quarta-feira, 8 de junho de 2011

Indenização por compra via internet

Jurisprudência;

Número do processo: 1.0145.07.427478-1/001(1)

EMENTA: INDENIZAÇÃO - COMPRA VIA INTERNET - VÍCIO DE QUALIDADE DO PRODUTO - DEMORA INJUSTIFICADA DE SUBSTITUIÇÃO DO BEM - DANO MORAL CONFIGURADO - CRITÉRIOS PARA FIXAÇÃO - RECURSO DESPROVIDO. - A entrega de produto diverso daquele adquirido pelo consumidor, através do site na internet, frustrando as legítimas expectativas criadas quando da sua aquisição, somada à ausência, injustificada, de sua entrega nos moldes em que foi adquirido, mesmo após o produto com vício ter sido recolhido pela vendedora, erigem-se em causa de indenização por danos morais, mormente considerando que o bem em referência é essencial para a regular funcionalidade de qualquer residência.- A reparação moral, embora não implique na reposição valorativa de uma perda, haverá de ser suficientemente expressiva, a fim de compensar a vítima pelos sofrimentos e transtornos sofridos, e, ao mesmo tempo, penalizar o causador do dano, ao viso de evitar a repetição de conduta do mesmo gênero (teoria do desestímulo), devendo, ainda, levar em conta o grau da culpa e a capacidade econômica do ofensor.

APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0145.07.427478-1/001 - COMARCA DE JUIZ DE FORA - APELANTE(S): B2W CIA GLOBAL VAREJO - APELADO(A)(S): CÁSSIA VALÉRIA WILLIAMS DE OLIVEIRA BRUGNARA - RELATOR: EXMO. SR. DES. TARCISIO MARTINS COSTA

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 9ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM NEGAR PROVIMENTO E, DE OFÍCIO, ALTERAR O DISPOSITIVO DA SENTENÇA.

Belo Horizonte, 25 de agosto de 2009.

DES. TARCISIO MARTINS COSTA - Relator

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

O SR. DES. TARCISIO MARTINS COSTA:

VOTO

Cuida-se de recurso de apelação interposto contra a r. sentença de f. 73-79, da lavra da digna Juíza da 7ª Vara Cível da Comarca de Juiz de Fora, que, nos autos da ação de rescisão contratual c/c indenização movida por Cássia Valéria Williams de Oliveira Brugnara, em face de B2W - Companhia Global do Varejo, julgou procedente a pretensão autoral, condenando a requerida a pagar ao autor as importâncias de R$ 1.499,00, a título de danos materiais, corrigidos monetariamente e acrescidos de juros de mora de 1%, ao mês, a partir da citação e R$ 4.000,00, a título de danos morais, corrigidos monetariamente e acrescidos de juros de mora de 1%, ao mês, a contar da data da publicação da sentença.

Consubstanciado o seu inconformismo nas razões recursais de f. 84-88, pretende a requerida, ora apelante, a reforma do r. decisum, pugnando, preliminarmente, pelo recebimento do recurso em ambos os efeitos, considerando que a sua condenação ao pagamento de danos morais, caso mantida, lhe trará dano irreparável.

Quanto à questão de fundo, sustenta que, contrariamente do que entendeu a douta Sentenciante, não ocorreu fato capaz de ensejar dano moral indenizável, além de prova quanto à sua existência; que a apelada buscou se beneficiar da "tendência atual de se recorrer ao Judiciário pleiteando indenizações baseadas em fatos que não têm o condão de causar nenhum prejuízo apreciável"; que, em face da ausência dos requisitos indispensáveis à configuração do ato ilícito, o pedido deve ser julgado improcedente.

Por fim, na eventualidade de ser mantida a sua condenação, pugna pela redução do quantum indenizatório, porquanto manifestamente excessivo.

Contrarrazões, em óbvia infirmação, pugnando pelo desprovimento do recurso (f. 93-95).

Presentes os requisitos de sua admissibilidade, conheço do recurso.

Primeiramente, quanto ao pedido de concessão de efeito suspensivo ao recurso, tenho-o por prejudicado, pois, não se tratando a hipótese de nenhuma daquelas elencadas no art. 520, do CPC, deve, de fato, o apelo ser recebido em ambos os efeitos, conforme acertadamente o fez a douta Magistrada de primeiro grau, ao consignar que a apelação foi recebida "em seus efeitos regulares" (f. 91).

Revelam os autos que a autora buscou a tutela jurisdicional ao amparo da ação de rescisão contratual c/c indenização por perdas e danos, sustentando ter adquirido da requerida, através de seu site na internet, uma lavadora de roupas, marca Eletrolux, 110v, com capacidade de 10,2 kg, em 17/06/07, e que, ao receber o produto em sua casa, constatou que não se tratava de produto diverso do comprado, pois a lavadora entregue tinha capacidade de apenas 7,2 kg.

Segue, esclarecendo que, ao entrar em contato com a requerida, ela se comprometeu a efetuar a troca. Afirma que, em 18/09/07, a empresa ré recolheu o produto de sua residência, não tendo, até os dias atuais, lhe enviado a compra tal como efetuada. Pretende, assim, ver devolvida a quantia já paga pela lavadora de roupas e, ainda, indenização pelos danos morais advindos do descumprimento contratual.

A douta Magistrada, à consideração de que ficou comprovado que o produto entregue na casa da requerente foi diverso daquele por ela comprado, além do dano moral suportado com o descumprimento contratual, julgou procedente a pretensão autoral, condenando a requerida a pagar à autora as importâncias de R$ 1.499,00, a título de danos materiais, corrigidos monetariamente e acrescidos de juros de mora de 1%, ao mês, a partir da citação, e R$ 4.000,00, por danos morais, atualizados e, também, acrescidos de juros de mora de 1%, ao mês, contados da data da publicação da sentença.

Insurge-se a requerida contra a r. sentença, cingindo-se o seu inconformismo à sua condenação ao pagamento de danos morais, ao argumento de que não restaram satisfatoriamente demonstrados.

Permissa venia, sem razão a apelante.

Cediço é que, para a caracterização do dano moral, faz-se indispensável a ofensa a algum dos direitos da personalidade do indivíduo. Esses direitos são aqueles inerentes à pessoa humana e caracterizam-se por ser intransmissíveis, irrenunciáveis e não sofrerem limitação voluntária, salvo restritas exceções legais. A título de exemplificação, são direitos da personalidade aqueles referentes à imagem, ao nome, à honra, à integridade física e psicológica.

Ante isso, podemos dizer que o dano moral direto consiste na lesão a um interesse que visa à satisfação de um bem extrapatrimonial contido nos direitos da personalidade (como a vida, a intimidade corporal, a liberdade, a honra, a intimidade, o decoro, a imagem) ou nos atributos da pessoa (como o nome, a capacidade, o estado de família)".

Assoma dos autos que restou indene de dúvidas que a apelante efetuou entrega de produto diverso daquele adquirido pela apelada, via internet, frustrando, assim, as legítimas expectativas criadas quando de sua aquisição.

Além disso, restou satisfatoriamente comprovada a ausência, injustificada, de entrega da mercadoria, nos moldes em que foi adquirida, até a presente data, ou seja, quase dois anos após o produto ter sido recolhido da casa da apelada (f. 28), a despeito de já se encontrar inteiramente quitado, causando-lhe evidente prejuízo, mormente considerando que se trata de bem essencial a regular funcionalidade de qualquer residência.

Conforme bem pontuou a d. Sentenciante, litteris:

"Não podemos tratar a situação como um mero aborrecimento ou dissabor pois uma vez adquirindo um produto utilitário para o seu lar, a autora naturalmente esperava vê-lo em pleno funcionamento, de modo a atender às suas necessidades, não se olvidando de certo sacrifício que os cidadãos passam para a aquisição de aparatos para a funcionalidade do lar.

O que se percebe é que a autora esteve e está sem o dinheiro, sem a máquina de lavar e com reivindicações não atendidas, por conta de equívoco em que incorreu a requerida, que por sua vez não procurou saná-lo a tempo e modo, não passando os seus contatos com a autora de meras tratativas, que não demonstraram qualquer eficácia para a solução plausível do ocorrido". (f. 78)

Ou seja, somado ao envio de produto distinto daquele adquirido à residência da apelada, e o posterior recolhimento do bem para troca, que privou a recorrida do seu uso regular, está a demora, indevida e injustificada, de entrega do produto nos moldes em que foi adquirido, transcorridos mais de dois anos, mesmo já tendo a apelante recebido o preço, pelo que, a meu juízo, resulta evidente a existência de dano moral indenizável.

Em caso símile, já decidiu esta Egrégia Corte de Justiça:

"APELAÇÃO CÍVEL - INDENIZAÇÃO - VÍCIO DO PRODUTO - RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO COMERCIANTE - DECADÊNCIA - REJEIÇÃO EM DESPACHO SANEADOR - AUSÊNCIA DE RECURSO - PRECLUSÃO - DANOS MATERIAIS E MORAIS - PROVA - VALOR . (...). A fornecedora de produto deve indenizar o consumidor pelos danos materiais e morais sofridos, quando, informada de que o produto não continha as especificações apontadas pelo vendedor e que estava avariado, não se empenha em resolver imediatamente a questão, e, além disso, inclui indevidamente o nome da consumidora nos serviços de proteção ao crédito. (...)". (Apelação cível n° 1.0145.03.092117-8/001 - Relator: Des. D. Viçoso Rodrigues, 15ª Câmara Cível do TJMG, DJ: 04 de maio de 2006).

Registra-se que, a despeito de a apelante sustentar, em sua peça de defesa, que disponibilizou para a apelada um vale compra, no valor equivalente àquele por ela despendido com a aquisição da lavadora de roupas, em nenhum momento comprovou tal asserção, não se prestando a tanto o documento produzido unilateralmente (f. 33), na verdade, limitando-se a apelante ao terreno infértil das meras alegações.

Assentados os danos morais, passamos ao exame do "quantum" indenizatório, já que a empresa recorrente se insurge contra o valor arbitrado.

Anoto, de início, que a indenização por dano moral significa apenas uma forma de compensação, nunca de reposição valorativa de uma perda. Tal parcela não tem efeito de compensação pecuniária, devendo ser arbitrada ao prudencial critério do julgador, sempre com moderação, tendo em vista que não pode se constituir em fonte de lucro indevido.

Versando o tema, Humberto Theodoro Júnior, forte em Caio Mário, leciona:

"Mais do que em qualquer outro tipo de indenização, a reparação do dano moral há de ser imposta a partir do fundamento mesmo da responsabilidade civil, que não visa criar fonte injustificada de lucros e vantagens sem causa. Vale, por todos os melhores estudiosos do complicado tema, a doutrina atualizada de CAIO MÁRIO, em torno do arbitramento da indenização do dano moral: 'E, se em qualquer caso se dá à vítima uma reparação de damno vitando, e não de lucro capiendo, mais do que nunca há de estar presente a preocupação de conter a reparação dentro do razoável, para que jamais se converta em fonte de enriquecimento'." (Dano Moral, São Paulo: Ed. J. de Oliveira, 2ª ed., 1999, p. 36).

A sua vez, os Tribunais pátrios têm entendido que a indenização haverá de ser "suficientemente expressiva para compensar a vítima pelo sofrimento, tristeza ou vexame sofrido e penalizar o causador do dano, levando em conta ainda a intensidade da culpa e a capacidade econômica dos ofensores" (COAD, Bol. 31/94, p. 490, nº 66.291).

"Para a fixação do dano moral o julgador pode usar de certo arbítrio, devendo, porém, levar em conta as condições pessoais do ofendido e do ofensor" (RJTJRS 127/411).

"Para a fixação do quantum em indenização por danos morais, devem ser levados em conta a capacidade econômica do agente, seu grau de dolo ou culpa, a posição social ou política do ofendido, a prova da dor" (Apelação Cível nº 140.330-7 - TAMG, rel. Juiz Brandão Teixeira, DJMG de 19.3.93, p. 09).

Desses conceitos se subtrai que a reparação moral deve sempre ser fixada de forma a atender à dupla finalidade do instituto, qual seja, desestimular, de forma pedagógica, o ofensor (teoria do desestímulo), a condutas do mesmo gênero, e propiciar ao ofendido os meios de compensar os transtornos experimentados, sem que isso implique em fonte de lucro indevido.

Nesse contexto, penso que o valor indenizatório fixado com moderação pela douta Juíza de primeiro grau, qual seja, R$ 4.000,00 (quatro mil reais), não merece reparo algum, compensando, quantum satis, os transtornos suportados pela lesada, levando-se em conta que, além da entrega de produto diverso do adquirido, até o momento a requerente está privada de um utensílio doméstico essencial ao funcionamento regular de sua residência.

Por fim, permissa venia, cabe anotar que o dispositivo sentencial, ao fixar o termo a quo da correção monetária, incidente sobre os danos materiais, na data da citação, está a merecer reparo, neste particular, devendo incidir, a partir da data do efetivo desembolso, sob pena de enriquecimento imotivado da apelante.

Com tais razões de decidir, NEGA-SE PROVIMENTO ao recurso, e, DE OFÍCIO, ALTERA-SE o dispositivo sentencial, para fixar o termo inicial da correção monetária, incidente sobre a indenização arbitrada a título de danos materiais, a contar da data do efetivo desembolso, e não da citação, como constou, mantendo-se, no mais, o r. trabalho decisório de primeiro grau, por seus e por estes fundamentos.

Custas recursais pela apelante.

Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): JOSÉ ANTÔNIO BRAGA e GENEROSO FILHO.

SÚMULA : NEGARAM PROVIMENTO E, DE OFÍCIO, ALTERARAM O DISPOSITIVO DA SENTENÇA.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0145.07.427478-1/001

Fonte: TJMG