O desembargador Ronaldo Andrade, da 3ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, derrubou a tese de que o direito à indenização para perseguidos políticos
durante a ditadura militar é passível de prescrição. Em julgamento do
último 15 de maio, o colegiado mandou a Fazenda do Estado de São Paulo
indenizar o militante Caio Venâncio Martins em 500 salários mínimos, ou
R$ 255 mil. Ele conta que foi obrigado a sair do Brasil e viver em
diversos países para fugir da Polícia na época.
Além do relator, também participaram do julgamento outros desembargadores.
Eles entenderam que, no caso, a reparação dos danos morais é devida, já
que o próprio Estado “forneceu aparato para perseguição política, assim
como na prática de tortura, levadas a efeito durante o período de
ditadura militar”.
Estudante da Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo e participante do movimento estudantil,
Venâncio Martins foi acusado de ter feito treinamento de guerrilha em
Cuba e de ter participado de diversos roubos a bancos. De volta ao
Brasil, não pôde retomar os estudos, porque seus dados pessoais não
constavam mais no bancso de dados da instituição de ensino.
“Entretanto,
não se tem nos autos qualquer prova da prática de tais crimes, estando
bem caracterizada a perseguição política, pelo simples fato de militar o
autor em movimentos políticos da época”, observou o relator do
processo.
“Restou bem demonstrada nos autos a ilicitude da injusta
perseguição impingida ao autor da demanda, em verdadeiro atentado aos
direitos humanos, quer no que tange ao direito à vida, integridade
física e psíquica, como também, no que tange ao direito de resistência a
qualquer regime de governo que pratique atos atentatórios aos direitos
humanos”, diz o acórdão.
O caso foi levado à segunda instância
pela Fazenda, sob o argumento de que a indenização conquistada pelo
homem em primeira instância não preencheria os requisitos da Lei
Estadual 10.726, de 2001, que estipula regras para “cidadãos que foram
perseguidos, detidos e torturados pelos órgãos de repressão no período
de 31 de março de 1964 a 15 de agosto de 1979”. Além disso, caso fosse
cabível o pagamento, alega, os valores estariam errados.
De acordo
com o acórdão, “os atentados aos direitos humanos são imprescritíveis,
devendo o Estado responder pelos danos causados em razão da violação
desse direito. Neste sentido, aliás, já se manifestou o Superior
Tribunal de Justiça firmando entendimento de que demandas reparatórias
calcadas na violação de direitos humanos, como tortura, ocorridos
durante o regime militar são imprescritíveis”.
O relator do caso
fez uma distinção. Segundo ele, a indenização difere da prevista na Lei
10.726, que “não se refere aos danos morais, mas a uma indenização
genérica com valor estabelecido, na norma, cuja finalidade é
assistencial e com nítido cunho assistencial”. Enquanto isso, o dano
moral tem natureza de “efetiva reparação dos danos sofridos, por meio de
uma indenização pecuniária cuja finalidade é compensar o autor do
sofrimento que lhe foi injusta e ilegalmente impingido, tendo esta
indenização o escopo de dar um lenitivo a intensa dor experenciada”.
A
juíza Carolina Martins Clemencio Duprat Cardoso, que concedeu a
sentença, entendeu que “a farta documentação juntada demonstra que o
autor foi perseguido, torturado, processado, viveu no exílio, tinha sua
vida monitorada durante toda a ditadura militar”. De acordo com ela,
“funcionários públicos ocupantes de cargo no estado de São Paulo
auxiliavam intensamente os órgãos de repressão federais e perseguiram o
autor, monitorando seus passos, na tentativa de localizá-lo, daí
decorrendo a legitimidade passiva do requerido”.
Como já informou a revista Consultor Jurídico,
a questão sobre a imprescritibilidade ainda não foi respondida
definitivamente. A última palavra até agora foi do Superior Tribunal de
Justiça, que em outubro julgou imprescritíveis crimes contra direitos
fundamentais, em um Recurso Especial de um ex-padre. De acordo com o
ministro Herman Benjamin, relator do caso, essas violações não decaem,
“principalmente quando ocorreram durante o Regime Militar, época na qual
os jurisdicionados não podiam deduzir a contento as suas pretensões”.
Texto: Marília Scriboni
Fonte: Conjur