segunda-feira, 20 de junho de 2011

A clásula arbitral só terá eficácia terá eficácia se tiver sido do aderente a iniciativa de instituí-la

Número do processo: 1.0024.08.180398-3/001

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. OBRIGAÇÃO DE FAZER. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA. CLÁUSULA DE ARBITRAGEM. CONTRATO DE ADESÃO. NULIDADE. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. APLICABILIDADE. A cláusula compromissória deve ser estipulada por escrito, seja no próprio contrato negocial ou em outro documento aditivo. Importante salientar que, uma vez acordada, ela obriga às partes a resolver o conflito através do Juízo Arbitral, por essa razão, a lei exige a manifestação de vontade das partes ao aderirem à cláusula compromissória, sob pena de ser declarada nula. A indicação em cláusula compromissória, de solução de conflitos eventuais e futuros por intermédio de juízo arbitral em relações de consumo decorrentes de contratos padrão ou de adesão, é nula de pleno direito.

APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0024.08.180398-3/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - APELANTE(S): ELIETE PINTO DE MIRANDA E OUTRO(A)(S) - APELADO(A)(S): MRV ENGENHARIA E PARTICIPAÇÕES S.A - RELATOR: EXMO. SR. DES. DUARTE DE PAULA

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 11ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador DUARTE DE PAULA , na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, EM DAR PROVIMENTO AO RECURSO.

Belo Horizonte, 05 de maio de 2010.

DES. DUARTE DE PAULA - Relator

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

O SR. DES. DUARTE DE PAULA:

VOTO

Inconformados com a r. sentença que julgou extinto o processo sem resolução do mérito, nos autos da ação de obrigação de fazer cumulada com antecipação de tutela por eles ajuizada em face de MRV ENGENHARIA E PARTICIPAÇÕES S.A., insurgem-se os autores ELIETE PINTO DE MIRANDA e ALESSANDRO MAGNO DE MIRANDA, buscando reverter o decisum, através do recurso de apelação de f. 271/278.

Conheço do recurso, presentes os pressupostos de admissibilidade.

Trata-se a espécie de ação cominatória, em que alegaram os autores terem firmado com a ré, em 05 de janeiro de 2005, compromisso de compra e venda de imóvel em construção, localizado na Rua Alameda dos Sabiás, lotes 1 a 30, quadra 12, Residencial Giardino Di Napoli, Casa 19, Bairro Cabral, em Contagem-MG, com preço total de cento e nove mil, seiscentos e vinte e nove reais, a serem pagos nas seguintes condições de pagamento: sinal de dezessete mil, trezentos e noventa e seis reais, quatro prestações de mil, trezentos e quarenta e nove reais, cinqüenta e seis prestações de mil, trezentos e quarenta e nove reais e uma intermediária de dezesseis mil, seiscentos e oitenta e nove reais.

Afirmaram em resumo que a ré pretendia entregar o imóvel inacabado, tendo os autores se comprometido a enviar o material restante para o acabamento do imóvel, o que efetivamente ocorreu, não tendo a ré entregue o imóvel, ocasionando a multa equivalente a onze meses de atraso, de responsabilidade da ré, devendo ainda ser responsável pelo pagamento dos aluguéis e taxas de condomínio dos autores, pelo que requereram a condenação da ré a entregar o imóvel e ao pagamento do valor que entendem devido.

A r. sentença julgou extinto o processo sem resolução do mérito, ao entendimento de que na cláusula 11ª do contrato firmado pelas partes, foi convencionado o compromisso arbitral, e sendo assim, os litígios decorrentes do contrato de compra e venda de imóvel devem ser processados e solucionados por juízo arbitral.

Insurgem-se os autores, ora apelantes, alegando tratar-se de contrato de adesão, invocando o art. 51 do Código de Defesa do Consumidor, que dispõe sobre a nulidade de cláusulas contratuais abusivas, afirmando terem aderido à vontade manifestada pela empresa, no instrumento contratual massificado, traduzida na adesão aos dizeres e imposições da empresa ré, inexistindo uma negociação quanto à escolha da jurisdição arbitral, requerendo a cassação da r. sentença e regular processamento do feito.

Com razão os apelantes.

A arbitragem é um dos institutos jurídicos mais antigos, apontando os estudiosos para a sua utilização no julgamento e solução de litígios entre particulares em Atenas, na Grécia, quatrocentos anos antes de Cristo, em disputas envolvendo grandes somas de dinheiro, sendo posteriormente adotado em Roma, primeiro como um contrato no qual a decisão do árbitro não possuía força coativa jurisdicional, e mais tarde com cunho obrigatório, sendo a execução assegurada pelo Estado e subsistindo ao largo da justiça estatal, evoluindo a ponto de tornar-se um instituto adotado por vários povos adquirindo status internacional e tornando-se comum nas relações comerciais internacionais estipularem os contratantes para a solução de controvérsias oriundas do cumprimento do contrato a arbitragem, mantendo atualmente todos os países do mundo em suas legislações internas normas que disciplinam processos de arbitragem, possibilitando o reconhecimento, a homologação, e execução da sentença arbitral pela justiça estatal.

No direito brasileiro, a Constituição Imperial de 1824 já previa a arbitragem nas causas cíveis.

Atualmente encontra-se em vigor a Lei 9.307/96, que disciplina a arbitragem para a solução de conflitos que envolvam direitos patrimoniais disponíveis, cuja efetiva utilização se viu constrangida até pouco tempo atrás em razão de questionamentos quanto a sua constitucionalidade, em especial do seu art. 7º, mas que declarada consoante a Constituição Federal pelo excelso SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, está apta a realizar plenamente os fins a que se pretende, encontrando-se afinada com as tendências mundiais e dispensando as sentenças arbitrais nacionais, assim entendido as prolatadas em território nacional nos termos do art. 34, parágrafo único, homologação pelo Poder Judiciário para sua eficácia e constituição como título executivo judicial, estando as estrangeiras sujeitas a homologação do excelso SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, na forma do art. 35.

Por intermédio da convenção de arbitragem, as partes, livres e voluntariamente, podem resolver suas controvérsias, relativas a direito patrimonial disponível, submetendo-se ao juízo arbitral.

No julgamento da Sentença Estrangeira Contestada 6.753-7, o ilustre Relator Ministro Mauricio Corrêa, ao prolatar seu voto, manifestou-se, a respeito da convenção de arbitragem, no seguinte sentido:

"A convenção de arbitragem é a fonte ordinária do direito processual arbitral, espécie destinada à solução privada dos conflitos de interesses e que tem por fundamento maior a autonomia da vontade das partes. Estas, espontaneamente, optam em submeter os litígios existentes ou que venham a surgir nas relações negociais à decisão de um árbitro, dispondo da jurisdição estatal comum." (STF - Tribunal Pleno - Acórdão de 13/06/02, Pub. 04/10/02, Ementário nº 2085-2).

De acordo com o artigo 4o, da lei 9307/96, cláusula compromissória é "a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato.".

A cláusula compromissória deve ser estipulada por escrito, seja no próprio contrato negocial ou em outro documento aditivo. Importante salientar que, uma vez acordada, ela obriga às partes a resolver o conflito através do Juízo Arbitral, por essa razão, a lei exige a manifestação de vontade das partes ao aderirem à cláusula compromissória, sob pena de ser declarada nula.

No caso específico dos autos, estampada se encontra a relação de consumo, tendo os autores firmado com a ré o contrato particular de promessa de compra e venda, figurando como objeto o imóvel localizado no Residencial Giardino Di Nápoli, situado na Alameda dos Sabiás, lote 01 a 30, da quadra 12, Bairro Cabral, em Contagem-MG.

Na lição do professor ORLANDO GOMES:

"No 'contrato de adesão' uma das partes tem de aceitar, em bloco, as cláusulas estabelecidas pela outra, aderindo a uma situação contratual que encontra definida em todos os seus termos. O consentimento manifesta-se como simples 'adesão' a conteúdo preestabelecido da relação jurídica. Conforme o ângulo de que seja focalizada, a relação contratual tem duplo nome. Considerada sob o aspecto da formulação das cláusulas por uma só das partes, recebe a denominação de 'condições gerais dos contratos' e é analisada à luz dos princípios que definem a natureza desse material jurídico. Encarada no plano da efetividade, quando toma corpo no mundo da eficácia jurídica, é chamada 'contrato de adesão' e examinada em relação ao modo por que se formam as relações jurídicas bilaterais".("Contratos, 20ª edição. Rio de Janeiro:Forense, 2000, p.109).

No contrato de adesão, a cláusula compromissória só terá validade se a mesma estiver em negrito e contiver a assinatura do aderente, especialmente para essa cláusula, como manifestação de sua vontade em instituir o compromisso arbitral. Esse é o disposto no § 2º do art. 4º, da Lei 9.307/96:

"Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula."

No caso dos autos, o contrato celebrado entres as partes (f. 20/23) se afigura como de adesão e, por isso, a cláusula 11ª que prevê a arbitragem compulsória, segundo a regra do art. 51, VII do CODECON é nula de pleno direito. O princípio da autonomia privada é mitigado por princípios outros, como o da igualdade, da boa-fé e da função social do contrato, o que se justifica em razão da evidente vulnerabilidade de um dos contratantes, no caso os consumidores, que serão obrigados a se sujeitar às cláusulas impostas pelo fornecedor.

CLAUDIA LIMA MARQUES ensina:

"Entendo violar a proteção e o direito do consumidor ao levá-lo a resolver o litígio em órgãos de arbitragem, que normalmente seriam mantidos por associações ou representantes de fornecedores, e que não assegurariam a imparcialidade necessária para a missão, ou lhes faltaria sensibilidade suficiente para compor a lide atentos a especial e vulnerável situação do consumidor diante do contrato de consumo e do conflito dele decorrente, bem como de sua hipossuficiência processual" ("Contratos no Código de Defesa do Consumidor - 4ª Ed. São Paulo: RT,2002, p.886).

Este egrégio TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS já se manifestou:

"AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL - RELAÇÃO DE CONSUMO - POSSIBILIDADE DE REVISÃO DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS - ARBITRAGEM - ONEROSIDADE EXCESSIVA AO CONSUMIDOR. - Em se tratando de relação de consumo, é possível que se modifiquem as cláusulas que destoem das disposições do CDC (art. 6º, V), mormente as que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou que sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade (art. 51, IV do CDC). - Nos de contratos de adesão, é nula de pleno direito cláusula contratual que prevê arbitragem compulsória (art. 51, VII do CDC). O princípio da autonomia privada, aqui, é mitigado por princípios outros, como o da igualdade, da boa-fé e da função social do contrato, o que se justifica em razão da evidente vulnerabilidade de um dos contratantes, que será obrigado a se sujeitar às cláusulas impostas pelo outro, se com ele quiser contratar.(Apelação Cível 1.0702.06.319785-0/002 - Rel. Des. Elpídio Donizetti - Publ. 24/03/09).

"AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO ORDINÁRIA - CONTRATO DE ADESÃO - LITÍGIO - ARBITRAGEM - CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA INEFICAZ - RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. I - O §2º do artigo 4º da Lei 9.307/96 submete a eficácia da cláusula compromissória nos contratos de adesão à iniciativa ou à anuência expressa do aderente. II - Ausente destaque em escrito separado ou em negrito, com assinatura especialmente para essa cláusula, indevida a instituição da arbitragem. (Agravo de Instrumento 1.0024.08.176898-8/001 - Rel. Des. Bitencourt Marcondes - Publ. 12/12/08).

"AGRAVO DE INSTRUMENTO - CONTRATO DE COMPRA E VENDA - RELAÇÃO DE CONSUMO - POSSIBILIDADE DE REVISÃO DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS - ARBITRAGEM - ONEROSIDADE EXCESSIVA AO CONSUMIDOR. Em se tratando de relação de consumo, é possível que se modifiquem as cláusulas que destoem das disposições do CDC (art. 6º, V), mormente as que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou que sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade (art. 51, IV do CDC). - Nos contratos de adesão, é nula de pleno direito cláusula contratual que prevê arbitragem compulsória (art. 51, VII do CDC).(Agravo de Instrumento 1.0024.08.058093-9/001 - Rel. Des. Fernando Caldeira Brant - Publ. 01/06/09).

E no caso, não há nos autos qualquer ratificação por partes dos autores no sentido de aderir à cláusula arbitral, devendo prevalecer o princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição.

Feitas tais considerações, patente a nulidade da cláusula 11ª do contrato firmado pelas partes, impondo-se a cassação da r. sentença hostilizada que julgou extinto o processo sem resolução do mérito.

O art. 515, §3º, CPC, dispõe:

"Art. 515 (...)

§ 3º - Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o Tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento."

Como prescrito pelo § 1º do art. 515 CPC, o mérito, como um todo, pode ser apreciado pelo Tribunal, quando do julgamento da apelação, sem receio de constituir-se a decisão uma ofensa ao princípio "tantum devolutum quantum appelatum", caso os julgadores disponham de elementos para apreciar toda questão de fundo. Entretanto, se não dispuserem os Juízes desses elementos de convicção, pode o Tribunal determinar o prosseguimento do processo em primeiro grau de jurisdição, reabrindo a instrução, para que outra sentença seja proferida, com nova apreciação da prova a se realizar.

No caso específico dos autos, ainda não se iniciou a instrução probatória no feito, não estando, por isso, em condições de imediato julgamento.

Com base no exposto, dou provimento ao recurso aviado, para cassar a r. sentença hostilizada, a fim de que outra seja proferida, após reabertura da fase instrutória, com julgamento do mérito.

Custas ex lege.

Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): SELMA MARQUES e MARCOS LINCOLN.

SÚMULA : DERAM PROVIMENTO AO RECURSO.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0024.08.180398-3/001