quarta-feira, 15 de junho de 2011

Prazo ilegal de 120 dias e direito a indenização por atraso na entrega de imóvel

Número do processo: 1.0024.09.691730-7/001

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. COMPRA E VENDA. IMÓVEL. DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL. ATRASO NA ENTREGA. INCIDÊNCIA DA MULTA PENAL. DANO MORAL. CESSÃO DE DIREITOS. 1. O atraso na entrega do imóvel, além do prazo de tolerância previsto no contrato, faz incidir a multa penal respectiva. 2. A frustração quanto não recebimento do imóvel adquirido pelos autores para constituírem sua residência, que lhes obrigou a ceder o contrato a terceiros, gera dano moral passível de indenização. 3. Se o valor da indenização por danos morais foi arbitrado em montante razoável pelo magistrado a quo, não há que se falar em reforma da sentença. 4. Não há abusividade na cláusula contratual que prevê o pagamento de multa em casos de cessão de direitos do contrato, para ressarcimento das despesas.

APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0024.09.691730-7/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - 1º APELANTE(S): MRV SERVICOS ENGENHARIA LTDA - 2º APELANTE(S): DANIEL FAVATO E OUTRO(A)(S) - APELADO(A)(S): DANIEL FAVATO E OUTRO(A)(S), MRV SERVICOS ENGENHARIA LTDA - RELATOR: EXMO. SR. DES. WAGNER WILSON

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 16ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador BATISTA DE ABREU , incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, EM DAR PARCIAL PROVIMENTO AO PRIMEIRO RECURSO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR, NÃO CONHECIDO O SEGUNDO RECURSO EM PRIMEIRA INSTÂNCIA.

Belo Horizonte, 01 de setembro de 2010.

DES. WAGNER WILSON - Relator

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

O SR. DES. WAGNER WILSON:

VOTO

Os autores, Daniel Favato e Janaina Alves Fernandes Favato, ajuizaram a presente ação ordinária c/c indenização em face da ré, MRV Serviços de Engenharia Ltda., narrando que em 05 de agosto de 2007 celebraram com a ré um contrato de compra e venda de um imóvel, que deveria ter sido entregue no mês de Abril de 2008..

Alegaram que o referido imóvel havia sido adquirido para residência própria e que estavam com casamento marcado para a mesma época em que ele seria entregue, porém como não o receberam na data marcada, foram obrigados, em 11/03/2009, a ceder os direitos do contrato a terceiros, para minimizar os danos sofridos.

Defenderam a incidência da multa penal prevista no contrato; a existência de danos morais indenizáveis, a nulidade das cláusulas contratuais que prevêem a arbitragem e a multa pela cessão dos direitos do contrato.

Pediram a procedência da ação.

Deferida a Justiça Gratuita (fl. 83), foi ordenada a citação da ré, que apresentou contestação (fls. 90/111).

Os autores impugnaram a peça de defesa (fls. 165/174). Não se produziu outras provas. Em audiência, a conciliação restou frustrada (fl. 180).

Sobreveio a sentença de fls. 182/194 que acolheu em parte os pedidos iniciais e condenou a ré aos seguintes pagamentos: (I) 6.550,00 (seis mil quinhentos e cinquenta reais), a título de cláusula penal em razão do atraso na entrega do imóvel, valor corrigido pela Tabela da Corregedoria e acrescido de juros de 1% ao mês, a partir de 10/03/2009; (II) R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a título de ressarcimento pelos danos morais sofridos; (III) R$ 13.000,00 (treze mil reais) a título de ressarcimento do valor gasto com a cessão de direitos do contrato de compra e venda também corrigido e acrescido de juros de mora de 1% ao mês, desde a citação.

Por força dos embargos de declaração aviados pelos autores (fl.195/199), o MM. Juiz corrigiu os erros materiais da sentença alterando a condenação referente a cláusula penal para R$ 8.733,65 (oito mil setecentos e trinta e três reais e sessenta e cinco centavos).

Ambas as partes recorreram.

Nas razões do 1º recurso de apelação, a ré MRV Serviços de Engenharia Ltda. sustentou que não houve atraso na entrega do imóvel, mormente se considerando que o contrato contemplava uma tolerância de 120 dias. Que a certidão de baixa e habite-se foi emitida em 28/10/2008 e não em 28/10/2009, como restou consignado na sentença.

Defendeu a legalidade da cláusula contratual que previu a multa de 2% em casos de cessão dos direitos do contrato, já que tal previsão se destina ao ressarcimento dos valores gastos na operação. Ressaltou que os autores anuíram expressamente com a referida cláusula e que não lograram êxito em comprovar o gasto de R$ 13.000,00 que corresponde a condenação constante da sentença.

Afirmou a inocorrência dos danos morais argumentando que não cometeu nenhum ato ilícito e que meros dissabores não têm o condão de gerar indenização. Alternativamente, impugnou o valor arbitrado pelo magistrado a quo e, ao final, pediu fosse dado provimento ao recurso.

Os autores também interpuseram recurso (2º recurso - fl. 226/234) que no entanto, não foi admitido pelo MM. Juiz a quo por ser intempestivo (fl. 235).

Antes de adentrar ao mérito do recurso, hei por bem tecer algumas considerações.

Percebe-se, da simples leitura da inicial que uma das pretensões dos autores seria a declaração de nulidade da cláusula arbitral, firmada entre as partes. A referida pretensão não foi sequer mencionada na sentença proferida.

No entanto, tal omissão não conduz à sua nulidade. Isso porque, caberia ao réu alegar a existência do referido impedimento antes de argumentar sobre o mérito, em sua peça de defesa, a teor do disposto no art. 301, inciso IX do CPC:

Art. 301. Compete-lhe, porém, antes de discutir o mérito, alegar:

IX - convenção de arbitragem;

Não tendo argüido tal questão, há que se concluir pela renúncia tácita à esta modalidade extrajudicial de solução de conflitos, conforme precedentes deste Tribunal:

AÇÃO MONITÓRIA. CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM. LITISCÓNSÓRCIO. ARTIGO 48 DO CPC. EXCEÇÃO SUSCITADA POR UM DOS RÉUS. ARITGO 320, INCISO I DO CPC. IMPOSSIBILIDADE. EXTINÇÃO. ARTIGO 267, INCISO VII, DO CPC. PROCEDIMENTO ARBITRAL PACTUADO. ESCOLHA. JURISDIÇÃO ESTATAL. IMPOSSIBILIDADE. Sendo considerados, cada réu, litigantes autônomos, a teor do Artigo 48 do CPC, não se aplicam as disposições do Artigo 320, inciso I, do Pergaminho Processual. O réu deve manifestar, expressamente, na contestação, sobre a existência de compromisso arbitral, sob pena de preclusão, bem como sob pena de reconhecimento de renúncia tácita pela opção de solução de conflitos mediante a arbitragem. Havendo previsão contratual de arbitragem, em pacto livremente convencionado pelas partes, não pode ser afastada a sua aplicação, sob pena de ofensa ao princípio da 'pacta sunt servanda'. Recurso parcialmente provido. (AC n.º 1.0024.08.038971-1/001. Relator Desembargador Pereira da Silva. Publicado em 30/06/2009).

Em razão do exposto, deixo de pronunciar o impedimento do Poder Judiciário em razão da renúncia e sigo ao exame do recurso.

Do descumprimento contratual - data entrega imóvel

Em relação ao descumprimento contratual, no tocante à data da entrega do imóvel, sem qualquer razão o apelante.

Não restam dúvidas de que o prazo previsto no contrato firmado entre as partes foi desrespeitado. E digo isso mesmo considerando a extensão de 120 dias úteis de tolerância.

Infere-se pelo contrato firmado entre as partes que a entrega do imóvel estava prevista para Abril de 2008 (fl. 17), data esta que comportava a tolerância de 120 dias.

5. ENTREGA DO IMÓVEL. Entrega: Abril de 2008 ou 1 mês após a assinatura junto ao agente financeiro.

(...)

Independentemente do prazo acima previsto, a conclusão da obra poderá ser prorrogada por até 120 (cento e vinte) dias úteis.

Na versão dos autores, até a data do contrato de cessão dos direitos do imóvel, firmado em 11/03/2009, o imóvel adquirido não havia sido entregue.

Em contrapartida, segundo afirma a ré, a Certidão de Baixa e Habite-se lhe foi concedida em 28/10/2008 e, portanto, dentro do prazo estipulado, considerando que a tolerância dos 120 dias úteis iria se esvair em 1º de novembro de 2008.

Aqui, cabe apontar duas questões importantes: em primeiro lugar, não há prova nos autos da data da referida certidão; em segundo lugar, o fato de ter a ré, obtido a Certidão de Baixa e Habite-se não conduz à inevitável conclusão de que o imóvel em questão teria sido entregue aos compradores.

Ou seja: além da entrega do imóvel na data alegada pela ré não ter sido provada nos autos, ela também não logrou êxito em desconstituir a afirmação dos autores constante da inicial, de que até 11/03/2009 (data da cessão de direitos), o imóvel não havia sido entregue. Mostra-se patente o descumprimento contratual, cabendo a incidência da respectiva multa penal.

Resta saber qual a extensão temporal da incidência desta multa e, aqui, caberá um reparo na sentença.

A multa em razão do descumprimento contratual encontra guarida na cláusula 5ª do contrato, e deve ser calculada nos seguintes termos:

Se a PROMITENTE VENDEDORA não concluir a obra no prazo estabelecido, já admitida a tolerância, pagará ao (à) PROMITENTE COMPRADOR(A), a título de pena convencional a importância equivalente a 1% (um por cento) do preço do imóvel objeto deste contrato, previsto no item 3 da página 1, por mês ou pro rata die. O período de apuração da multa pelo atraso terá início no primeiro dia útil após vencimento do prazo de tolerância (120 dias úteis) e término na data da efetiva entrega ou da liberação da certidão de baixa e habite-se, o que ocorrer primeiro.

De início, anoto que a cláusula que prevê a tolerância de 120 dias úteis para o término da obra não me parece abusiva. As regras de experiência demonstram que é muito comum que determinada obra sofra um atraso na data da previsão do término, por diversos motivos alheios à vontade do construtor.

É natural que quem negocie neste setor tenha o cuidado de se resguardar no sentido de prever um prazo de tolerância razoável que venha a abarcar qualquer empecilho que possa surgir. Diante do leque de percalços pelos quais uma obra passa, vindo a alterar seu cronograma temporal, não há como considerar que uma cláusula que prevê a prorrogação da data de entrega de um imóvel em construção seja abusiva. Trata-se de uma medida de cautela, que não fere as disposições do CDC.

Assim, o termo a quo da incidência desta multa deve ser assim computado: considera-se o último dia de Abril de 2008, somados mais 120 dias úteis. O primeiro dia subseqüente à esta somatória já há a incidência da multa, no percentual fixado no contrato.

A título de esclarecimento, considerando mais uma vez as regras de experiência, é bom lembrar que o sábado é dia útil na construção civil, o que deve ser levado em consideração no cômputo da multa.

Por sua vez, em relação ao termo final, conforme já mencionado, não tendo a apelante logrado êxito em comprovar a entrega das chaves à época da obtenção da certidão de habite-se, hei por bem considerar como data final, aquela da realização do contrato de cessão de direitos, ocorrido em 11/03/2009.

A multa, em espécie, deverá ser apurada em liquidação de sentença, considerando a sistemática acima declinada e o valor fixado no contrato.

Dos danos morais

No tocante aos danos morais, tenho que a sentença se mostra irretocável.

O Código Civil de 2002, repetindo a orientação do Código Civil de 1916, estabeleceu a cláusula geral de responsabilidade subjetiva, fundada no ato ilícito.

Segundo o disposto no art. 186 do Código Civil, comete ato ilícito aquele que 'por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral'.

Segundo o conceito legal, extrai-se que o ato ilícito é composto, concomitantemente, de três elementos, a saber: (a) conduta dolosa ou culposa contrária à norma jurídica; (b) dano e; (c) nexo de causalidade entre a conduta e o dano.

E, em conseqüência, aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Inteligência dos art. 186 c/c art. 927 do Código Civil.

No caso dos autos, todos os elementos do ato ilícito estão presentes.

A meu ver, a conduta culposa da apelada contrária à norma jurídica, reside na desídia na entrega do imóvel, mais de 6 meses depois de expirado o prazo do contrato, somado o prazo de tolerância de 120 dias úteis.

Além da demora contratualmente prevista, os autores tiveram que suportar o atraso abusivo de mais de 6 meses e sequer vieram a receber a posse deste imóvel, optando por ceder a terceiros.

O dano também é manifesto. Conforme narrado pelos autores, o imóvel objeto do contrato de compra e venda firmado com a ré foi adquirido para que os mesmos constituíssem sua residência, em razão do matrimônio, contraído na mesma época da promessa contratual da entrega do bem.

Em razão da demora abusiva na entrega do imóvel, os autores sequer chegaram a ter posse sobre o mesmo, optando por ceder os direitos do contrato a terceiros, frustrando a expectativa de constituir a sua residência naquele imóvel.

Tias questões ultrapassam os limites do aborrecimento e dos meros dissabores da vida e constituem danos morais passíveis de reparação.

Por fim, a relação entre a demora injustificada e abusiva na entrega do bem e os danos sofridos pelos autores constituem o nexo causal e, por fim, geram o dever de indenizar.

No tocante ao valor, também sem razão o apelante.

Tratando-se de dano moral, o conceito de ressarcimento abrange duas forças: uma de caráter punitivo, com vistas a castigar o causador do dano pela ofensa praticada e outra de caráter compensatório, destinada a proporcionar à vítima algum benefício em contrapartida ao mal sofrido. Assim, tal ressarcimento presta-se a minimizar o desequilíbrio e aflição suportada pela vítima do dano, não podendo, em contrapartida, constituir fonte de enriquecimento ilícito.

O quantum a ser fixado para a indenização competirá ao prudente arbítrio do magistrado, que, tendo em vista as dificuldades da positivação, traços e contornos do dano moral, deverá estabelecer uma reparação eqüitativa, levando-se em conta as peculiaridades de cada caso, como a culpa do agente, a extensão do prejuízo causado e a capacidade econômica do responsável.

Pautado nos requisitos acima elencados, o douto sentenciante entendeu por bem fixar a indenização por danos morais em R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Em casos como o dos autos, em que se discute reparação civil por danos morais, venho me posicionando no sentido de manter o valor fixado pelo sentenciante, quando tal valor se mostrar proporcional ao poderio econômico do causador do dano e a gravidade da conduta ilícita praticada.

Caberá a redução ou aumento do quantum fixado em 1º grau quando o valor não tiver sido arbitrado segundo critérios de razoabilidade, consistindo em fonte de enriquecimento ilícito da vítima ou não se prestar a reparar o dano perpetrado ou servir de desestímulo a eventuais condutas ilícitas por parte do agente causador do dano, o que, de certo, variará de acordo com o caso concreto.

Assim, levando-se em consideração as peculiaridades do presente caso, o poderio econômico da empresa apelante, o que é público e notório, entendo que o valor da indenização foi arbitrado pelo sentenciante em patamar razoável, devendo ser mantido. Tal valor não se presta a patrocinar o enriquecimento ilícito dos autores, mas a recompor os danos sofridos por eles.

Da multa pela transferência dos direitos contratuais

Por fim, no tocante à multa contratual em razão da transferência dos direitos contratuais a terceiros, com inteira razão a apelante.

A cláusula contratual pertinente encontra-se assim redigida (fl. 23):

A transferência ou cessão de direitos relativa a este contrato, ainda que parcial, somente poderá ser feita mediante aprovação prévia e por escrito da PROMITENTE VENDEDORA e enquanto não pago o preço total do contrato. Deverá o cedente da promessa, ora PROMITENTE COMPRADOR, pagar uma taxa de transferência à PROMITENTE VENDEDORA no percentual de 2% (dois por cento) sobre o valor atualizado do contrato.

Mais uma vez, não vislumbro qualquer abusividade na referida cláusula. A transferência do contrato a terceiros acarreta alguns ônus para a apelante e, nada mais natural que a mesma repasse estes ônus àqueles que deram causa às despesas, com a cessão do contrato.

Não estando esta disposição contratual em dissonância com qualquer garantia do CDC, há que ser a mesma mantida, nos exatos termos em que foi contratada.

Em sendo assim, a sentença deverá ser reformada para extirpar a condenação de R$ 13.000,00 (treze mil reais) imposta à apelante. Além de ser válida a cláusula em questão, a referida condenação foi procedida sem respaldo em qualquer prova do gasto efetivado pelos autores.

Conclusão

Dito isso, dou parcial provimento ao recurso para reformar a sentença nos seguintes aspectos e termos: (i) no tocante à multa por descumprimento contratual, determino que a mesma seja apurada em sede de liquidação de sentença, por meros cálculos aritméticos, considerando a sistemática inserta na fundamentação deste voto; (b) para julgar improcedente o pedido inicial de nulidade da cláusula oitava do contrato, excluindo a condenação do ressarcimento da respectiva multa contratual.

No mais, persiste a sentença tal qual fora lançada.

Em razão da sucumbência recíproca das partes, condeno ambos nas custas processuais, na proporção de 50% para cada. Fixo os honorários em R$ 1.000,00 (um mil reais), permitida a compensação. Suspendo a condenação dos autores tendo em vista que os mesmos litigam sob o pálio da Justiça Gratuita.

O SR. DES. JOSÉ MARCOS VIEIRA:

VOTO

Peço venia ao ilustre relator para dele divergir tão-somente com relação à compensação dos honorários.

A teor do contido no art. 23 da Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil), os honorários advocatícios pertencem ao advogado que acompanhou a causa e não à parte, portanto não é possível a sua compensação.

Cabe registrar que o Estatuto da OAB é lei especial em relação ao Código de Processo Civil e, ainda, lhe é posterior.

E deste não discrepa o entendimento doutrinário, citado em lúcido voto de Araken de Assis, Ap. 70000218933 - TJRS:

'Por que o Código de Processo Civil, que é lei geral, continuaria contrariando a lei nova (Estatuto do Advogado), que é especial? O artigo 23 da lei 8.906/94 dispôs, claramente, que os honorários pertencem ao advogado. Logo, não mais pertencem à parte, ainda que se admita a legitimidade concorrente do vencedor (a parte) e de seu advogado para executar semelhante capítulo da condenação. Por conseguinte, a lei nova e especial é incompatível com a lei geral anterior, implicando a revogação desta última, pois a coexistência de ambas só se verifica quando compatíveis'. (Oscar Tenório, Lei de Introdução ao Código Civil comentada, n. 68, p. 55, Rio de Janeiro; RT 777/390).

Os Pretórios tem se posicionado contra a compensação dos honorários advocatícios como se colhe das citações feitas por Theotonio Negrão 'RT 768/329, 782/26, 785/277, 827/429' (Código de Processo Civil e legislação Processual em Vigor, Ed. Saraiva, 41ª edição: 2009, p.164), corroboradas pelas ementas infra colacionadas:

'Apelação Cível. Embargos a execução de sentença. Ônus de sucumbência. Compensação de honorários. Verificada a ocorrência de sucumbência recíproca, impositiva é a distribuição proporcional dos ônus dela decorrentes, nos termos do art. 21, caput, do CPC. Incabível a compensação de honorários advocatícios, uma vez que, após a edição da Lei 8.906/94, estes passaram a pertencer ao advogado e não mais a parte. apelo desprovido.' (Apelação Cível nº 70004351078, Décima Segunda Câmara Cível, TJRS, Rel. Des. Marcelo Cezar Muller, julgado em 12/06/2003).

'Execução Honorários Sucumbenciais. Juros. Termo 'a quo' de incidência. Sucumbência recíproca. Distribuição dos ônus de forma proporcional. Compensação dos honorários. Descabimento. Os juros moratórios sobre os honorários sucumbenciais incidem desde o trânsito em julgado da sentença ou acórdão em que foram fixados, data em que se tornam exigíveis. No decaimento proporcional, cada parte deve arcar com a metade dos ônus sucumbenciais, descabendo a compensação dos honorários, porque a partir da vigência da lei nº 8.906/94 (novo Estatuto da OAB), eventuais dúvidas ainda existentes sobre a quem cabem os honorários fixados na sucumbência, restaram resolvidas, pois pertencem ao advogado e não à parte. Inteligência dos arts. 22, 23 e 24 da lei nº 8.906/94. Apelos improvidos.' (AC nº 70002855658, 5ª Câmara Cível, TJRS, rel. Des. Marco Aurélio dos Santos Caminha, j. 23.05.02)

Assim sendo, verifico que, em tema de honorários advocatícios, merece análise obra específica, à qual devo fazer referência, discutindo-lhe as passagens em que registra a evolução do tratamento doutrinário e jurisprudencial, culminando no vigente Estatuto da OAB, Lei 8906/94, a de YUSSEF CAHALI, 'Honorários Advocatícios', 3ª Ed., RT, São Paulo, 1997.

Como adverte o citado doutrinador:

'No pressuposto de que os honorários advocatícios estabelecidos na sentença constituiriam direito autônomo do advogado (...), nos termos do Art.99,§1º da lei 4.215/63, a jurisprudência anterior já vinha reconhecendo a possibilidade, por isso, de executar o advogado a sentença nessa parte, fazendo-o em nome próprio.

Mas, também, referindo-se agora que tais honorários pertencem ao advogado (...), o direito autônomo do advogado começa a nascer com a sentença que decide a ação em favor de seu constituinte'. (ob. cit., p. 809).

E, prossegue CAHALI, referindo-se ao advogado:

'Se antes do novo Estatuto permitia-se a discussão quanto a saber se, no caso, seu interesse em recorrer seria apenas de fato ou se configurava um interesse jurídico, agora não se pode pôr em dúvida que resta caracterizado o nexo de interdependência entre o seu interesse de intervir e a relação jurídica submetida à apreciação judicial, pressuposto exigido no § 1º do art. 499'. (ob. cit., p. 810).

Força é convir que, ante a Lei 8.906/94, cresce o prestígio da orientação que, já no sistema anterior, negava a compensabilidade (cf. AC. 1º GC1TACSP, 8.5.80, Julgados 68/36):

'Se é um direito que pertine ao advogado e a lei lhe outorga força para torná-lo efetivo, sem considerar a pessoa que figurava como parte no processo, a relação jurídica que houver entre esta e a adversária não pode obstar ou frustrar, sob qualquer forma, o exercício pelo seu titular. Entendimento em sentido diverso tornaria inconsequente o disposto na legislação especial, o estatuto profissional, em seu art. 99, pois condicionaria o direito do advogado a execução da honorária da condenação ao consentimento do cliente ou às situações pessoais diante da parte adversária, sem relação com o processo em que desempenhou a sua atividade'.

O argumento, pois, de que o direito autônomo do advogado aos honorários somente surge no mundo jurídico após a fixação pela sentença não convence. O STJ, antes da Súmula 306, ostentava divergência, sendo de se ressaltar que a 3ª Turma adotava orientação contrária à compensação dos honorários.

Por exemplo:

'Diante da nova disciplina do Estatuto dos Advogados, a compensação dos honorários não é mais possível' (Resp 205.044, DJ de 16.11.99, Min. Menezes Direito).

Neste sentido, ainda se manifestou o Superior Tribunal de Justiça:

'EMBARGOS À EXECUÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. LEGITIMIDADE ATIVA DO ADVOGADO. COMPENSAÇÃO. I- O advogado tem direito autônomo de executar a decisão judicial, na parte em que condenou o vencido ao pagamento dos ônus sucumbenciais, exegese admitida por esta Corte ainda na vigência da legislação anterior à Lei n.º 8.906/94, que alterou o artigo 23 do antigo Estatuto da OAB. II- A nova redação do § 4.º do artigo 20 do Código de Processo Civil deixa induvidoso a possibilidade de fixação dos honorários advocatícios na execução e nos embargos. III- É inadmissível a compensação dos honorários advocatícios, objeto desta execução, com os créditos existentes entre o banco e as empresas que se utilizaram dos serviços profissionais dos exeqüentes. Recurso especial não conhecido.' (RESP 541308/RS, STJ, Terceira Turma, Relator Ministro Castro Filho, DJU, ed. 08/03/2004, pg. 252).

Não se diga que só há condenação em honorários, em formação da compensação, no caso de sucumbência recíproca; que, '(...) compensadas as sucumbências recíprocas, somente haverá condenação de uma das partes em honorários advocatícios em função dos valores que ultrapassarem a compensação' (YUSSEF CAHALI, ob. cit., p.847).

Ainda que se venha admitindo, na pendência da execução promovida pela parte vencedora, a exceção de compensação oposta pelo devedor, o equívoco é manifesto, d.v.. A oponibilidade de compensação, por se tratar de tema anterior à prolação da sentença, não seria cabível, a teor do disposto no art. 475-L, VI, do CPC (antigo Art. 741, VI, CPC).

Ganha, por isso, relevo, segundo observação do próprio CAHALI, a tese contrária à compensação, na esteira do julgado, já referido, do 1º GC 1º TACSP, de 08.05.80, julgados 68/36 ('Honorários', cit, p.844):

'Vale, porém, o julgado, como precedente histórico do sistema jurídico que acabou prevalecendo com a edição da Lei 8.906/94, a permitir agora o aproveitamento da jurisprudência anterior no sentido de que, 'reconhecido o direito do advogado pelos ônus sucumbenciais, descabida a pretensão do executado em compensar eventual crédito que tenha com relação ao exeqüente' (1ª Cam. TARS, 10.05.94, Rel. Arno Werlang, julgados 90/95).

'Realmente, na vigência do novo Estatuto da Ordem, ainda que promovida a execução pela cliente, tendo por objeto a totalidade da condenação incluindo os encargos processuais, a verba concernente aos honorários de sucumbência restará incólume de qualquer compensação pretendida pelo executado: (...) daí decorre que o direito próprio do patrono não se sujeita, em nenhum caso, à exceção de compensação de crédito do executado oponível à parte vencedora exeqüente (...).

Só resta extrair, no caso de sucumbência recíproca, duas autonomias opostas. Curioso seria se a inoponibilidade de compensação de crédito da contra-parte não defluísse de fundamento também, invocável para a inoponibilidade de compensação de crédito de honorários do ex adverso.

Excepcionar-se a autonomia do crédito de honorários advocatícios por uma subordinação à fixação dos honorários do ex adverso seria precisamente negar a autonomia.'

Por derradeiro, quanto à mencionada Súmula 306 do STJ, cabe registrar, em respeito ao processo legislativo e uma vez que não se trata de súmula vinculante, que o Estatuto da Ordem dos Advogados é lei ordinária, portanto, está acima da súmula de jurisprudência. Não se poderia negar vigência e eficácia às normas legais, sob pena de desconhecimento e atropelo do Estado Democrático de Direito (art. 1º, da Constituição República).

Com relação à capitalização de juros, acrescento apenas que a Cédula de Crédito Bancário também está entre às exceções legais em que é permitida a capitalização, por força do art. 28, §1º, inc. I, da Lei 10.931/04.

Com tais considerações, acompanho o voto do eminente Relator, divergindo apenas quanto à compensação dos honorários advocatícios.

O SR. DES. BATISTA DE ABREU:

De acordo com o Relator.

SÚMULA : DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO PRIMEIRO RECURSO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR, NÃO CONHECIDO O SEGUNDO RECURSO EM PRIMEIRA INSTÂNCIA.

Fonte: TJMG