A cobrança para o cumprimento de metas é natural à atividade
profissional, especialmente no ramo de vendas. Portanto, isso, por si
só, não costuma causar danos à honra e à moral do trabalhador. Mas a
conversa muda de figura quando há excesso de cobranças pela empresa, com
uso de pressão psicológica rude e agressiva para que o empregado atinja
as cotas de vendas, ou quando há exposição vexatória, como a que
decorre da exigência de que ele realize "vendas casadas" sem o
conhecimento dos clientes. Aí sim, configura-se abuso de poder do
empregador, além de representar prática ilícita da empresa. A decisão é
da juíza Maria José Rigotti Borges, em sua atuação na 1ª Vara do
Trabalho de Juiz de Fora/MG. Com esses fundamentos, ela condenou uma
conhecida rede de lojas de vendas a varejo a pagar a um empregado
indenização de R$10.000,00, por assédio moral.
A prova
testemunhal demonstrou que, além das metas de vendas de produtos, a
empresa também impunha aos vendedores metas de vendas de serviços
(acréscimo de seguro, garantia estendida e até plano odontológico), que
eram embutidos no valor a ser pago pelo cliente, sem que ele percebesse
ou que fosse avisado. Essa prática, conhecida como "embutec", foi
confirmada no caso, não só pelas testemunhas, como pelo próprio gerente
da ré. Além disso, os vendedores que não atingiam as metas tinham o nome
grifado em vermelho no ranking de vendas que ficava logo abaixo do
relógio de ponto. Se o empregado ficasse um mês sem bater meta, perdia o
sossego; três meses, perdia o emprego. Embora os vendedores se
sentissem constrangidos com a prática do "embutec", ou venda casada,
eles eram obrigados a adotá-la, já que, se ficassem três meses sem bater
a meta de serviços, eram dispensados pela ré.
Conforme afirmou
uma testemunha, a orientação da empresa era de que os vendedores
comunicassem ao cliente o valor total das parcelas, de forma que ele não
percebesse o valor total do produto, que incluía os tais serviços
"extras". Embora fosse comum aos vendedores serem questionados pelos
clientes, que retornavam à loja quando percebiam a cobrança de outros
produtos além do adquirido, a gerência dizia que "a prática valia a pena
porque de cada 10 clientes apenas 02 voltavam, sendo que um permanecia
com os produtos".
Nesse contexto, a julgadora não teve dúvidas de
que havia cobrança humilhante e excessiva de metas por parte da
empresa. Além disso, ela ressaltou que a prática reiterada da empresa,
já constatada em outros processos e esferas judiciais e administrativas,
de impor a seus empregados a realização de vendas casadas ou embutidas
sem o conhecimento do consumidor, além de representar prática ilícita no
âmbito das relações de consumo, também caracteriza abuso do poder
diretivo do empregador que, ao impor metas abusivas, acaba por
constranger o vendedor a praticar ato ilícito. "Esse comportamento
não é admitido, muito menos pode ser tolerado nas relações de trabalho,
já que a subordinação do empregado não é sinônimo de sua inferioridade
ou submissão perante os seus superiores", frisou a magistrada.
Na
visão da juíza, a prática abusiva da empresa gerou dano moral à
reclamante, pois configura agressão à dignidade humana, já que capaz de
causar aflições, angústia e desequilíbrio ao bem estar da pessoa. Assim,
a reparação da trabalhadora é garantia constitucional, prevista no art.
5° inciso X da CF e também nos artigos 186, 187 e 927 do Código Civil.
Por
fim, a julgadora ressaltou que, como amplamente divulgado pelos meios
de comunicação de massa, de forma reiterada, a empresa vem desatendendo à
Resolução 296/2013 (SUSEP), do Conselho Nacional de Seguros Privados e
às normas de defesa do consumidor, com a prática ilícita de venda casada
e embutida de seguros, o que, inclusive, teria lhe rendido a aplicação
de multas pelos órgãos de fiscalização dos direitos dos consumidores,
como o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC)/PROCON. Já
há também condenações da ré em ACP's (ações civis públicas) ajuizadas
pelo Ministério Público pelas mesmas razões. A empresa recorreu ao
TRT-MG, mas a Turma Recursal de Juiz de Fora, por maioria de votos,
manteve a decisão de primeiro grau.
Fonte: TRT/MG