A compra e venda de imóveis é assunto que traz ansiedade a muitos
brasileiros. Dúvidas sobre o financiamento ou a comissão de corretagem,
atrasos na entrega da obra, rescisão contratual e falsas promessas da
publicidade levam milhares de pessoas a discutir suas demandas nas
instâncias do Judiciário.
A solução para muitos desses conflitos
já está pacificada na jurisprudência. Outras vão se construindo a partir
de cada caso. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem um rico acervo
de decisões sobre questões imobiliárias que pode auxiliar o consumidor
na hora de buscar seus direitos. São, principalmente, julgados da
Terceira e da Quarta Turma do tribunal, especializadas em matérias de
direito privado.
Uma das principais decisões do STJ nesse campo é
a que considera o Código de Defesa do Consumidor (CDC) aplicável aos
contratos de compra e venda de imóveis, desde que o comprador seja o
destinatário final do bem. É possível a aplicação do CDC, inclusive, em
relação à corretora imobiliária responsável pela realização do negócio (REsp 1.087.225).
A Terceira Turma entende que o CDC atinge os contratos nos quais a
incorporadora se obriga a construir unidades imobiliárias mediante
financiamento (AREsp 120.905).
Incorporadora é aquela que planeja, vende e divulga o empreendimento,
diferente da construtora, que muitas vezes apenas executa a obra.
De acordo com a Lei 4.561/64, que dispõe sobre o condomínio em
edificações e as incorporações imobiliárias, a atividade da
incorporadora é promover e realizar a construção, para alienação total
ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de
unidades autônomas.
O STJ entende que o contrato de incorporação,
no que tem de específico, é regido por essa lei, mas sobre ele também
incide o CDC, “que introduziu no sistema civil princípios gerais que
realçam a justiça contratual, a equivalência das prestações e o
princípio da boa-fé objetiva” (REsp 1.006.765).
Equivalência das prestações
O cidadão pode pedir a rescisão do contrato e a restituição dos valores
pagos por não ter mais condições de suportar o pagamento das prestações
acordadas. A extinção do negócio justifica a retenção, pelo vendedor,
somente de parte das parcelas pagas, para compensar os custos
operacionais da contratação (REsp 907.856).
No julgamento de um recurso, o tribunal admitiu que a retenção
atingisse 25% do montante pago pelo adquirente, mas não o valor total,
como desejava a incorporadora. A cláusula contratual que previa a
retenção total foi julgada abusiva.
As formas e condições da
restituição em caso de rescisão foram definidas pela Segunda Seção do
STJ em processo julgado nos termos do artigo 543-C do Código de Processo
Civil (recurso repetitivo). De acordo com a Seção, “é abusiva cláusula
que determina a restituição dos valores devidos somente ao término da
obra ou de forma parcelada, no caso de resolução de contrato de promessa
de compra e venda, por culpa de quaisquer contratantes”.
A
devolução dos valores somente após o término da obra retarda o direito
do consumidor à restituição da quantia paga, em violação ao artigo 51,
II, do CDC. Constitui ainda vantagem exagerada para o fornecedor,
conforme o inciso IV do mesmo artigo.
Havendo resolução do
contrato, segundo a Seção, “deve ocorrer a imediata restituição das
parcelas pagas pelo promitente comprador – integralmente, em caso de
culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso
tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento” (REsp 1.300.418).
Publicidade enganosa
Para o STJ, a publicidade veiculada pelas construtoras faz parte do
contrato, e suas promessas devem ser cumpridas. Um dos processos
julgados na corte tratava do caso em que várias pessoas compraram
diversos imóveis sob a promessa de que seria constituído um pool
hoteleiro. Entretanto, vendida a proposta de hotel, ocorreu interdição
pela prefeitura em virtude de a licença ser apenas residencial.
A
empresa vendedora adotou medidas para tentar superar a interdição,
remodelando o projeto anunciado, o que não satisfez os compradores. O
STJ entendeu que era cabível indenização por lucros cessantes e dano
moral (REsp 1.188.442).
O jornalista Biasi Buggiero, no livro Questões Imobiliárias,
afirma que, no afã de acelerar as vendas, às vezes o próprio
incorporador ou a agência de publicidade promete características que o
prédio não terá. É comum o uso da expressão “terceiro dormitório
opcional” para uma dependência que, no projeto aprovado pela prefeitura,
aparece como despensa. É comum ainda haver incoerência na área externa
anunciada.
O tribunal já enfrentou inúmeras discussões envolvendo
área de garagem. Uma dúvida comum é saber se integra ou não a unidade
vendida. A conclusão dos ministros é que o anúncio deve informar
claramente uma possível integração, de modo que os consumidores não
tenham dúvida quanto ao tamanho real do apartamento – uma aplicação do
princípio da transparência, previsto no CDC (REsp 1.139.285).
Indenização por atraso
Para o STJ, o atraso na obra gera direito a indenização. A construtora
deve pagá-la nos termos do contrato assinado entre as partes, bem
como deve suportar os danos materiais decorrentes, tal como o pagamento
das custas de moradia do consumidor em outro local durante o período ou,
então, do valor correspondente ao aluguel do imóvel.
Atualmente,
algumas decisões têm restringido a condenação por danos morais por
entender que se trata de mero aborrecimento. O dano moral, para o STJ,
não é presumido nessas situações. Depende de provas de que o fato gerou
sofrimento psicológico.
Mas a jurisprudência predominante
estabelece que, havendo atraso na entrega do imóvel, há possibilidade de
cumulação da multa prevista em contrato com indenização por perdas e
danos, inclusive lucros cessantes (AREsp 521.841).
“Juros no pé”
O STJ entendeu ainda que não é ilegal ou abusiva a cláusula constante
de contrato de compra e venda de imóvel em construção que prevê a
incidência de juros compensatórios sobre os valores de prestações
anteriores à entrega das chaves. Trata-se dos chamados “juros no pé”,
conforme jargão da área.
Como regra, na incorporação imobiliária,
o pagamento pela compra de um imóvel deve ser à vista. No entanto, o
incorporador pode oferecer prazo ao adquirente para pagamento, mediante
parcelamento do preço, até que o imóvel seja entregue. Os juros
compensatórios cobrados antes da entrega do imóvel é que são chamados
“juros no pé”.
Os ministros da Segunda Seção, composta pela
Terceira e Quarta Turmas, entenderam em 2012, por maioria de quatro
votos a três, que, sendo facultada ao consumidor a aquisição do imóvel a
prazo, é legítima a cobrança dos juros, desde que estabelecida no
contrato. O objetivo é assegurar o equilíbrio financeiro, que deve ser
marcado pela equivalência das prestações. (EREsp 670.117)
Comissão de corretagem
Abusos na cobrança de comissão de corretagem em contratos de compra e venda também provocam muitas demandas no Judiciário.
Segundo a jurisprudência do tribunal, o ônus da corretagem cabe à
vendedora, salvo na hipótese de o consumidor contratar o corretor para
pesquisar e intermediar a negociação. Em uma decisão, o STJ determinou a
divisão solidária da comissão entre vendedor e comprador. "Em regra, a
responsabilidade pelo pagamento da comissão é do vendedor; contudo,
considerando os elementos dos autos, justifica-se a distribuição da
obrigação" (Ag 1.119.920).
Para o STJ, é incabível a comissão quando o negócio não foi concluído
por desistência das partes, não atingindo seu resultado útil (AREsp 390.656).
Em decisão proferida em um recurso, a relatora, ministra Nancy
Andrighi, explica que, após o Código Civil de 2002, pela disposição
contida no artigo 725, é possível a comissão em caso de arrependimento.
Pelo novo código, o julgador deve refletir sobre o que é resultado útil
a partir do trabalho de mediação do corretor. A mera aproximação das
partes para iniciar o processo de mediação da compra não justifica o
pagamento de comissão.
A ministra Andrighi disse que é comum,
após o pagamento de pequeno sinal, as partes pedirem certidões umas das
outras a fim de verificar a conveniência de efetivamente levar o negócio
adiante, tendo em vista os riscos de inadimplemento, de inadequação do
imóvel ou mesmo de evicção.
Essas providências, segundo a
ministra, encontram-se no campo das tratativas, e a não realização do
negócio por força do conteúdo de uma dessas certidões implica mera
desistência, não arrependimento, sendo, assim, inexigível a comissão por
corretagem (REsp 1.183.324).
Pesquisa Pronta
Na página da Pesquisa Pronta,
o leitor encontrará pesquisas previamente elaboradas pela Secretaria de
Jurisprudência do STJ sobre alguns dos temas mencionados neste texto.
Uma delas trata da “responsabilidade civil pelo descumprimento de prazo
para entrega de imóvel objeto de contrato de compra e venda”.
Fonte: Âmbito Jurídico