso reconhecer o dever de indenizar.

No caso dos autos, os documentos acostados às f. 47/66 demonstram os inúmeros problemas suportados pelas autoras em razão da falta de fornecimento de peças, impossibilitando a prestação de assistência técnica perante os consumidores, dentre outros defeitos relacionados aos veículos da marca JPX.

Ademais, são várias as reclamações de clientes, demonstrando a insatisfação quanto ao funcionamento do veículo marca JPX e a dificuldade de assistência técnica em face da demora das peças de reposição (f. 38/46), tendo essa insatisfação sido, inclusive, noticiário de jornal de grande circulação, conforme f. 50 dos autos.

Como se não bastasse, a própria concedente/ré reconhece o atraso no fornecimento de peças, assumindo que houve falha no atendimento aos pedidos, conforme se depreende da leitura do fax acostado à f. 66 dos autos.

É certo que a frustração da relação comercial entre as partes, em razão do não fornecimento de peças de reposição dos automóveis de fabricação da ré, impossibilitou a prestação de serviço de assistência técnica pelas autoras ocasionando lhes vários prejuízos, como a grande insatisfação da clientela por ela angariada, sendo que, conforme bem ressaltado na r. sentença, os documentos acostados na peça de ingresso relatam as incessantes e infrutíferas tentativas no intuito de ver solucionada a avença em comento.

Ora, sendo o fornecimento de peças de reposição um dever da concedente a fim de possibilitar o fiel cumprimento do contrato pela concessionária, o não atendimento aos pedidos das referidas peças configura o inadimplemento contratual e, consequentemente, a rescisão do contrato e o dever de indenizar.

Salienta-se que o laudo pericial contábil deixou bem claro, em resposta ao quesito 10 (f. 348) que "a falta e/ou demora da entrega de veículos e de peças à Concessionária prejudica a atividade econômica da mesma".

Ademais, não há qualquer respaldo na alegação da ré/concedente de que as autoras infringiram a cláusula contratual "7.1" que obriga o concessionário a manter um estoque mínimo de reposição, tendo em vista que não é razoável exigir do concessionário manter estoque de peças que sequer são fornecidas pelo concedente. Em razão da grande demanda, as peças de reposição de veículos constantes dos estoques se esgotam, não sendo possível mantê-lo se outras não são fornecidas. Além disso, a ré não se desincumbiu do ônus de comprovar que as autoras não possuíam estoque mínimo de peças, permanecendo tal afirmação destituída de quaisquer elementos de provas.

Com tais considerações, forçoso reconhecer o dever de indenizar da ré/concedente em face do inadimplemento contratual.

Ao contrário do que sustenta a ré, não lhe socorre a tentativa de eximir-se de sua responsabilidade com base nas cláusulas "6.3" e "7.2" do contrato de f. 31/36.

Referidas cláusulas prevêem que "nenhuma compensação, indenização ou ressarcimento serão devidos ao Concessionário em relação aos pedidos que não vierem a ser atendidos pela JPX".

De fato, tais cláusulas, denominadas pela doutrina de cláusulas de não-indenizar ou cláusulas excludente da responsabilidade, considerando-se, assim, aquelas que restringem direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, nem sempre são consideradas nulas, a não ser no âmbito do direito do consumidor.

Não obstante, as cláusulas de não-indenizar, para serem consideradas válidas, devem estar em consonância com o negócio jurídico a que se destina, de modo a não ameaçar seu objeto ou o equilíbrio contratual.

No caso dos autos, não resta dúvida que a cláusula excludente da responsabilidade prejudica o próprio objeto do negócio jurídico celebrado, causando flagrante desequilíbrio entre as partes contratantes e excessiva onerosidade ao concessionário. Ora, tal cláusula, no modo em que foi prevista, concentra unicamente nas mãos do concedente todo o destino do negócio, de forma que, se houver interrupção no fornecimento de peças, ainda que por culpa exclusiva do concedente, todos os investimentos efetuados pelo concessionário serão afetados, assim como todo seu comércio, podendo levar-lhe, inclusive, à paralisação das atividades ou até mesmo à falência.

Assim, permitir a cláusula de não-indenizar na forma prevista no contrato de concessão, que retira a responsabilidade da concessionária pelo não atendimento ao pedido de peças, acarreta grande desequilíbrio contratual e econômico entre as partes, o que, de forma alguma, é permitido no direito brasileiro.

Ressalta-se, porém, como bem determinado na r. sentença, que a responsabilidade da ré é eximida no que tange ao não fornecimento de peças de origem estrangeira.

Conforme já bem esposado, a responsabilidade civil se pauta em três requisitos, dentre eles o elemento "culpa". Estando a culpa ausente na conduta da ré, quanto ao não atendimento dos pedidos relacionados às peças de reposição de origem estrangeira, não há que se falar em dever de indenizar, mormente se presente causa excludente de responsabilidade, como no caso dos autos.

O próprio expert, em seu laudo pericial de f. 340/350, consignou que:

"(...) a falta de peças tanto para a montagem como para a reposição foi decorrente de atrasos no fornecimento das peças importadas, greves nos portos, problemas alfandegários e outros".

Ainda, o documento de f. 66, carreado na inicial pelas autoras, esclarece que a ré vinha sofrendo vários empecilhos na importação de peças de reposição, em que pese seus esforços para aquisição das mesmas, senão vejamos o seguinte trecho escrito pela ré:

"Em primeiro lugar pedimos desculpas pelo atraso das peças importadas (Peugeot, Carraro, Auverland) e pelas mesmas já estarem a um mês em Guarulhos-SP sendo desembaraçadas em função da burocracia da implantação do SISCOMEX." (sic.)

Dessa forma, não se pode atribuir à ré a responsabilidade pelo atraso no fornecimento das peças de origem estrangeira, porquanto não houve culpa na sua conduta, sendo tal culpa atribuída a terceiros, tendo em vista que tais operações encontram grandes entraves burocráticos perante as autoridades alfandegárias, sem mencionar as greves nos portos que dificultam ainda mais a liberação das peças importadas.

Do mesmo modo, não há como atribuir responsabilidade à ré no que se refere à frustração da licitação realizada pela empresa EMATER, com a finalidade de adquirir 20 (vinte) jipes da marca JPX. Denota-se que as autoras pretendiam participar da referida licitação, mas ficaram impossibilitadas, porquanto o edital de licitação estabelecia o prazo de 30 (trinta) dias para a entrega dos jipes, o que não era possível, já que a ré/concedente só entregaria os jipes em 90 (noventa dias).

Ora, não há como exigir da ré que altere seus prazos de entrega apenas para satisfazer a vontade da concessionária em vencer a licitação da empresa EMATER. A ré deixou bem claro no documento de f. 99 que, apesar de não ter nada a opor à participação de suas concessionárias nos processos licitatórios para venda de veículos, o prazo para entrega dos veículos ao órgão público seria de 90 dias contados da data da emissão da respectiva nota de empenho.

Assim, as autoras foram previamente avisadas do prazo possível para entrega dos vinte jipes no caso de saírem vencedoras da referida licitação, não sendo razoável responsabilizar a ré por não adequar seus prazos de fornecimento às exigências da empresa licitante.

Sendo assim, neste ponto, não merece reforma a r. sentença.

Ressalta-se que qualquer discussão atinente aos valores dos danos materiais devem ser discutidos na fase de liquidação da r. sentença, já que o MM. Juiz a quo determinou sua apuração nesta fase, registrando-se, porém, que os i. experts foram bastante cautelosos na realização das perícias.

Insurgem-se as autoras, ainda, contra a improcedência no pedido de indenização por danos morais, em razão do inadimplemento contratual da ré.

Vale ressaltar que a pessoa jurídica somente faz jus à indenização por danos morais se ficar devidamente comprovado nos autos que reputação ou imagem foram atingidas no meio comercial por algum ilícito, gerando restrições de crédito, perda de negócios ou outras conseqüências aferíveis objetivamente.

Com efeito, quando se trata de pessoa jurídica, o tema da ofensa à honra propõe uma distinção inicial: a honra subjetiva, inerente à pessoa física, que está no psiquismo de cada um e pode ser ofendida com atos que atinjam a sua dignidade, respeito próprio, auto-estima, etc., causadores de dor, humilhação e vexame; e a honra objetiva, externa ao sujeito, que consiste no respeito, admiração, apreço, consideração que os outros dispensam à pessoa.

Dessa forma, pessoa jurídica, criação da ordem legal, não tem capacidade de sentir emoções e dor, estando, por isso, desprovida da honra subjetiva. É passível, porém, de ataque à honra objetiva, pois goza de reputação junto a terceiros, a qual pode ficar abalada por atos que afetem seu bom nome no mundo civil ou comercial onde atua.

Esse é o entendimento da jurisprudência:

"A evolução do pensamento jurídico, no qual convergiram jurisprudência e doutrina, veio a afirmar, inclusive nesta corte onde o entendimento tem sido unânime, que a pessoa jurídica pode ser vítima também de danos morais, considerados esses como violadores da honra objetiva" (REsp. 134993/MA, STJ, Rel. Min. Sálvio Figueiredo Teixeira, 4ª Turma, j. 03/02/1998, DOU 16/3/1998. No mesmo sentido: REsp. 203755/MG, j. 27/04/1999, DOU 21/6/1.999).

Aliás, a questão encontra-se sumulada pelo colendo Superior Tribunal de Justiça, através da Súmula 227, segundo a qual, "a pessoa jurídica pode sofrer dano moral".

Por fim, é de se ver que a Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso X, não exclui a pessoa jurídica como sujeito passivo do dano moral, visto que, quando diz que "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação", está, naturalmente, ao mencionar as "pessoas", se referindo às pessoas físicas e jurídicas.

Diante dessas considerações, entende-se como possível à pessoa jurídica sofrer danos morais, desde que, em decorrência de ato ilícito, ela seja atingida em sua honra objetiva.

Em sua concepção atual, honra é o conjunto de predicados ou condições de uma pessoa, física ou jurídica, que lhe conferem consideração e credibilidade social. É o valor moral e social da pessoa que a lei protege, ameaçando sanção penal ou civil a quem a ofende por palavras ou atos. Fala-se, modernamente, em honra profissional como variante da honra objetiva, entendida como valor social da pessoa perante o meio onde exerce sua atividade.

Nesse sentido, para a jurisprudência, é:

"...induvidoso, portanto, que a pessoa jurídica é titular de honra objetiva, fazendo justiça à indenização por dano moral, sempre que o seu bom nome, reputação ou imagem forem atingidos por algum ato ilícito" (RTJ 725/336).

Assim, considera-se ofendida a honra objetiva da pessoa jurídica quando o ato ilícito praticado abala o bom nome da empresa, sua reputação comercial ou social, sua imagem, o conceito que os outros têm da instituição, bem como o prestígio no mercado onde atua.

No caso dos autos, o ato ilícito praticado pela ré provocou, de fato, ofensa à honra objetiva das autoras, afetando sua imagem e reputação em âmbito comercial, conforme comprovam as diversas reclamações de clientes acostadas as f. 38/60.

São inúmeras as reclamações de clientes direcionadas às autoras, contestando não só a qualidade do produto da marca JPX, como também a demora ou falta de peças para as devidas reparações dos veículos por eles adquiridos, verificando-se, inclusive, várias desistências na aquisição do produto.

Assim, pode-se concluir que o fato de haver reiteradas reclamações de consumidores que adquiriram os veículos JPX diretamente na concessionária das autoras, questionando não só a qualidade do produto, mas também a falibilidade da assistência técnica, gera grande abalo ao bom nome e à imagem da concessionária, já que ficou impedida de atender devidamente seus clientes, em razão do descumprimento contratual da ré.

É de sabença geral que a imagem da concessionária fica diretamente ligada à marca do veículo que revende, de forma que, se o produto é defeituoso ou não há peças de reposição suficientes para seu conserto, haverá grande desvalorização do conceito dado à instituição revendedora no mercado onde atua.

Nesta linha, verifica-se que o noticiário do jornal de grande circulação acostado à f. 50 dos autos é capaz de demonstrar a enorme repercussão causada pela generalizada insatisfação de adquirentes do produto JPX que, externada, acaba por atingir indiretamente as instituições de revenda do produto, fazendo com que haja perda do mercado para demais revendedoras de produtos concorrentes. Extrai-se importante trecho do referido noticiário, escrito por um consumidor da marca JPX:

"Gostaria, ao exercer minha cidadania, meu direito e dever de cidadão, de obter atenção necessária, respostas claras sobre o assunto e o devido reparo financeiro, através do conserto definitivo do veículo, já que inúmeras vezes que levei o JPX a uma concessionária da marca de BH, fiz na intenção de realmente colocar o veículo em pleno funcionamento, e isso nunca ocorreu."

Referido trecho demonstra firmemente que a imagem da concessionária está diretamente ligada à marca do produto de revenda, sendo que, qualquer desclassificação do produto atinge o bom nome e o mercado onde a revendedora atua.

Como se não bastasse, extrai-se dos trechos de depoimentos testemunhais de adquirentes do produto da marca ré, que a honra objetiva da concessionária foi, indubitavelmente, afetada pelo não fornecimento de peças de reposição, senão vejamos:

"(...) que foi vítima da JPCity, sucessora de BHCity, pela total falta de compromisso da empresa para com o depoente, seu cliente, e, ainda, porque depois de seis meses que o veículo estava com o motor desmontado, na referida empresa, lhe foi devolvido faltando várias peças (...)" (f. 597).

"(...) que o que sabe informar a respeito dos fatos é que sempre fez contato com a JPCity, na manutenção de veículo e sempre encontrou dificuldades na reposição de peças; que com relação às peças mais simples não encontrava problemas; que a JPCity informava ao depoente que não tinha em estoque as peças para reposição e que a ré não cuidava de fazer a repoisção em tempo hábil; que o carro ficava parado uma semana, durante uma semana ou até um mês esperando conserto" (f. 612).

Destarte, diante de tais argumentos, demonstrada a presença dos pressupostos da obrigação de indenizar, passa-se ao exame da quantificação da indenização.

Sobre o tema, traz YUSSEF SAID CAHALI, ao discorrer sobre as formas de arbitramento do dano moral:

"Quanto à liquidação do dano moral que resultaria do "abalo de crédito", inexistindo qualquer parâmetro determinado por lei, não há como fugir-se do princípio geral emanado do art. 1.553 do CC, fixando-se o quantum mediante prudente arbítrio do juiz" (Dano Moral, São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2ª edição, 2ª Tiragem, 1998, pág. 396).

CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA leciona que:

"O problema de sua reparação deve ser posto em termos de que a reparação do dano moral, a par do caráter punitivo imposto ao agente, tem de assumir sentido compensatório. Sem a noção de equivalência, que é própria da indenização do dano material, corresponderá à função compensatória pelo que tiver sofrido. Somente assumindo uma concepção desta ordem é que se compreenderá que o direito positivo estabelece o princípio da reparação do dano moral. A isso é de se acrescer que na reparação do dano moral insere-se uma atitude de solidariedade à vítima" (Responsabilidade Civil, 6ª ed., Forense, 1995, p. 60)

Assim, em casos desta natureza, recomenda-se que o julgador se paute pelo juízo da eqüidade, levando em conta as circunstâncias de cada caso, devendo o quantum da indenização corresponder à lesão e não a ela ser equivalente, porquanto impossível, materialmente, nesta seara, alcançar tal equivalência.

Esse numerário deve proporcionar à vítima satisfação na justa medida do abalo sofrido, produzindo, nos causadores do mal, impacto bastante para dissuadi-los de igual procedimento, forçando-os a adotar uma cautela maior, diante de situações como a descrita nestes autos.

É o que preleciona o Superior Tribunal de Justiça:

"DANO MORAL. INDENIZAÇÃO. RAZOABILIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO NO STJ. SÚMULA 07.

Em recurso especial somente é possível revisar a indenização por danos morais, quando o valor fixado nas instâncias locais for exageradamente alto, ou baixo, a ponto de maltratar o Art. 159 do Código Beviláqua. Fora desses casos, incide a Súmula 7, a impedir o conhecimento do recurso.

A indenização deve ter conteúdo didático, de modo a coibir reincidência do causador do dano sem enriquecer a vítima." (STJ - AgRg no AG 603097 / RS( 2004/0052805-8) - T3 - Terceira Turma - Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros - DJ. 08/03/2005).

Portanto, o ressarcimento pelo dano moral decorrente de ato ilícito é uma forma de compensar o mal causado, e não deve ser usado como fonte de enriquecimento ou abusos. Assim, a sua fixação deve levar em conta o estado de quem o recebe e as condições de quem paga, devendo, in casu, observadas as condições das partes, ser arbitrado em R$ 15.000,00 (quinze mil reais).

No que tange à fixação da correção monetária em relação aos danos morais, entende-se que "o termo inicial da correção monetária do valor do dano moral é a data em que for fixado" (REsp nº 376900/SP - Min. Carlos Alberto Menezes Direito; DJU de 17/06/02, p. 259).

Dessa forma, a correção deve incidir a partir da sentença que fixou o valor da indenização devida às requerentes a título de danos morais, ou seja, da publicação deste acórdão.

No entanto, a correção monetária incidente sobre os danos materiais e lucros cessantes tem termo inicial a partir da data do efetivo prejuízo e da data em que deixou de receber pelos serviços não prestados, respectivamente.

Pelo exposto, rejeita-se a preliminar, nega-se provimento ao primeiro recurso e dá-se parcial provimento ao segundo, para reformar em parte a r. sentença e condenar a ré ao pagamento de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) a título de danos morais, corrigidos monetariamente pela tabela da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais, a partir da publicação deste acórdão, acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, a partir da data da citação. A correção monetária quanto aos danos materiais e lucros cessantes deverá incidir a partir da data do efetivo prejuízo e da data em que as autoras deixaram de receber pelos serviços não prestados, respectivamente. As custas processuais e honorários advocatícios deverão ser suportados, estes no importe de 10% sobre o valor da condenação, em 80% (oitenta por cento) pelo réu e 20% (vinte por cento) pelas autoras. Mantém-se, no mais, a r. sentença monocrática por seus próprios e jurídicos fundamentos.

Custas recursais do primeiro recurso pelo primeiro apelante (JPX Brasil Ltda.).

Custas recursais do segundo recurso em 70% (setenta por cento) pela apelada JPX Brasil Ltda., e 30% (trinta por cento) pelas apelantes Locacity Locadora de Veículos Ltda. e JPCity Veículos Ltda..

O SR. DES. SALDANHA DA FONSECA:

VOTO

Sr. Presidente, nada tenho a acrescentar ao bem fundamentado voto de V.Exa., pelo que o acompanho integralmente.

O SR. DES. DOMINGOS COELHO:

VOTO

Sr. Presidente, inicialmente registro ter ouvido com atenção as palavras dos ilustres advogados que manifestaram da tribuna.

Com relação ao julgamento, pude constatar que o Relator, exaustivamente, examinou todas as questões devolvidas ao conhecimento deste tribunal, responsabilizando a concedente pelos danos morais, bem como declarando a nulidade de cláusula de não indenização, inserida no contrato de concessão, e que, realmente, não pode mesmo prevalecer.

Estou acompanhando V.Exa., na integralidade.

SÚMULA : REJEITARAM A PRELIMINAR, NEGARAM PROVIMENTO AO PRIMEIRO RECURSO E DERAM PROVIMENTO PARCIAL AO SEGUNDO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0525.98.002782-1/002

Fonte: TJMG