quarta-feira, 22 de junho de 2011

Nulidade de cláusula arbitral por inexistência de ratificação

Número do processo: 1.0024.08.117590-3/001

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS E RESTITUIÇÃO DE VALORES - CLÁUSULA DE ARBITRAGEM - CONTRATO DE ADESÃO - CLÁUSULA NULA DE PLENO DIREITO - AUSÊNCIA DE RATIFICAÇÃO - INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO. Em regra, a indicação, em CLÁUSULA compromissória, de solução de conflitos, por intermédio de juízo arbitral, em relações de consumo decorrentes de contratos padrão ou de adesão, é nula de pleno direito. Pode o consumidor rechaçá-la perante o Estado-Juiz, em demanda apropriada definida no artigo 7º da Lei nº 9.307/90, ressalvada, sempre, a hipótese de iniciativa ou concordância do consumidor em instituir a ARBITRAGEM, firmando o compromisso de ratificação. Não há nos autos qualquer ratificação por partes dos autores no sentido de aderir à CLÁUSULA arbitral, devendo prevalecer o princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição. O artigo 5º, inciso XXXII, da Constituição Federal de 1988, impôs ao Estado a promoção, na forma da lei, da defesa do consumidor. À luz do "princípio da vulnerabilidade", é juridicamente vulnerável o consumidor que não detém conhecimentos jurídicos específicos, para entender as cláusulas do contrato que está celebrando com empresa. Como lei de função social, o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) visa à obtenção de nova harmonia, lealdade e transparência nas relações de consumo. Recomenda-se que o juízo arbitral, constituído para julgar litígios consumeristas decorrentes de contrato de adesão, seja composto, dentre outros integrantes, por representantes dos consumidores (Gabriel Stiglitz, Protección Jurídica del Consumidor). Essa paridade não foi demonstrada, de forma induvidosa, nestes autos. RECURSO PROVIDO.
APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0024.08.117590-3/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - APELANTE(S): NELSON LUIZ MARTINS D'ÁVILA E OUTRO(A)(S) - APELADO(A)(S): MRV ENGENHARIA PARTICIPACOES S/A - RELATOR: EXMO. SR. DES. ROGÉRIO MEDEIROS
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 14ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM DAR PROVIMENTO E CASSAR A SENTENÇA.
Belo Horizonte, 25 de novembro de 2009.
DES. ROGÉRIO MEDEIROS - Relator
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
O SR. DES. ROGÉRIO MEDEIROS:
VOTO
Cuida-se de recurso de apelação interposto por NELSON LUIZ MARTINS D'AVILA E OUTRO, qualificados nos autos, contra sentença proferida em ação de indenização por danos morais, materiais e devolução de valores pagos movida contra MRV ENGENHARIA PARTICIPAÇÕES S.A.
Relatam os autores na inicial, em síntese, haver firmado contrato de promessa de compra e venda com a ré sendo que dos R$ 66,000,00 (sessenta e seis mil reais) do valor total do imóvel R$ 49.000,00 (quarenta e nove mil) seriam financiados junto à Caixa Econômica Federal e os outros R$ 17.000,00 (dezessete mil) seriam pagos em cheques e nota promissória.
Afirmam que foram induzidos a comprar um kit acabamento no valor de R$ 2.870,62 (dois mil oitocentos e setenta reais e sessenta e dois centavos) e armários embutidos no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais).
Ocorre que o financiamento junto à CEF não foi aprovado e a ré só quer lhe devolver R$ 7.000,00 (sete mil reais) ainda em 4 parcelas.
Informam que demonstraram interesse em cumprir sua obrigação contratual dependendo apenas da aprovação da CEF e foram enganados pela ré que os fizeram acreditar que o crédito já tinha sido aprovado.
Pugna pela procedência do pedido para condenar a ré a pagarem os valores pagos a título de sinal, kit acabamento, armários embutidos e danos morais.
Despacho deferindo os benefícios da justiça gratuita às fls. 40.
Citada, a ré apresentou contestação (fls. 88/108), alegando, em preliminar, incompetência do juízo pela convenção de ARBITRAGEM, inépcia da inicial e, no mérito, pugnou pela improcedência do pedido.
Impugnação à contestação às fls. 110/112.
Provas especificadas pelas partes às fls. 113/116.
Sobreveio a sentença de fls.117/118 que julgou extinto o feito, sem resolução de mérito, nos termos do artigo 267, VII do CPC, tendo em vista a existência de convenção de ARBITRAGEM no contrato firmado entre as partes.
Irresignados, os autores apelaram (fls. 119/122), alegando que a 11ª CLÁUSULA do contrato de compra e venda é abusiva e arbitrária e não deixa margem para optar pela competência de outro juízo que não seja o arbitral, tendo sido imposta pela ré como condição indispensável para assinatura do contrato.
Afirma que o contrato é de adesão e a ré estabeleceu unilateralmente e compulsoriamente a CLÁUSULA arbitral e, por isso, tal CLÁUSULA é nula de pleno direito nos termos do artigo 51 do CDC.
A ré apresentou contra razões (fls. 125/137), pugnando pela manutenção da decisão monocrática.
Os autores litigam sob o pálio da justiça gratuita, o que justifica a ausência do preparo recursal.
Conheço do recurso, porquanto presentes os pressupostos de admissibilidade.
Interessante discussão surge em torno da aplicação do instituto da ARBITRAGEM aos conflitos envolvendo relações de consumo. Figueira Júnior afirma que, em linha de princípio, tais conflitos podem ser solucionados por intermédio de jurisdição estatal tradicional (justiça comum), jurisdição alternativa ou especial (juizados cíveis) ou jurisdição paraestatal (juízo arbitral). Versam direitos patrimoniais disponíveis, os quais admitem transação (FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Acesso à Jurisdição Arbitral e os Conflitos Decorrentes das Relações de Consumo. Curitiba: GENESIS - Revista de Direito Processual Civil, vol. 16, abril-junho de 2000, p. 283-306.).
Porém, não é a forma mais adequada para resolução de conflitos decorrentes de relações de consumo, destinando-se sobremaneira à solução de questões cíveis ou mercantis, nacionais ou internacionais, de grande ou médio porte. Nesses tipos de controvérsias específicas, considera-se que os consumidores dispõem de outras técnicas e instrumentos menos ortodoxos, simples, informais e econômicos, tais como mediação e Juizados Especiais Cíveis.
Em regra, a indicação, em CLÁUSULA compromissória, de solução de conflitos eventuais e futuros, por intermédio de juízo arbitral, em relações de consumo decorrentes de contratos padrão ou de adesão, é nula de pleno direito. Pode o consumidor rechaçá-la perante o Estado-Juiz, em demanda apropriada definida no artigo 7º da Lei nº 9.307/90, ressalvada, sempre, a hipótese de iniciativa ou concordância do consumidor em instituir a ARBITRAGEM, firmando o compromisso de ratificação. Neste caso, não poderá mais recalcitrar ou alegar em demanda futura a NULIDADE da CLÁUSULA compromissória, ressalvadas as hipóteses dos artigos 32 e 33 da Lei de ARBITRAGEM (estabelecem casos de NULIDADE da sentença arbitral).
Figueira Júnior, enfim, sustenta que a ARBITRAGEM "adquire foro preferencial e finalidade específica em questões decorrentes de relações comerciais e, em particular, as internacionais, onde há necessidade de conhecimentos específicos, tanto de direito internacional e comercial, como de costumes e praxes do comércio, sendo visíveis as suas vantagens" (1997:12, op. citada).
A pactuação de CLÁUSULA compromissória é, em princípio, suficiente para levar a discussão e a solução da controvérsia estabelecida à Corte arbitral escolhida, não havendo ilegalidade na instituição da ARBITRAGEM.
No entanto, o contrato celebrado entres as partes (fls. 10/16) é de adesão e, por isso, a CLÁUSULA 11ª que prevê a ARBITRAGEM compulsória (art. 51, VII do CDC) é nula de pleno direito. O princípio da autonomia privada é mitigado por princípios outros, como o da igualdade, da boa-fé e da função social do contrato, o que se justifica em razão da evidente vulnerabilidade de um dos contratantes, no caso os cosumidores, que serão obrigados a se sujeitar às cláusulas impostas pelo outro.
Ademais, nos termos da norma inserta no §2º do artigo 4º da Lei 9.307/96, a CLÁUSULA compromissória somente tem eficácia se a iniciativa da ARBITRAGEM partir do aderente ou se concordar, expressamente, com sua instituição, nas seguintes hipóteses, in verbis:
'§ 2º Nos contratos de adesão, a CLÁUSULA compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a ARBITRAGEM ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa CLÁUSULA.'
Segundo CARLOS ALBERTO CARMONA, essa barreira às cláusulas arbitrais foi estabelecida quanto aos contratos de adesão com o objetivo de evitar sua 'banalização, através da inclusão da CLÁUSULA, indiscriminadamente, em condições gerais de negócios, normalmente impressas e às quais o contratante adere em bloco' (in ARBITRAGEM e Processo, Malheiros Editores, 1998, p. 31.).
E no caso não há nos autos qualquer ratificação por partes dos autores no sentido de aderir à CLÁUSULA arbitral, devendo prevalecer o princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição.
Nesse sentido a jurisprudência:
'EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA CUMULADA COM DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO E REVISÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. EXTINÇÃO DO FEITO, EM JUÍZO DE RETRATAÇÃO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO. ENTENDIMENTO DA CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM COMO GÊNERO DE QUE SÃO ESPÉCIES A CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA E O COMPROMISSO ARBITRAL. (...) 2) Ainda que se tenha a CLÁUSULA compromissória como obstativa do afastamento do juízo arbitral, necessário tenha sido observado o que estabelece o § 2º do art. 4º da Lei n. 9.307/96, que determinada cuidados próprios e especificados quando se trata de contrato de adesão. Sentença de extinção do feito sem julgamento de mérito desconstituída. Provido o recurso da autora, prejudicado o da co-ré.' (TJRS - Apelação Cível Nº 70009494923, 16ª Cam. Cível, Rel.: Helena Ruppenthal Cunha, j. em 17/11/2004).
Logo, em que pese a autonomia das partes no momento de celebrar o contrato, a posterior manifestação do consumidor no sentido de que lhe foram impostas cláusulas abusivas, consideradas nulas por normas de ordem pública, não pode ser ignorada (artigo 6º, V, primeira parte do CDC) sob pena de se frustrar a finalidade protetiva das normas consumeristas.
Como sustento ao julgar casos análogos, o artigo 5º, inciso XXXII, da Constituição Federal de 1988, impôs ao Estado a promoção, na forma da lei, da defesa do consumidor.
À luz do "princípio da vulnerabilidade", é juridicamente vulnerável o consumidor que não detém conhecimentos jurídicos específicos, para entender as cláusulas do contrato que está celebrando com empresa.
Como lei de função social, o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) visa à obtenção de nova harmonia, lealdade e transparência nas relações de consumo.
De resto, Gabriel Stiglitz (in Protección Jurídica del Consumidor. Buenos Aires: Depalma, 2ª ed., 1990, p. 50) aponta a existência da chamada "justiça coexistencial", em cujo âmbito se acentua o emprego de técnicas de mediação e conciliação, as quais remediam a sobrecarga de tarefas do Poder Judiciário. Recomenda-se concretamente a instauração alternativa de mecanismos de ARBITRAGEM e acordo amigável para a composição de interesses contrapostos. No entanto, tais modalidades de composição de litígios exigem a composição dos órgãos julgadores, dentre outros integrantes, por representantes dos grupos de consumidores.
Não verifiquei, nestes autos, que se tivesse assegurado paridade de composição na câmara arbitral indicada pelo contrato de adesão.
Registro não se tratar de hipótese de utilização do artigo 515, § 3º do CPC vez que não se iniciou a instrução probatória no feito não estando, por isso, em condições de imediato julgamento.
Ante o exposto, a despeito do brilhantismo e zelo do ilustre Julgador de primeiro grau, DOU PROVIMENTO ao recurso para cassar a sentença primeva e determinar o prosseguimento normal do feito no primeiro grau de jurisdição.
Custas recursais pelos apelados.
O SR. DES. VALDEZ LEITE MACHADO:
VOTO
Acompanho o relator.
A SRª. DESª. EVANGELINA CASTILHO DUARTE:
VOTO
Acompanho o douto voto do eminente Relator, com algumas considerações, que importam em alteração do posicionamento por mim adotado em julgamento anterior.
De conformidade com o disposto no art. 4º, da Lei 9.307/96, a CLÁUSULA compromissória é a convenção através da qual as partes, em um contrato, comprometem-se a submeter à ARBITRAGEM os litígios que possam surgir no cumprimento do ajuste firmado.
Do contrato firmado entre as partes consta à f. 16:
"CLÁUSULA DÉCIMA PRIMEIRA - DA ARBITRAGEM: As partes contratantes convencionam que, nos termos da lei 9.307/96, todos os litígios decorrentes do presente contrato serão submetidos ao juízo arbitral e, para tanto, elegem a CAMINAS - Câmara Mineira de Mediação e ARBITRAGEM, sediada na Av. Raja Gabaglia, 1.000, Conj. 1207, 12º andar - BH/MG, como Entidade Arbitral competente para instituir e processar a ARBITRAGEM que solucionará definitivamente os litígios.
As partes declaram ter conhecimento e aceitar as regras e regulamentos da CAMINAS quanto ao procedimento arbitral e nomeação de árbitros, os quais estão disponíveis na sede da CAMINAS ou no site www.caminas.com.br."
Dessarte, pode-se concluir que existe CLÁUSULA compromissória no contrato firmado, indicando que as partes elegeram a CAMINAS para solucionar contendas relativas ao seu cumprimento.
Cumpre ressaltar que a existência de CLÁUSULA compromissória em contratos de adesão deve ser revestida de um procedimento especial, como previsto na Lei 9.307/96, dispondo que, nos contratos de adesão, a CLÁUSULA só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a ARBITRAGEM ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa CLÁUSULA.
Depreende-se da leitura dos autos, que não há documento comprovando a adesão irrestrita dos Apelantes ao juízo arbitral, nem está a CLÁUSULA décima primeira do contrato redigida em destaque.
Ora, o juízo arbitral, embora possa ser considerado mais ágil do que o Poder Judiciário, depende de formalidades que estão fora do alcance dos consumidores em geral, não podendo prevalecer a CLÁUSULA compromissória se há relação de consumo, e o consumidor é, à evidência, a parte hipossuficiente.
DIANTE DO EXPOSTO, dou provimento ao agravo de instrumento apresentado por NELSON LUIZ MARTINS D'ÁVILA E OTURO, cassando a decisão recorrida.
Custas recursais pela Apelada.
SÚMULA : DERAM PROVIMENTO E CASSARAM A SENTENÇA.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0024.08.117590-3/001