quinta-feira, 9 de junho de 2011

Juros capitalizados em contrato de financiamento

Jurisprudência;

Número do processo: 1.0702.05.198559-7/001

EMENTA: AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL - CONTRATO DE FINANCIAMENTO COM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA - APLICAÇÃO DO CDC - REVISÃO DE CLÁUSULAS ABUSIVAS - POSSIBILIDADE - CAPITALIZAÇÃO DE JUROS - NÃO-CABIMENTO - COMISSÃO DE PERMANÊNCIA - REFERÊNCIA GENÉRCA AO ÍNDICE UTILIZADO - IMPOSSIBILIDADE - SUBSTITUIÇÃO POR ÍNDICE OFICIAL DE CORREÇÃO MONETÁRIA - INPC - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - LEGALIDADE DA FIXAÇÃO. - A atividade bancária de conceder financiamento e obter garantia mediante alienação fiduciária sujeita-se às normas protetivas do código de defesa do consumidor. A circunstância de o usuário dispor do bem recebido por meio de operação bancaria, transferindo-o a terceiros, em pagamento de outros bens ou serviços, não o descaracteriza como consumidor final dos serviços prestados pelo banco. - Em se tratando de relação de consumo, é possível que se modifiquem as cláusulas que destoem das disposições do CDC (art. 6º, V), mormente as que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou que sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade (art. 51, IV, do CDC). - A comissão de permanência fixada à taxa de mercado deve ser suprimida por se tratar de cláusula potestativa, todavia, uma vez que tem o escopo de atualizar o valor do débito, deve, em substituição, ser aplicado índice oficial de correção monetária. - Por força da Medida Provisória nº 2170-36, de 23/8/2001, é permitido às instituições financeiras pactuarem juros capitalizados com periodicidade inferior a um ano. No entanto, a capitalização de juros com tal periodicidade gera excessiva onerosidade ao consumidor, motivo pelo qual não se deve permitir a sua prática nos contratos de consumo, nos termos do art. 51, § 1º, III, do CDC. - O princípio da causalidade tem aplicação subsidiária, limitando-se às hipóteses em que não haja sucumbência. Segundo tal princípio, as custas processuais e os honorários advocatícios ficam a cargo da parte que deu causa a lide.

APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0702.05.198559-7/001 - COMARCA DE UBERLÂNDIA - APELANTE(S): BANCO ABN AMRO REAL S/A - APELADO(A)(S): JORGE ROBERTO BATISTA - RELATOR: EXMO. SR. DES. ELPÍDIO DONIZETTI

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 18ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM REJEITAR A PRELIMINAR E NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.

Belo Horizonte, 13 de novembro de 2007.

DES. ELPÍDIO DONIZETTI - Relator

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

O SR. DES. ELPÍDIO DONIZETTI:

VOTO

Trata-se de apelação interposta à sentença que, nos autos da ação de revisão contratual com pedido de antecipação de tutela ajuizada por Jorge Roberto Batista em face de Banco ABN AMRO Real S/A, julgou parcialmente procedente o pedido deduzido na inicial, vedando a capitalização dos juros e determinando a substituição da comissão de permanência pela correção monetária pelo INPC.

Na sentença (f. 88-98), o juiz de primeiro grau rejeitou o a preliminar de inépcia da inicial, ao fundamento de que a peça é clara ao narrar os fatos e culmina com conclusão coerente com as exposições.

No mérito, salientou que a relação contratual existente deve subsumir ao CDC, motivo pelo qual se faz necessário revisar as cláusulas contratuais que prevêem obrigações desproporcionais ao autor.

Quanto ao valor dos juros, asseverou que a norma do art. 192 §3º da CR/88 é de eficácia limitada, e, portanto, os juros legais seriam aqueles que se encontram em conformidade com os que foram pactuados.

Por fim, ao analisar a capitalização dos juros, frisou que, em nosso ordenamento jurídico, não é permitido a prática do anatocismo, razão pela qual dever-se-ia reformular a cláusula que prescreve o cálculo dos juros de forma composta, isto é, juros sobre juros.

Inconformado, o réu interpôs apelação (f. 99-114), alegando, em síntese, que:

a) é inepta a inicial, uma vez que, da narrativa dos fatos expostos na inicial, não decorre lógica conclusão. Segundo o recorrente, o autor não alegou a existência de fatos supervenientes que tornassem demasiadamente onerosas as obrigações pactuadas;

b) o autor sempre soube das taxas de juros nos casos de inadimplência;

c) o autor somente pagou dez, das trinta e seis parcelas devidas;

d) inexiste relação de consumo, pois o autor não se enquadra no conceito de consumidor estipulado no art. 2º do CDC, em razão de o contrato de financiamento ser apenas meio para aquisição de outros bens, não sendo o dinheiro um bem final;

e) não houve superveniência de fatos que tornassem excessivamente onerosas as obrigações originariamente pactuadas, razão pela qual é descabida a aplicação da teoria da imprevisão e, consequentemente, a revisão contratual;

e) em razão da força vinculante do contrato e do princípio da autonomia da vontade, o contrato deve ser mantido como originariamente firmado;

f) impossível é a substituição da comissão de permanência pela correção monetária pelo INPC;

g) restou não provada a capitalização dos juros e, além disso, tal prática é permitida nos contratos realizados por instituições financeiras, conforme se depreende do art.5º da Medida Provisória nº 2.170-36/2001;

h) não se deve condená-la ao pagamento dos ônus sucumbências, uma vez que, em momento algum, deixou de cumprir com as obrigações previstas no contrato.

Desse modo, requer o provimento da apelação para que seja acolhida a preliminar de inépcia da inicial e, via de conseqüência, extinto o feito sem resolução de mérito. Caso rejeitada a preliminar, requer o provimento do recurso para reformar a sentença, julgando-se improcedente o pedido deduzido na inicial.

O autor, por sua vez, apresentou contra-razões (f. 118-122), aduzindo, em suma, que:

a) a capitalização dos juros é vedada pela súmula 121 do STJ, podendo ser excepcionada apenas quando houver lei que autorize. Assim, um medida provisória não poder autorizar a prática de anatocismo;

b) a eficácia do art. 5º da M.P. nº 2.170-36/2001 está suspensa, em razão da decisão do Ministro Sydnei Sanches na ADIn nº 2.316.

Desse modo, requer seja negado provimento à apelação, mantendo-se a sentença recorrida.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço da apelação.

1 - DA PRELIMINAR DE INÉPCIA DA INICIAL

Aduz o réu (apelante) que a sentença deve ser cassada e, consequentemente, o processo deve ser julgado extinto sem resolução de mérito, em razão da inépcia da inicial. Segundo o recorrente, da narrativa dos fatos, não decorrer lógica conclusão, haja vista que o autor não alegou a superveniência de fatos que tornassem excessivamente onerosas as obrigações originariamente pactuadas.

Compulsando os autos, verifica-se que a inicial encontra-se clara e conclusiva, uma vez que o apelado expôs sistematicamente os fatos e fundamentos que dão base aos pedidos. Foi narrada a situação que deu origem à lide, isto é, a existência de contrato de financiamento, garantido por alienação fiduciária, e a inadimplência desse pacto motivada pelos juros e atualizações monetárias reputados como abusivas pelo apelado. Ao fim, pleiteou-se declaração de nulidade dos dispositivos do contrato referentes aos juros e atualizações monetárias.

Percebe-se, pois, que a inicial não apresenta o vício apontado pelo apelante.

Ademais, a matéria impugnada trata, muito mais, de questão meritória do que da simples verificação de pressuposto processual (regularidade da inicial). Ora, o próprio apelante repete esse mesmo questionamento no ponto III-3 da apelação (f.106), quando refuta o mérito da decisão recorrida.

Assim, deve-se rejeitar a preliminar argüida.

2 - DA APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Inicialmente, cumpre asseverar que o Código de Defesa do Consumidor aplica-se aos contratos bancários, inclusive ao contrato de financiamento celebrado entre as partes. Isso porque, de acordo com o art. 3º, caput e § 2º, do CDC, as instituições financeiras enquadram-se perfeitamente na expressão "fornecedor", visto que prestam serviços de natureza financeira e de crédito.

Deve-se esclarecer ainda que "consumidor", nos termos do art. 2º da Lei 8.078/90, não é apenas a pessoa física ou jurídica que adquire produtos ou serviços como destinatário final desses, mas igualmente aquela a quem o produto ou serviço é colocado à disposição. É por esse motivo que qualquer pessoa que celebra contrato de financiamento com instituição financeira, utilizando-se de crédito como destinatária final, deve ser considerada consumidora na relação contratual estabelecida.

Nesse sentido, transcreve-se o seguinte julgado:

DIREITO COMERCIAL E ECONÔMICO. RECURSO ESPECIAL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. CDC. APLICABILIDADE. JUROS. LIMITAÇÃO. CÉDULA DE CRÉDITO INDUSTRIAL. CAPITALIZAÇÃO. A atividade bancária de conceder financiamento e obter garantia mediante alienação fiduciária sujeita-se às normas protetivas do Código de Defesa do Consumidor, no que couber, convivendo este estatuto harmoniosamente com a disciplina do Decreto-lei nº 911/69. Às cédulas de crédito comercial aplica-se a limitação de 12% ao ano prevista na Lei de Usura. Se a pretensão do recorrente quanto a capitalização mensal dos juros depende da análise das cláusulas contratuais para atestar sua estipulação, inviável se afigura o Recurso Especial.(REsp 323986/RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 28.08.2001, DJ 01.10.2001 p. 213) grifo lançado

No caso dos autos, aduz o recorrente que o apelado não se enquadra no conceito de consumidor por não ser destinatário final do serviço, uma vez que o financiamento é apenas meio para aquisição de outros bens ou serviços. Entretanto, deve-se frisar que tal alegação não elide a relação de consumo e, por conseguinte, a aplicação do CDC. Corroborando essa assertiva, tem-se o entendimento do ministro do STJ Ruy Rosado de Aguiar:

CODIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. BANCOS. CLAUSULA PENAL. LIMITAÇÃO EM 10%.

1. Os bancos, como prestadores de serviços especialmente contemplados no artigo 3º parágrafo segundo, estão submetidos às disposições do Código de Defesa do Consumidor. A circunstância de o usuário dispor do bem recebido através da operação bancaria, transferindo-o a terceiros, em pagamento de outros bens ou serviços, não o descaracteriza como consumidor final dos serviços prestados pelo banco. 2. A limitação da clausula penal em 10% já era do nosso sistema (dec. 22.926/33), e tem sido usada pela jurisprudência quando da aplicação da regra do artigo 924 do CC, o que mostra o acerto da regra do artigo 52, parágrafo 1º., do CODECON, que se aplica aos casos de mora, nos contratos bancários. recurso não conhecido. (REsp 57974/RS, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 25.04.1995, DJ 29.05.1995 p. 15524) grifo lançado

À guisa de conclusão, entende-se que perfeitamente possível é a configuração da relação de consumo no caso dos autos, aplicando-se, via de conseqüência, o Código de Defesa do Consumidor para regular o contrato firmado entre as partes.

3- DA POSSIBILIDADE DE REVISÃO DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS

Alega o apelante que não há que se falar em revisão contratual, uma vez que inexiste fato posterior ao contrato que tornou excessivamente onerosas as prestações originalmente pactuadas.

Nesse contexto, cumpre salientar que, uma vez caracterizada a relação de consumo no caso dos autos é possível, em tese, que se modifiquem as cláusulas contratuais que destoem das disposições do CDC, mormente as que estabeleçam obrigações consideradas iníquas (abusivas), que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou que sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade (art. 51, IV, do CDC).

Salienta-se que a finalidade das normas do CDC é justamente proteger o consumidor enquanto sujeito vulnerável, dentro da perspectiva de que o Estado deve intervir no âmbito das relações contratuais com o objetivo de garantir o equilíbrio entre as partes, nos termos do art. 170, V, da CF/88.

Destarte, em que pese a autonomia das partes no momento de celebrar o contrato, a posterior manifestação do consumidor no sentido de que lhe foram impostas cláusulas abusivas, consideradas nulas por normas de ordem pública, não pode ser ignorada, sob pena de se frustrar a finalidade protetiva das normas consumeristas.

Nesse contexto, aplica-se ao caso sob julgamento o art. 6º, V, primeira parte, do CDC, o qual permite a modificação de cláusulas contratuais, independentemente de haver fato superveniente e imprevisível, bastando unicamente a existência de prestações desproporcionais advindas de cláusulas contrárias ao ordenamento jurídico.

Não se pode olvidar, ainda, que o contrato, a par dos princípios clássicos tais como o da autonomia da vontade e o da obrigatoriedade (pacta sunt servanda), deve ser balizado por sua função social intrínseca, qual seja, a circulação de riquezas.

Vivemos em um Estado que tem como fundamentos, entre outros, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º da CF) e, como fins, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, e a promoção do desenvolvimento nacional e do bem comum (art. 3º da CF). Por conseguinte, o princípio da função social dos contratos deve ser compreendido como uma cláusula geral e implícita a todo e qualquer contrato, por meio do qual se deve buscar o equilíbrio contratual, viabilizando a circulação de riquezas.

Em sendo assim, resta indubitável a possibilidade de se discutir e modificar as cláusulas do contrato celebrado entre as partes.

4- DA PROIBIÇÃO DO ANATOCISMO

O juiz sentenciante asseverou que a capitalização de juros (anatocismo) é prática vedada no ordenamento jurídico brasileiro, motivo pelo qual deve ser declarada nula a cláusula que prevê o cálculo dos juros capitalizados, isto é, de forma composta.

Primeiramente, cumpre definir que a capitalização de juros significa juros compostos, em contraposição aos chamados juros simples. A diferença entre essas duas formas de calcular a incidência de juros é que, nos juros compostos, há a incorporação dos juros ao capital ao final de cada período de contagem, ao passo que, nos juros simples não ocorre tal incorporação. É a lição de Bruno Mattos e Silva:

"O que são juros simples? Juros simples são aqueles que incidem apenas sobre o principal corrigido monetariamente, isto é, não incidem sobre os juros que se acrescentem ao saldo devedor. Vale dizer, assim, que os juros não pagos não constituem a base de cálculo para a incidência posterior de novos juros simples. E o que são juros compostos? Juros compostos são aqueles que incidirão não apenas sobre o principal corrigido, mas também sobre os juros que já incidiram sobre o débito. Como se pode perceber, capitalização dos juros pode, matematicamente, ocorrer mês a mês, semestralmente, ano a ano, etc." (MATTOS E SILVA, Bruno. Anatocismo legalizado: a medida provisória beneficia as já poderosas instituições financeiras. In: www.direitobancario.com.br, 1/7/2001)"

Feita essa breve conceituação, é necessário realizar um pequeno retrospecto histórico para melhor compreender o atual tratamento dado à matéria.

O Código Civil de 1.916 foi um dos primeiros diplomas legais a tratar da matéria, permitindo livremente a pactuação de juros capitalizados (art. 1.262).

Todavia, o mencionado artigo do CC/16 foi revogado pela Lei de Usura (Decreto nº 22.626/33), que dispõe em seu artigo 4º que "é proibido contar juros dos juros; esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano". Assim, o Decreto nº 22.626/33 adotou posição mais restritiva em relação ao CC/16, permitindo, apenas como exceção, a capitalização anual de juros.

Seguindo essa linha restritiva, o STF editou, em 1.963, a Súmula nº 121, com a seguinte redação: "É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada".

Em 1.964 foi promulgada a conhecida Lei 4.595/64, que, entre outras várias disposições, determinou que às instituições financeiras seriam aplicáveis as limitações de taxas de juros impostas pelo Conselho Monetário Nacional. Ocorre que, ainda que se entenda que a Lei 4.595/64 tenha derrogado a Lei da Usura no tocante ao limite da taxa de juros para instituições financeiras, o mesmo entendimento não prevalece com relação à capitalização de juros, uma vez que o art. 4º, IX, daquela lei faz menção apenas à limitação de taxa de juros, e não à forma que serão calculados. Assim, não houve revogação, pela Lei 4.595/64, da norma geral constante do Decreto nº 22.626/33.

Em 31/3/2000, porém, foi editada a Medida Provisória nº 1963-17, que dispunha em seu art. 5º, caput, que, "nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano".

Tal medida provisória foi reeditada diversas vezes, mantendo-se, em todas as reedições, a redação integral do caput do art. 5º. Com a publicação da Emenda Constitucional nº 32/2001, acabou-se dando força de lei a tal disposição, que se encontrava em vigor em razão da Medida Provisória nº 2.170-36 de 24/8/2001. De acordo com o art. 2º da EC nº 32/2001:

"Art. 2º As medidas provisórias editadas em data anterior à da publicação desta emenda continuam em vigor até que medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional."

Assim, ante a inexistência de outra medida provisória ou lei revogando explicitamente a Medida Provisória nº 2.170-36, assim como de deliberação do Congresso Nacional a esse respeito, há de se reconhecer que persiste até hoje no ordenamento jurídico brasileiro, desde 31/3/2000, a permissão para que as instituições financeiras pactuem juros capitalizados com periodicidade inferior a um ano.

Saliente-se que o novo Código Civil não revogou o tratamento dado à matéria pelo Decreto nº 22.626/33 nem pela Medida Provisória nº 2.170-36, visto que apenas estabelece que, em se tratando de contrato de mútuo, é permitida a capitalização anual de juros (art. 591, in fine).

Desse modo, conclui-se que a capitalização de juros é, em princípio, vedada pelo ordenamento jurídico brasileiro (regra geral constante do Decreto nº 22.626/33). Permite-se, porém, que se pratiquem juros capitalizados em algumas situações específicas, como ocorre no caso de crédito rural e industrial, nos contratos celebrados por instituições financeiras e no caso da capitalização anual prevista expressamente no novo Código Civil (art. 591).

No caso sob julgamento, restou evidenciada a prática de capitalização de juros, uma vez que a taxa mensal de juros é de 3,6446134 %, mas, por outro lado, a taxa anual de juros é de 53,66 %.

Ocorre que, por se tratar de contrato celebrado por instituição financeira, dever-se-ia, em princípio, admitir a capitalização de juros em períodos inferiores a um ano, em razão da norma específica contida no art. 5º da Medida Provisória nº 2.170-36.

Entretanto, não se pode admitir tal prática nos contratos que estabeleçam relação de consumo, haja vista que o consumidor, em razão da sua inequívoca vulnerabilidade, não tem condições de se manifestar em sentido contrário à imposição, por meio de contrato de adesão, de uma prestação que, ao fim, tornar-se-á extremamente onerosa.

Desse modo, ainda que, em regra, não exista restrição legal para a pactuação de juros capitalizados pelas instituições financeiras, deve-se considerar que, nos termos do art. 51, § 1º, III, do CDC, a capitalização de juros em períodos inferiores a um ano é cláusula nula de pleno direito nos contratos de consumo.

Destarte, neste ponto, deve-se negar provimento à apelação.

5 - DA COMISSÃO DE PERMANÊNCIA

Na sentença, o juiz de primeiro grau afirmou que se deve substituir a comissão de permanência pela correção monetária pelo INPC, ao fundamento de que nos moldes em que foi pactuada (calculada à taxa do contrato ou a de mercado do dia do pagamento), trata de condição potestativa, ferindo o art.115 do Código Civil.

A princípio, cumpre definir que a comissão de permanência trata-se de instrumento de correção monetária do saldo devedor, tanto que a Súmula nº 30 do STJ, reconhecendo que correção monetária e comissão de permanência têm a mesma natureza jurídica - pois ambas visam à recomposição do valor da moeda -, veda a cumulação das duas mencionadas taxas, justamente para se evitar um bis in eadem.

Assim, a comissão de permanência distingue-se dos juros remuneratórios ou compensatórios, não podendo jamais, dada sua natureza, ser de livre convenção. O seu limite é, portanto, a exata atualização do débito por índices oficiais. Esses índices oficiais, porém, serão a base da atualização, devendo constar, no ato da contratação, a fixação do índice, não sendo possível referência genérica ao índice utilizado para a comissão de permanência. Na esteira de tal raciocínio:

"CCB.115 - COMISSÃO DE PERMANÊNCIA - TAXA DE MERCADO - CLÁUSULA POTESTATIVA - ART. 115, DO CÓDIGO CIVIL - A atual e predominante jurisprudência tem entendido ser nula e sem qualquer eficácia a cláusula contratual ou sua parte que sujeita o devedor à taxa de juros ou correção, comissão de permanência, fixada ao arbítrio do credor, mediante condição puramente potestativa, em índice do mercado, não pré-fixado. O art. 115 do Código Civil (ATUAL ART. 122 do CC/02) tem por ilícita a condição imposta a uma das partes e que a sujeite ao arbítrio da outra" (TAMG, 7ª Câmara Cível, AC Nº 297.905-9, relator: juiz Geraldo Augusto, data do julgamento: 24/2/2000).

No caso dos autos, verifica-se que a comissão de permanência foi pactuada, na cláusula oitava do contrato celebrado entre as partes, da seguinte maneira:

"Não cumprindo, pontualmente, quaisquer de suas obrigações contratuais, ficará o CLIENTE constituído em mora, incidindo sobre os valores em débito até o efetivo ressarcimento: Comissão de permanência de acordo com a taxa de mercado do dia do pagamento (...)" (f. 09).

Ora, não há dúvida de que a comissão de permanência pactuada à taxa de mercado é absolutamente contrária ao ordenamento jurídico pátrio, uma vez que configura cláusula potestativa pura, razão pela qual, faz-se cabível a substituição pelo índice divulgado pela Corregedoria-Geral de Justiça, qual seja, o INPC/IBGE.

Assim, não há que se falar em reforma da sentença recorrida neste ponto.

6 - OS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

Na sentença, o juiz de primeiro grau condenou o apelante ao pagamento de honorários advocatícios no importe de 10% sobre o valor da causa, ressalvando que o percentual deve-se à sucumbência recíproca.

A distribuição dos ônus sucumbências - custas processuais e honorários advocatícios - deve obedecer, em regra, ao princípio da sucumbência (art. 20, caput, do CPC), segundo o qual tais despesas devem ficar a cargo da parte vencida quanto à respectiva pretensão deduzida em juízo. Já na hipótese de não existir sucumbência, entende-se que se deve aplicar o princípio da causalidade, pelo qual a parte que deu causa à lide torna-se responsável por tais encargos.

O art. 21, caput, do CPC, de outro lado, dispõe, também atento ao princípio da sucumbência, que, "se cada litigante for em parte vencedor e vencido, serão recíproca e proporcionalmente distribuídos e compensados entre eles os honorários e as despesas".

Ora, no caso dos autos, não sendo atendido o pedido principal na sua totalidade, inegável é que houve sucumbência por parte da apelante.

Assim, constatada a sucumbência recíproca, agiu com acerto o juiz de primeiro grau.

5 - CONCLUSÃO

Ante o exposto, REJEITO a preliminar de inépcia da inicial e, no mérito, NEGO PROVIMENTO à apelação, mantendo, por conseguinte, a bem lançada sentença do excelente Juiz de primeiro grau.

Custas recursais pelo apelante.

Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): FABIO MAIA VIANI e GUILHERME LUCIANO BAETA NUNES.

SÚMULA : REJEITARAM A PRELIMINAR E NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0702.05.198559-7/001

Fonte: TJMG