Ao julgar o pedido de indenização feito por uma vendedora que tinha a
bolsa revistada ao fim do expediente na loja de cosméticos onde
trabalhava, o juiz Fernando Saraiva Rocha expressou o seu entendimento
no sentido de que a revista em pertences de empregados, ainda que visual
e feita de maneira individual, reservada e discreta, ofende a
privacidade do trabalhador em sua esfera pessoal, causando-lhe prejuízos
morais, que devem ser reparados pela empregadora.
O caso foi
analisado pelo magistrado na 3ª Vara do Trabalho de Juiz de Fora. A
prova testemunhal demonstrou que as empregadas da loja tinham por
obrigação vistoriar as bolsas umas das outras, o que era feito inclusive
pela reclamante. E, embora essa revista, de fato, fosse apenas visual e
ocorresse quando a loja já estava fechada, ou no local do estoque,
longe das vistas dos clientes, na visão do magistrado, a prática
caracteriza violação ao direito de personalidade e configura invasão da
privacidade da trabalhadora. "Constatada a conduta ilícita da
empregadora, com a exposição da empregada em sua esfera íntima, os danos
morais são presumidos", ressaltou o julgador.
Segundo o
juiz, a Constituição brasileira protege a privacidade das pessoas, a
qual pode ser dividida em três esferas: a pública, a pessoal e a íntima
(art. 5º, inciso X, da CR/88). "Na esfera pública, estão as
informações sobre determinada pessoa de irrestrito acesso à sociedade. A
esfera pessoal trata das relações da pessoa com as outras pessoas
(orientações religiosas, sexuais, opções de vida, etc), cujo acesso não é
público e irrestrito, mas de escolha exclusiva da própria pessoa. Já a
terceira esfera, a íntima, é a mais essencial evidência de
individualidade: são os pensamentos e as atitudes da pessoa, das quais
só ela tem conhecimento. A reunião, principalmente, destas duas últimas e
menores esferas são indispensáveis à formação da pessoa enquanto
sujeito único, dentro de uma sociedade", destacou o juiz, na
sentença. E, na visão dele, a revista em pertences de empregados, ainda
que visual e feita de maneira individual, reservada e discreta, viola a
privacidade do trabalhador em sua esfera pessoal.
"Uma mulher
que se encontra durante seu período menstrual, portando absorvente; uma
pessoa que esteja carregando preservativo, medicamentos de uso
controlado ou roupas de baixo; ou uma pessoa que não consiga assumir que
se mantém fumante, carregando seu maço de cigarros, são exemplos de
sujeitos que precisam ter sua intimidade respeitada", ponderou o
julgador. Ele ressaltou que, se a reclamante tivesse o hábito de
carregar em sua bolsa algum objeto que demonstrasse seu interesse em
algo particular, sobre o qual não quisesse que outros soubessem,
passaria a deixar de carregá-lo, em razão das vistorias diárias. Dessa
forma, concluiu que as revistas acabavam gerando restrição da liberdade
da reclamante. Por fim, frisou que, ainda que as revistas tivessem por
finalidade a proteção ao patrimônio da empresa, a prática representa
clara ofensa à Presunção de Inocência (art. 5º, LVII, CR/88).
"Falta
razoabilidade na conduta (art. 1º, IV, CR/88), haja vista que há outros
meios menos invasivos de se tutelar a propriedade privada e de se
exercer o poder diretivo, sem causar o constrangimento de revista em
pertences pessoais", finalizou o juiz sentenciante. Por esses
motivos, a empresa foi condenada a pagar à reclamante indenização por
danos morais, fixada em R$5.000,00. Até o momento, não houve recurso da
sentença ao TRT-MG.
Fonte: TRT/MG