Ao julgar recurso de um trabalhador, contratado sem concurso por uma
empresa pública, a 4ª Turma do TRT/MG decidiu contrariamente à Súmula
363 do TST, manifestando o entendimento de que os ônus decorrentes da
ilegalidade do contrato declarado nulo devem ser divididos entre as
partes.
No caso, atendendo ao disposto no artigo 37, inciso II,
da Constituição Federal, a juíza de 1º Grau declarou a nulidade do
contrato entre o reclamante e a empresa pública, já que este não foi
precedido de concurso público. A sentença aplicou a Súmula 363 do TST,
que assegura ao trabalhador nessas condições apenas o salário, em
relação ao número de horas trabalhadas, e os valores referentes aos
depósitos do FGTS.
Mas essa solução não foi considerada a melhor
pelo relator do recurso, juiz convocado Cléber Lúcio de Almeida. Dando
razão ao trabalhador, ele explicou que a Constituição prevê como
fundamentos da República a dignidade da pessoa humana e os valores
sociais do trabalho. Além disso, dispõe que a construção de uma
sociedade livre, justa e solidária constituem objetivo da República,
também estabelecendo que a ordem econômica tem por fim assegurar a todos
existência digna. Nesse sentido, dispõem os artigos 1º, inciso III e
IV; artigo 3º, inciso I; e artigo 170, caput, da Constituição Federal.
Mas não é só, acrescenta o magistrado: A
Constituição de 1988 dá um passo adiante, posto que assegura aos
trabalhadores um rol de direitos, aos quais reconhece, pela sua
localização no texto constitucional, a natureza de direitos fundamentais
(art. 7º). Para o relator, a análise conjunta de todos esses
dispositivos permite concluir que a Constituição assegurou direitos
mínimos para que o trabalhador tenha uma vida digna. O constituinte
de 1988 elegeu, no último artigo mencionado (7º), os direitos sem os
quais não estão presentes as condições materiais mínimas necessárias a
uma vida digna para aqueles que vivem da venda da sua força de trabalho e
a construção de uma sociedade verdadeiramente livre, justa e solidária, destacou.
E
com o contrato nulo não pode ser diferente. De acordo com as
ponderações do relator, a própria Constituição (artigo 39) estendeu aos
servidores públicos vários dos direitos previstos no artigo 7º, como,
por exemplo, salário mínimo, 13º salário, adicional noturno, repouso
semanal, horas extras e férias anuais remuneradas. Isso significa que
também os que prestam serviços para a Administração Pública devem ter a
dignidade repeitada. Portanto, na avaliação do magistrado, ainda que
nulo o contrato de trabalho, o trabalhador deve receber o mínimo
necessário para uma vida digna. Este mínimo deveria ser o previsto no
artigo 7º da Constituição, na visão do julgador.
Por outro lado,
assim como o ente público contratante não pode ser beneficiado pela
ilegalidade da contratação, também o trabalhador não deve ficar isento
de responsabilidade. Afinal, ninguém pode alegar que desconhece a regra
de que a Administração Pública somente pode contratar pessoal mediante
concurso público. Seguindo essa lógica, o relator chegou a um meio
termo como solução: os ônus da ilegalidade na contratação dos serviços devem ser divididos entre as partes, equitativamente.
O magistrado explicou que ao juiz é lícito adotar, em cada caso, a
decisão que se lhe apresente mais equânime, conforme artigo 852-I da
CLT. Para ele, impor apenas ao reclamante o encargo de sua contratação
irregular não é razoável. Atribuir somente ao trabalhador os ônus da
sua contratação irregular implicaria estabelecer excessiva desproporção
entre a sua culpa e os efeitos do ato praticado por ele e pela reclamada. O artigo 944, parágrafo único, do Código Civil autoriza a redução da responsabilidade nesses casos.
Ainda
de acordo com o entendimento do relator, não reconhecer direitos ao
trabalhador seria premiar o ente público com sua própria torpeza. Isso
porque se trata de serviços lícitos a custo mínimo (somente salários e
depósito do FGTS pela Súmula 363 do TST). Como lembrou o magistrado, se a
contratação dos mesmos serviços fosse regular, a empresa pública teria
de respeitar os direitos previstos no artigo 7º da Constituição da
República.
Com base nessas considerações, o relator decidiu
deferir ao trabalhador contratado irregularmente a metade do valor
correspondente aos direitos mínimos previstos na Constituição para uma
vida digna, no que foi acompanhado pela Turma julgadora. Portanto, o
trabalhador deverá receber metade das seguintes parcelas: aviso prévio,
férias com 1/3, 13º salários do período contratual não alcançado pela
prescrição e ainda o FGTS na sua integralidade acrescido de 20%, como
indenização pela dispensa.
Fonte: TRT/MG