EMENTA: AÇÃO DE CUMPRIMENTO DE
OBRIGAÇÃO CONTRATUAL C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS - ATRASO NA
ENTREGA DO IMÓVEL - CULPA EXCLUSIVA DA CONSTRUTORA - MULTA POR DESCUMPRIMENTO
CONTRATUAL CUMULADA COM DANOS MATERIAIS - POSSIBILIDADE - NATUREZA DISTINTA -
DANOS MORAIS - COMPROVAÇÃO - QUANTUM INDENIZATÓRIO - OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS
DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE - SENTENÇA REFORMADA PARCIALMENTE.
-A incidência da multa
contratual por descumprimento e a indenização por danos materiais, são
cumuláveis, eis que possuem naturezas distintas.
-A indenização por danos
materiais se revelou devida, em razão de estarem presentes os requisitos
ensejadores ao dever de indenizar, quais sejam, ato ilícito (mora na entrega do
imóvel), dano (despesas com alugueis) e nexo de causalidade (o aluguel do
imóvel foi devido ao atraso na entrega do bem adquirido pelos autores da ré).
Já a incidência da multa, de caráter compensatório, encontra previsão no
próprio contrato firmado.
-A ausência de entrega de um
imóvel residencial em tempo hábil por certo que gera uma justa expectativa de
uso pelos adquirentes, mormente quando se há filhos menores.
-Toda esta situação familiar
somada à demora de mais de um ano na entrega, que não pode ser considerado como
pouco tempo, sem dúvida gera mais do que meros dissabores à parte, mas efetivo
abalo suscetível de indenização.
-A fixação da indenização por
danos morais pauta-se pela aplicação dos princípios da razoabilidade e da
proporcionalidade.
-A finalidade da indenização é
a de compensar o ofendido pelo constrangimento indevido que lhe foi imposto e,
por outro lado, desestimular o ofensor a, no futuro, praticar atos semelhantes.
APELAÇÃO CÍVEL Nº
1.0024.10.206989-5/001
COMARCA BELO HORIZONTE
DENISE REZENDE BARCELLOS BASTOS
APELADO (A) (S) CONSTRUTORA
TENDA S/A
APELANTE(S) EDUARDO JOHNNY
TADEU DE CASTRO BASTOS
APELADO (A) (S)
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma,
a 11ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na
conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em dar parcial provimento
ao recurso.
Belo Horizonte, 25 de maio de
2011.
DES. WANDERLEY PAIVA,
RELATOR.
DES. WANDERLEY PAIVA (RELATOR)
V O T O
Trata-se de apelação interposta
em face da sentença de fls. 140/149, proferida pelo MM. Juiz Estevão Lucchesi
de Carvalho da 14ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte que, nos autos da
ação de cumprimento de obrigação contratual c/c indenização por danos materiais
e morais ajuizada por Denise Rezende Barcellos Bastos e Eduardo Johnny Tadeu de
Castro Bastos em face de Construtora Tenda S/A., julgou parcialmente procedente
os pedidos iniciais, para condenar a ré no pagamento da multa contratual de
0,5% por mês sobre o valor do imóvel objeto do contrato, incidindo no período
entre julho de 2008 a
28/04/2010, corrigida monetariamente e acrescida de juros de 1% ao mês a partir
da citação.
Condenou ainda a ré ao pagamento
de R$6.494,81 à título de indenização por danos materiais e R$20.000,00 à
título de danos morais.
Em razão de ter a parte autora
decaído de parte mínima do pedido, condenou, por fim, a ré ao pagamento das
custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios fixados em 15%
sobre o valor da condenação.
Inconformada, a ré interpôs
recurso de apelação, fls. 151/167, sustentando, em suma, que o atraso na
entrega do imóvel decorreu por culpa exclusiva dos autores, que não cumpriram
sua parte no contrato. Contudo, destacou que, ainda que entenda pela aplicação
da multa, é indevida a cumulação com danos materiais, eis que iria caracterizar
o bis in idem, o que é vedado legalmente. Destacou que a condenação nas duas
penalidades ocasionaria o enriquecimento sem causa dos autores, o que não pode
prevalecer.
Aduziu a inexistência de dano
moral, eis que não há qualquer comprovação de dor e sofrimento a justificar a
condenação a este título. Colacionou inúmeras jurisprudências em que consta o
não cabimento de indenização por danos morais em caso de atraso na entrega.
Contudo, na eventualidade de assim não se entender, pugnou pela minoração do
quantum arbitrado, em consonância com os princípios da razoabilidade e
proporcionalidade. Concluiu pugnando pelo provimento do apelo, com a
consequente reforma da decisão hostilizada.
Preparo regular, fls. 168.
Intimados, os autores
apresentaram contrarrazões, fls. 179/180, pugnando pela manutenção incólume da
sentença hostilizada.
Em síntese, é o relatório.
Pressentes os pressupostos de
admissibilidade, conheço do recurso.
Pretendem os autores/apelantes
o recebimento de indenização por danos materiais e morais, além do pagamento de
multa por descumprimento contratual da ré que, não entregou o imóvel adquirido
no prazo previsto contratualmente, o que lhes acarretou inúmeros transtornos.
Da sentença de parcial
procedência, recorre a ré, ao argumento de que o atraso na entrega do imóvel
decorreu por culpa exclusiva dos autores, que não cumpriram sua parte no
contrato. Contudo, destacou que, ainda que entenda pela aplicação da multa por
descumprimento da ré, é indevida a cumulação com danos materiais, eis que iria
caracterizar o bis in idem, o que é vedado legalmente. Destacou que a
condenação nas duas penalidades ocasionaria o enriquecimento sem causa dos
autores, o que não pode prevalecer.
Aduziu a inexistência de dano
moral, eis que não há qualquer comprovação de dor e sofrimento a justificar a
condenação a este título. Colacionou inúmeras jurisprudências em que consta o
não cabimento de indenização por danos morais em caso de atraso na entrega.
Contudo, na eventualidade de assim não se entender, pugnou pela minoração do
quantum arbitrado, em consonância com os princípios da razoabilidade e
proporcionalidade.
Pois bem.
Analisando a peça recursal,
verifica-se que, não obstante a ré/apelante imputar a culpa pelo atraso na
entrega do imóvel aos autores, não traz qualquer argumento para justificar sua
alegação, nem tão pouco refuta os argumentos despendidos na sentença proferida
Por tal razão, deixo de
analisar tal pleito.
Ademais, argumentou a ré que a
aplicação da multa por descumprimento não pode ser cumulada com danos
materiais, eis que iria caracterizar o bis in idem, o que é vedado legalmente.
Destacou que a condenação nas duas penalidades ocasionaria o enriquecimento sem
causa dos autores, o que não pode prevalecer.
Conquanto os argumentos
despendidos pela ré/apelante, entendo que a incidência da multa contratual por
descumprimento, bem como o ressarcimento das despesas havidas, à título de
indenização por danos materiais, são cumuláveis, eis que possuem natureza
distinta.
A indenização por danos
materiais se revelou devida, em razão de estarem presentes os requisitos
ensejadores ao dever de indenizar, qual seja, ato ilícito (mora na entrega do
imóvel), dano (despesas com alugueis) e nexo de causalidade (o aluguel do
imóvel foi devido ao atraso na entrega do bem adquirido pelos autores da ré).
Por outro lado, a incidência da
multa, de caráter compensatório, encontra previsão no próprio contrato firmado,
sendo decorrente do atraso na entrega do imóvel, senão vejamos:
'Cláusula 14ª - §1º Se a
Promitente Vendedora não concluir a obra no prazo fixado, após vencer o prazo
acima avençado e não tendo ocorrido a prorrogação por motivo de força maior ou
caso fortuito, pagará a Promitente Vendedora ao Promissário Comprador, a título
de pena convencional a quantia que equivaler a 0,5% (meio por cento) do preço
reajustado monetariamente da unidade, por mês ou fração de mês de atraso, sendo
exigível até a data da liberação do apartamento pela promitente vendedora.' (f.
21)
Dessa forma, inexistem óbices
para incidência cumulada dos danos materiais fixados na sentença e da multa
compensatória estipulada no contrato.
Neste sentido, a jurisprudência
deste Egrégio Tribunal já se orientou:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL.
PROMESSA DE COMPRA E VENDA. RESCISÃO. FALTA DE INTERESSE DO COMPRADOR.
PRELIMINAR REJEITADA. CULPA DO VENDEDOR. DEVOLUÇÃO INTEGRAL DOS VALORES.
RETENÇÃO INDEVIDA. 1. Já se encontra pacificado na Jurisprudência que mesmo o
devedor inadimplente pode pleitear a rescisão do contrato. Assim, independente
da apuração da culpa pela rescisão, matéria ligada ao mérito da causa, pode-se
afirmar que o autor não carece de interesse processual. 2. A retenção de um percentual
a título de perdas e danos somente é cabível nos casos em que o comprador dá
causa à rescisão. Configurada a culpa da vendedora, as parcelas pagas pelo
comprador devem ser devolvidas integralmente. (TJMG - Ap. Cível nº. 1.0024.08.274032-5/001 - 16ª CC
- Rel. Wagner Wilson - J. 26/11/2010)
EMENTA: AÇÃO DE RESCISÃO DE
CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL - DESCUMPRIMENTO PELA VENDEDORA DAS
CLÁUSULAS CONTRATUAIS - ATRASO NA ENTREGA DA OBRA - DEVOLUÇÃO INTEGRAL DE
PARCELAS PAGAS - MULTA PENAL E VALORES REFERENTES ÀS DESPESAS COM ALUGUEL
DEVIDOS - PARCELAS DE IPTU - EXCLUSÃO.- A devolução integral dos valores pagos
pelo promitente-comprador, que não deu causa à rescisão do contrato, não
configura enriquecimento sem causa, nada devendo ser retido pela construtora a
título de perdas e danos e/ou multa rescisória.- Restando comprovado que a
única responsável pelo descumprimento do contrato de promessa de compra e
venda, em razão do injustificado atraso na construção e entrega do imóvel
objeto da avença, foi a própria empresa construtora, deve ser reconhecido o
direito do adquirente à rescisão do pacto, assim como à restituição de todos os
valores pagos para a aquisição do bem pretendido e ao recebimento da multa
contratual pelo atraso na conclusão da obra.- São devidos, a título de perdas e
danos, o valor do aluguel contratado, pois a devolução das parcelas pagas
poderá permitir a aquisição de outro imóvel, mas não repõe os aluguéis pagos no
período em que a obra deveria ter sido entregue, servindo o aluguel para
compensar as despesas com outra moradia no período que deveria estar residindo
no bem adquirido. - Decota-se da condenação as parcelas relativas ao IPTU, pois
tal imposto seria devido mesmo se o autor estivesse residindo no imóvel
próprio. (TJMG - Ap. Cível nº. 1.0024.07.593456-2/001 - 9ª CC - Rel. Osmando
Almeida - J. 22/02/2011)
Assim, referentemente à
condenação em danos materiais, não assiste razão à recorrente quando aduz a
ocorrência de "bis in idem" a cumulação de multa e danos materiais.
Noutro norte, aduziu a
ré/apelante a inexistência de dano moral, eis que não há qualquer comprovação
de dor e sofrimento a justificar a condenação a este título. Colacionou
inúmeras jurisprudências em que consta o não cabimento de indenização por danos
morais em caso de atraso na entrega do imóvel.
Como se sabe, o Código Civil
vigente, em seu art.186, prevê a possibilidade de reparação civil em razão de
ato ilícito, inclusive quando o dano é exclusivamente moral.
A indenização por dano moral
surge sempre que for atingido o ofendido como pessoa, não se cogitando de lesão
ao seu patrimônio, razão pela qual dispensa prova em concreto, existindo in re
ipsa, tratando-se de presunção absoluta.
O dano moral é lesão que integra
os direitos da personalidade, tal como o direito à vida, à liberdade, à
intimidade, à privacidade, à honra (reputação), à imagem (retrato e atributo),
à intelectualidade, à identificação pessoal e à integridade física e psíquica,
etc..., enfim, a dignidade da pessoa humana.
Nesse raciocínio, tem-se que
configura dano moral aquele dano que, fugindo à normalidade, interfira
intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições,
angústia e desequilíbrio em seu bem estar. Neste diapasão, mero dissabor,
aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da
incidência do dano moral, porquanto além de fazerem parte da normalidade do dia
a dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais
situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio
psicológico da pessoa.
Em resumo, a responsabilidade
civil e seus efeitos presumem lesão, ou seja, a violação à ordem jurídica,
pois, caso contrário tratar-se-ia de ato corriqueiro, no qual a licitude da sua
prática não ensejaria qualquer reparabilidade.
No entanto, a possibilidade de
indenização deve decorrer da prática de um ato ilícito, que é considerado como
aquela conduta que viola o direito de alguém e causa a este um dano, que pode
ser material ou exclusivamente moral. Em qualquer hipótese, porém, exige-se a
violação de um direito da parte, da comprovação dos fatos alegados, dos danos
sofridos e do nexo de causalidade entre a conduta desenvolvida e o dano
sofrido.
Pois bem.
Feito esse breve apontamento,
verifica-se que a questão posta nos autos cinge-se em saber se há o dever de
indenizar o ato ilícito cometido pela apelante, que consiste, no inadimplemento
contratual referente ao atraso na entrega do imóvel adquirido, ou não.
Data venia, entendo que a
ausência de entrega de um imóvel residencial em tempo hábil por certo que gera
uma justa expectativa de uso pelos adquirentes, mormente quando se há filhos
menores.
Toda esta situação familiar
somada à demora de mais de um ano na entrega, que não pode ser considerado como
pouco tempo, sem dúvida gera mais do que meros dissabores à parte, mas efetivo
abalo suscetível de indenização.
No tocante ao quantum
indenizatório, pugnou a ré/apelante pela minoração, em consonância com os
princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
Vê-se que o Julgador
monocrático arbitrou o quantum indenizatório na importância de R$20.000,00
(vinte mil reais).
Os critérios para a fixação do
valor indenizatório, por não haver orientação segura e objetiva na doutrina e
jurisprudência, fica este ao arbítrio do Juiz que deve agir com moderação,
prudência e razoabilidade, cujo valor deve produzir no causador impacto
suficiente para dissuadi-lo da prática de novos atos ofensivos, mas que, por
outro lado, não venha constituir causa de enriquecimento indevido do ofendido.
Na valoração da verba
indenizatória a título de danos morais, deve-se levar em conta a dupla
finalidade da reparação, buscando um efeito repressivo e pedagógico e propiciar
à vítima uma satisfação, sem que isto represente um enriquecimento sem causa.
Nesse sentido, Caio Mário da
Silva Pereira, Leciona:
"É certo, como visto
acima, que a indenização em termos gerais, não pode ter o objetivo de provocar
o enriquecimento ou proporcionar, ao ofendido, um avantajamento, por mais forte
razão deve ser eqüitativa a reparação do dano moral, par que se não converta o
sofrimento em móvel de captação de lucro (de lucro capiendo)" -
Responsabilidade Civil, 2ª edição, rio de Janeiro, Editora Forense, 1.990, nº
252, p. 339.
Neste interregno, pelo que
consta dos autos, verifica-se que a condenação da apelante ao pagamento da
importância de R$20.000,00 (vinte mil reais) se mostra superior ao que os
tribunais vêm aplicando em casos análogos.
Sabe-se que deve ser levado em
consideração a condição econômica das partes, os danos ocasionados, etc.
Assim, entendo que o valor de
R$10.000,00 (dez mil reais) está condizente com a razoabilidade e cautela que
merece o caso.
Com tais argumentos, dou parcial
provimento ao recurso, apenas para minorar o quantum indenizatório fixado na
sentença, para o montante de R$10.000,00 (dez mil reais).
Mantenho os ônus sucumbenciais
na forma estabelecida na r. sentença primeva.
Em razão da sucumbência mínima,
arcará a ré/apelante com as custas recursais.
DES.ª SELMA MARQUES (PRESIDENTE
E REVISORA) - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. FERNANDO CALDEIRA BRANT -
De acordo com o(a) Relator(a).
DES.ª SELMA MARQUESSÚMULA:
"SÚMULA: DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO."
Fonte: TJMG