quinta-feira, 19 de maio de 2011

A ilegalidade da Tabela Price nos contratos de financiamento

Número do processo: 1.0145.06.340919-0/001(1)

EMENTA: REVISÃO CONTRATUAL. TABELA PRICE. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. INTERESSE DE AGIR. ABUSIVIDADE E ILEGALIDADE DO CONTRATO. A revisão dos contratos entre fornecedores e consumidores sempre é possível quando se vislumbra cláusula nula, seja por ilegalidade ou por abusividade. Tal possibilidade de revisão é, inclusive, decorrente do princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição. O método de amortização da dívida conhecido como "Sistema Price de Amortização" implica, necessariamente, a prática de capitalização e anatocismo vedados. A comissão de permanência não pode ser cumulada com encargos moratórios, juros remuneratórios e multa, devido à configuração de bis in idem. Preliminar rejeiatada e recurso não provido.

APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0145.06.340919-0/001 - COMARCA DE JUIZ DE FORA - APELANTE(S): BANCO ABN AMRO REAL S/A - APELADO(A)(S): DIRCE GONÇALVES DA SILVA - RELATOR: EXMO. SR. DES. CABRAL DA SILVA

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 10ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM REJEITAR A PRELIMINAR E NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.

Belo Horizonte, 21 de outubro de 2008.

DES. CABRAL DA SILVA - Relator

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

O SR. DES. CABRAL DA SILVA:

VOTO

Adoto o relatório do juízo a quo (fls. 117/118), por representar fidedignamente os fatos ocorridos em Primeira Instância.

Trata-se de Apelação interposta por BANCO ABN AMRO REAL S.A., às fls. 124/135, contra sentença de fls. 117/120, proferida pelo MM. Juiz de Direito da 8ª Vara Cível da Comarca de Juiz de Fora, nos autos da "ação revisional contratual com pedido de tutela antecipada", a qual foi julgada parcialmente procedente para decotar a capitalização mensal dos juros, permitida a anual, bem como a cumulação dos juros remuneratórios com os moratórios, no caso de inadimplemento, prevalecendo estes últimos.

Em suas razões recursais, assevera o Apelante que merece o r. decisum do juízo primevo ser substituído, visto que haveria ausência de interesse de agir em relação à revisão das cláusulas contratuais pois não se encontrariam caracterizados os elementos dos artigos 166, 184, 478 e 480 do Código Civil. No mérito, afirma que o juízo a quo não separou os juros moratórios dos juros compensatórios. Sustenta que, nas operações realizadas pelas instituições financeiras, é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano. Aduz que o Sistema Francês de Amortização, conhecido como Tabela Price, é de legal aplicação.

Em sede de contra-razões (fls. 140/150), reafirmou o Apelado as razões constantes da decisão recorrida, salientando que seu interesse de agir funda-se na revisão de cláusulas constantes do contrato de adesão. Aduz que é proibida a capitalização de juros e que a Tabela Price importa esta capitalização.

Este é o breve relatório.

I - PRELIMINAR. INTERESSE DE AGIR.

Sustenta o apelante que não haveria interesse de agir, visto que a causa de pedir não coadunaria com as hipóteses legais de revisão contratual.

Sobre o tema, leciona Humberto Theodoro Júnior que:

"O interesse de agir, que é interesse instrumental e secundário, surge da necessidade de obter através do processo a proteção ao interesse substancial. Entende-se, dessa maneira, que há interesse processual "se a parte sofre um prejuízo, não propondo a demanda, e daí resulta que, para evitar esse prejuízo, necessita exatamente da intervenção dos órgãos jurisdicionais. Localiza-se o interesse processual não apenas na utilidade, mas especificamente na necessidade do processo como remédio apto à aplicação do direito ao caso concreto..." (Curso de Direito Processual Civil, v.I., 41ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2004, p.55).

O interesse de agir, ou interesse processual, surge da necessidade da parte de obter, através do processo, a proteção ao seu interesse substancial, pois a Constituição Federal consagra a garantia de que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (art. 5º, XXXV, da Constituição Federal).

A revisão dos contratos entre fornecedores e consumidores sempre é possível quando se vislumbra cláusula nula, seja por ilegalidade ou por abusividade. Tal possibilidade de revisão é, inclusive, decorrente do princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição.

Assim, plenamente viável a revisão de um contrato pactuado, especialmente quando se analisam as relações consumeristas, aplicáveis, portanto, suas regras por força da Súmula 297 do C. STJ.

Desta forma, rejeito a preliminar de ausência de interesse de agir.

II - MÉRITO

Compulsando os autos, nota-se que os juros da dívida cobrada são calculados pela chamada Tabela Price, conforme se infere da conclusão do i. Expert, que nos autos se manifestou. Veja-se:

"8. Há utilização da Tabela Price na amortização do devido em caso de inadimplência?

R) Este perito informa que para o cálculo das prestações foi utilizado o Sistema Price para a amortização das parcelas. Por ocasião da inadimplência são cobrados os encargos previstos no contrato." (fl. 92)

A meu ver e sentir, tal método de amortização da dívida, conhecido como "Sistema Price de Amortização", implica, necessariamente, a prática de capitalização e anatocismo, na esteira do que compreendia o extinto Tribunal de Alçada de Minas Gerais, verbi gratia:

"Ação Ordinária - Financiamento habitacional - (...) - TR - Inadmissibilidade - Substituição - INPC - Seguro - Venda casada - Cláusula abusiva - Tabela Price - Ilegalidade - (...) - Para assegurar o poder aquisitivo do capital colocado à disposição do mutuário, deve ser adotado o INPC, índice oficial calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, mantido pela Lei nº 8.177/91, não havendo que se falar na utilização de indexadores como a TR, por constituir encargo de natureza remuneratória, que não se aplica aos contratos de financiamento provenientes do SFH celebrados antes da vigência da Medida Provisória nº 294/91, convertida na citada lei. A imposição de contratação de seguro de determinado grupo financeiro constitui venda casada de produtos, o que é vedado pelo art. 39, inciso I, da Lei nº 8.078/90. O uso da denominada Tabela "Price" implica na contagem de juros sobre juros, visto ser um tipo de metodologia de cálculo que se utiliza de juros compostos e, se a própria capitalização de juros ou anatocismo é vedada no nosso ordenamento jurídico, não há razões para se adotar este sistema de amortização..." (Apelação Cível 0337205-8, TAMG, Rel. Juiz Edilson Fernandes, j. em 27.06.01).

Importante destacar que a utilização da Tabela Price implica cumulação de juros, evidenciando a já rechaçada prática do anatocismo, mormente em se tratando de financiamento bancário, em face do disposto na Súmula 121 do Supremo Tribunal Federal e artigo 4º da Lei de Usura, que expressamente estabelece ser "proibido contar juros dos juros".

Esclarece-se, ainda, que a permissão do ordenamento jurídico é de que seja procedida a cobrança de juros no patamar estabelecido pelo Decreto-lei 22.626/33, sendo vedado o seu cálculo, tomando-se como base o saldo devedor, mês a mês, já acrescido dos juros calculados sobre o débito do mês anterior, o que se evidencia ter ocorrido com relação à evolução da quantia devida pelos correntistas.

Assim, devem os juros ser cobrados nos moldes da referida legislação, tendo como base de cálculo o valor original da dívida, o que é denominado de juros simples, e não da forma noticiada pelo contrato, e como pretende o banco requerido com a aplicação da Tabela Price, através de incidência sobre o saldo devedor já acrescido dos juros devidos pela conta anterior, chamado de juros sobre juros, evidenciando a prática de capitalização no sentido de acúmulo de importância com fincas à formação de um capital.

Essa, a lição de Orlando Gomes:

"Não permite a lei que se adicionem os juros ao capital para o efeito de se contarem novos juros. Em suma, não é permitido contar juros de juros. Proíbe-se, numa palavra, o 'anatocismo' (Contratos, Forense, 16ª ed., p. 321).

Trata-se de juros compostos na exata medida em que, sobre o saldo amortizado, é calculado o novo saldo com base nos juros sobre aquele aplicados, e, sobre este novo saldo amortizado, mais uma vez os juros, e assim por diante.

No caso da Tabela Price, por definição, os juros são compostos (juros sobre juros). Temos, portanto, sistema de amortização francês e juros, quanto à capitalização, classificados como compostos (juros sobre juros) ("Os contratos imobiliários e a previsão de aplicação da Tabela Price - anatocismo", Revista de Direito do Consumidor, Revista dos Tribunais, nº 28, p. 129/136).

Desta forma, deverá ser mantida a r. sentença do juízo a quo quanto à sua avaliação da Tabela Price e sobre a forma legal de incidência dos juros.

III - CONCLUSÃO

Ex-positis, REJEITO A PRELIMINAR e, no mérito, NEGO PROVIMENTO à Apelação.

Custas pelo apelante.

O SR. DES. MARCOS LINCOLN:

VOTO

Acompanho o voto proferido pelo eminente Relator, Desembargador Cabral da Silva, que rejeitou a preliminar e negou provimento à apelação, para manter a r. sentença recorrida.

Todavia, tenho por oportuno ressalvar o meu posicionamento a respeito da Tabela Price, a fim de evitar eventual alegação futura de contradição.

Conforme venho decidindo, a utilização da famosa Tabela Price, por si, não constitui qualquer ilegalidade, ou seja, a simples adoção do método francês de amortização não implica a prática de anatocismo.

Definindo a Tabela Price, Carlos Pinto Del Mar, in Aspectos Jurídicos da Tabela Price, 1ª edição, Jurídica Brasileira, 2001, São Paulo, leciona:

"A Tabela Price nada mais é do que um sistema de amortização, que tem como característica o fato de reunir uma subparcela de amortização e outra subparcela de juros, de tal forma que a soma dessas duas parcelas, ou seja, o valor total das parcelas, durante todo o período, seja uniforme. Daí que, quando se pretender amortizar um empréstimo em parcelas constantes, compreendendo amortização de juros, a qualquer taxa, o sistema será inevitavelmente o da Tabela Price, eis que a matemática não conhece outro método que apresente prestações constantes. O que é proibido, em determinadas circunstâncias é cobrar juros dos juros, e não realizar uma operação matemática qualquer, calculando a juros compostos. (...) O sistema da Tabela Price existe para se calcular prestações constantes. Se a utilização desse sistema é feita de modo que resultem juros dentro dos limites legais, não há qualquer ilegalidade. Realmente dizer que o sistema da Tabela Price é ilegal por adotar o critério de juros compostos é uma aberração."

A propósito, vale trazer, à baila, o seguinte aresto do colendo Superior Tribunal de Justiça:

" (...) No Sistema Francês de Amortização, mais conhecido como tabela price, somente com detida incursão no contrato e nas provas de cada caso concreto é que se pode concluir pela existência de amortização negativa e, conseqüentemente, de anatocismo, vedado em lei..." (STJ. 4ª Turma. REsp. nº 769.092/PR, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ: 17/10/05, pág. 314).

Mediante tais considerações, feita a devida ressalva, NEGO PROVIMENTO à apelação, para manter a r. sentença recorrida.

Custas, na forma definida pelo i. Relator.

O SR. DES. ALBERTO ALUÍZIO PACHECO DE ANDRADE:

VOTO

De acordo.

SÚMULA : REJEITARAM A PRELIMINAR E NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0145.06.340919-0/001