Descontos salariais obscuros, efetuados de forma arbitrária. Essa foi
a constatação da juíza Karla Santuchi, em sua atuação na 3ª Vara de
Contagem, ao analisar o caso de um motorista que buscava a restituição
de valores descontados em seu salário, como compensação por quantias
supostamente faltantes em seu caixa, bem como aqueles gastos em razão de
pequenas batidas e até por assaltos ocorridos nos veículos que
conduzia.
O empregado afirmou que a empresa assim procedia sem a
devida apuração de dolo ou culpa de sua parte. Ademais, a conferência do
caixa ocorria na tesouraria, sem a sua presença. Já a empresa se
defendeu alegando que os descontos realizados em razão da diferença
entre o número de passageiros e o importe recebido são devidos porque,
inclusive, previstos em norma coletiva. E que em caso de abalroamento,
somente descontava o valor da franquia após perícia técnica constatando
culpa do empregado.
Analisando o caso, a juíza entendeu que o
empregado estava com a razão, ainda que em parte. Em relação aos descontos malote, ressaltou que não havia nenhum dispositivo
convencional autorizando descontos pelas diferenças na expectativa de
caixa, razão pela qual os considerou obscuros. A prova testemunhal
revelou que a conferência do caixa era realizada sem a participação do
empregado, evidenciando a arbitrariedade do procedimento adotado pela
empresa, em afronta aos princípios da proporcionalidade/razoabilidade e
contraditório e ampla defesa."Tal fato, per se, é uma nítida
evidência da arbitrariedade dos descontos efetuados, haja vista que o
reclamante ficava completamente sujeito ao alvedrio da reclamada, não
podendo contestar ou mesmo verificar a lisura do procedimento utilizado
para se alcançar o importe indicado como devido" , registrou a magistrada.
Quanto
aos descontos pelos abalroamentos, a juíza frisou que, conforme
instrumento normativo e normas gerais que permeiam o ordenamento
jurídico, em casos de acidentes de trânsito não se pode responsabilizar o
empregado sem antes averiguar sua culpa ou dolo para a ocorrência do
evento. Porém, acrescentou a julgadora, apesar de alegar que somente
procedeu aos descontos após minuciosa apuração dos acontecimentos,
inclusive mediante realização de perícia técnica, a empresa não produziu
qualquer prova documental a esse respeito.
Diante disso, e com amparo
no princípio da alteridade, a magistrada considerou a responsabilização
do empregado despropositada: "Com efeito, a responsabilização do
autor pelos acidentes sucedidos sem a certeza de sua culpa é
absolutamente descabida, havendo verdadeira transferência do risco do
negócio para o hipossuficiente, em patente afronta ao denominado
princípio da alteridade, consubstanciado na ideia de que os ônus da
atividade empresarial cabem somente a uma parte, qual seja, a parte
outra que não o trabalhador: o empresário", pontuou.
Já no
tocante ao pedido relativo aos assaltos, a julgadora entendeu ser
improcedente, tendo em vista a ausência de prova hábil a fundamenta-lo.
Assim, a empresa foi condenada ao ressarcimento dos valores descontados a
título de malote e abalroamento. Houve recurso, mas o TRT da 3ª Região
manteve a decisão.
Fonte: TRT/MG