sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Atraso na entrega de imóveis e direito a devolução das parcelas de forma integral

Número do processo: 1.0024.09.549393-8/001

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL -INTERESSE DE AGIR CONFIGURADO - ATRASO NA ENTREGA DA OBRA - DEVOLUÇÃO INTEGRAL DOS VALORES PAGOS - MULTA MORATÓRIA E DANOS MATERIAIS DEVIDOS - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - VEDADA A COMPENSAÇÃO. Demonstrando ser o procedimento necessário e útil ao autor, configurado está o seu interesse de agir. O vendedor que deu causa à rescisão contratual deve arcar com as perdas e danos decorrentes do desfazimento prematuro do negócio jurídico, sendo incabível que o responsável pela rescisão retenha valores a título de multa contratual. É possível a cumulação de multa moratória com indenização por danos materiais. Os honorários advocatícios devem ser fixados tendo em vista a justa remuneração do trabalho desenvolvido pelo advogado. A compensação exige reciprocidade entre credores e devedores, sendo incabível no caso de honorários advocatícios, pois estes pertencem ao advogado, sendo direito autônomo seu, nos termos do art. 23 da Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia). Preliminar rejeitada, primeiro apelo provido e segundo apelo não provido.

APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0024.09.549393-8/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - 1º APELANTE(S): LEANDRO MARQUES DOS REIS E OUTRO(A)(S) - 2º APELANTE(S): CONSTRUTORA TENDA S/A - APELADO(A)(S): LEANDRO MARQUES DOS REIS E OUTRO(A)(S), CONSTRUTORA TENDA S/A - RELATOR: EXMO. SR. DES. GUTEMBERG DA MOTA E SILVA

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 10ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador CABRAL DA SILVA , na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, EM REJEITAR A PRELIMINAR, DAR PROVIMENTO AO PRIMEIRO APELO E NEGAR PROVIMENTO AO SEGUNDO APELO.

Belo Horizonte, 28 de março de 2011.

DES. GUTEMBERG DA MOTA E SILVA - Relator

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

O SR. DES. GUTEMBERG DA MOTA E SILVA:

VOTO

LEANDRO MARQUES DOS REIS e ARIANE GONÇALVES FERREIRA MARQUES interpuseram apelação pleiteando a reforma da sentença do MM. Juiz da 11ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte, que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na ação de rescisão contratual c.c. indenização por danos morais e materiais que movem em face de CONSTRUTORA TENDA S.A., declarando rescindindo o contrato de promessa de compra e venda de imóvel firmado entre as partes, além de condenar a apelada a lhes restituir as parcelas pagas, no valor de R$ 11.000,00, atualizada desde a data do desembolso e acrescida de juros de mora de 1% ao mês a partir da citação. O magistrado ainda condenou a apelada a pagar a quantia de R$ 739,00, a título de danos materiais.

Alegaram que a CONSTRUTORA TENDA também deve arcar com o pagamento de multa contratual, pois foi quem deu causa à rescisão do contrato. Requereram ainda a majoração do valor dos honorários advocatícios, assinalando que é indevida a sua compensação.

Paralelamente, a CONSTRUTORA TENDA S.A. interpôs apelação argüindo preliminar de carência de ação, por falta de interesse processual, vez que o contrato já se encontra rescindido de pleno direito, em virtude do inadimplemento dos apelados, nos termos da Cláusula 9ª, § 2º, do contrato de compra e venda, e do art. 127 do Código Civil. Diante disso, se o contrato já foi rescindido, os autores não necessitam recorrer ao Judiciário pleiteando o seu desfazimento, faltando-lhes o interesse de agir.

No mérito, afirmou que o contrato, de conhecimento pleno e prévio dos apelados, prevê multa para o caso de atraso na entrega do imóvel, descabendo, assim, a rescisão contratual com a devolução de valores, além do pagamento de danos materiais.

Alegou que foram os apelados que requereram a rescisão contratual, a despeito da cláusula prevendo multa para casos de atraso na entrega, além de estarem inadimplentes no pagamento das mensalidades, de forma que devem ser apenados com a rescisão, arcando com o pagamento de todas as perdas e danos ocasionadas pelo rompimento contratual.

Desse modo, devem pagar multa no percentual de 30% dos valores pagos, conforme admitido pela jurisprudência, considerando também o disposto no art. 413 do Código Civil e art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil.

Reafirmou que os apelados não fazem jus à indenização por danos materiais, referente ao pagamento de aluguéis, sob pena de bis in idem e enriquecimento sem causa, vez que o contrato já prevê penalidade para atraso na entrega, com o pagamento de multa no percentual de 0,5% ao mês sobre o valor do contrato. Mesmo a multa seria indevida, considerando que o contrato já não se encontrava mais em vigor. Disse mais que o contrato de locação apresentado pelos apelados se trata de simples modelo, sem qualquer selo ou carimbo de autenticação. Por fim, requereu sejam decotados os juros e a correção monetária, pois o valor da multa é calculado sob o valor atualizado do imóvel.

CONSTRUTORA TENDA S.A. apresentou contrarrazões à primeira apelação às fls. 190 a 198, não tendo LEANDRO MARQUES e ARIANE GONÇALVES se manifestado sobre a segunda apelação.

É o relatório. DECIDO.

Conheço dos recursos, pois presentes seus pressupostos de admissibilidade.

Como os assuntos são interligados, exigindo a mesma fundamentação, os recursos serão analisados conjuntamente.

PRELIMINAR. Falta de interesse de agir.

Improcede a preliminar de carência de ação por falta de interesse de agir. Além de requererem a rescisão contratual, cabendo verificar, logicamente, quem deve arcar com as penalidades pelo desfazimento do negócio, os autores também pleiteiam indenização por danos morais e materiais, sendo claro o interesse de agir deles, pois o provimento jurisdicional lhes é necessário e útil.

MÉRITO

LEANDRO MARQUES DOS REIS e ARIANE GONÇALVES FERREIRA MARQUES firmaram com a CONSTRUTORA TENDA S.A., em 8-11-2007, contrato de compra e venda de imóvel constituído por três quartos, situado no Bairro Ressaca, Contagem, Minas Gerais, com prazo de entrega previsto para 30-5-2008, com tolerância de 180 dias.

Ao final do prazo estabelecido para a entrega do imóvel, não cumprido pela construtora, o que é incontroverso, os compradores ajuizaram esta ação pleiteando, além da rescisão contratual, com as penalidades advindas do rompimento do negócio, a restituição dos valores pagos e indenização por danos morais e materiais.

O MM. Juiz julgou procedentes os pedidos de rescisão e devolução das parcelas, mais os gastos que os compradores tiveram com o pagamento de aluguéis. Entretanto, os compradores apelaram pleiteando seja a construtora compelida a pagar a multa contratual, requerendo ainda a majoração dos honorários advocatícios, vedando-se sua compensação.

De outro lado, a CONSTRUTORA TENDA diz que lhe deve ser deferida a retenção de percentual dos valores pagos e que descabe o pagamento de danos materiais, considerando que o contrato já prevê multa para o caso de atraso na entrega.

Inexiste dúvida de que a rescisão contratual se deu exclusivamente por culpa da construtora, por descumprimento do contrato, pois deixou de entregar o imóvel no prazo determinado, não o tendo feito pelo menos até o ajuizamento desta ação, em 1º-4-2009, ou seja, passado quase um ano do prazo inicial estabelecido.

Diante disso, como a construtora deu causa à rescisão contratual, deve arcar com todos os gastos efetuados pelos compradores, mais as perdas e danos decorrentes do desfazimento prematuro do negócio jurídico, nos termos do art. 389 do Código Civil, segundo o qual, não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos.

Assim, completamente incabível que a construtora, responsável pela rescisão, retenha valores a título de multa contratual, sendo correta a sentença ao determinar a restituição de todas as parcelas pagas pelos compradores, devidamente corrigidas. Nesse sentido, a jurisprudência:

"APELAÇÃO CÍVEL - RESCISÃO DE CONTRATO. PROMESSA DE COMPRA E VENDA.. ATRASO NA ENTREGA DA OBRA. DEVOLUÇÃO INTEGRAL DOS VALORES PAGOS. RETENÇÃO DE PERCENTUAL INCABÍVEL. Não tendo o imóvel sido entregue na data pactuada, por culpa do fornecedor, este deve ser responsabilizado pela rescisão do contrato; Não há que se falar na retenção de percentual sobre os valores já pagos pelos promitentes compradores, a título de multa, quando a rescisão ao contrato ocorre em virtude da conduta negligente da construtora". (Apelação Cível nº 1.0024.08.093950-7/001(1), Rel. Des. Domingos Coelho, julgado em 30-9-2009, DJe 13-10-2009; fonte: site do TJMG).

"Ação de rescisão de promessa de compra e venda - Inadimplemento contratual por parte da ré, construtora, que não promoveu a entrega do imóvel - Possibilidade de rescisão motivada na culpa da ré - Devolução de todo o montante pago pelo promissário comprador - multa pelo atraso na entrega do imóvel - Aplicabilidade. - Ocorrendo rescisão da promessa de compra e venda de imóvel motivada pela culpa da promissária vendedora, o promissário comprador tem direito à devolução de todo o valor pago. - Aplica-se multa pelo descumprimento contratual por parte da promissária vendedora como forma de atenuar os prejuízos sofridos pelo promissário comprador". (Apelação Cível nº 1.0024.07.404359-7/001(1), Rel. Des. Pedro Bernardes, julgado em 22-4-2008, DJ 10-5-2008; fonte: site do TJMG).

Também devido o pagamento dos danos materiais, vez que, acaso fosse entregue o imóvel no prazo acordado, os compradores não arcariam com valores a título de aluguel, de forma que deve ser mantida a sentença também quanto a este ponto.

Com relação à multa requerida por LEANDRO MARQUES e ARIANE GONÇALVES, o contrato, em sua cláusula 9ª, parágrafo 2º, prevê o seu pagamento pela construtora em caso de atraso na entrega:

"Se a TENDA não concluir a obra no prazo fixado, observada a tolerância descrita no caput desta cláusula, pagará a TENDA ao COMPRADOR, a título de pena convencional, a quantia que equivaler a 0,5% (meio por cento) do preço da unidade à vista, por mês ou por fração de mês de atraso, sendo este valor exigível desde o 1º (primeiro) dia de atraso até a data da entrega do apartamento pela TENDA ao COMPRADOR". (fls. 29v.).

Tal penalidade tem nitidamente natureza moratória e, não, compensatória, o que é comprovado pelo disposto na cláusula 23ª, que prevê o pagamento de pesadas multas ao comprador em caso de rescisão contratual, com o fim de compensar os eventuais prejuízos da vendedora:

"O COMPRADOR receberá da TENDA o montante equivalente aos valores pagos, corrigidos monetariamente no mesmo modo que pagou, descontadas as seguintes despesas e multa, também atualizadas monetariamente:

(i) contribuição ao PIS e COFINS à alíquota vigente na ocasião, sobre os valores até então recebidos pela TENDA;

(ii) CPMF incidente sobre todos os pagamentos efetuados pela TENDA em decorrência da venda da unidade autônoma e da restituição de qualquer quantia ao COMPRADOR;

(iii) Multa compensatória de 20% (vinte por cento) sobre o valor pago pelo COMPRADOR (Artigo 410 Código Civil Brasileiro);

(iv) Outros impostos, tributos ou contribuições incidentes sobre este negócio imobiliário, ainda que venham a ser criados no curso deste contrato." (fls. 35).

Acaso a multa prevista na cláusula 9ª tivesse natureza compensatória, ou seja, prefixação das perdas e danos, o contrato violaria o princípio do equilíbrio contratual, pois conferiria vantagem exagerada ao fornecedor, uma vez que inexiste multa para caso de inadimplemento da construtora, nos mesmos termos da estabelecida quando é o comprador que descumpre o contrato.

Logo, como a multa prevista na cláusula 9ª tem natureza moratória, deve a construtora arcar com o seu pagamento, bem como o valor devido a título de danos materiais, sem que haja configuração de bis in idem. Caio Mário da Silva Pereira, discorrendo sobre a natureza das multas, esclarece:

"E há relevância prática na distinção, uma vez que a compensatória, como indica a própria denominação, substitui a obrigação principal, indenizando o credor das perdas e danos gerados do inadimplemento do devedor. Em razão desta finalidade, decorre da lei a alternativa a benefício daquele, pois que a falta da prestação traz o dano, o que a penalidade ajustada visa a corrigir ou compensar. Quando a cláusula penal é moratória, não substitui nem compensa o inadimplemento. Por esta razão, nenhuma alternativa surge, mas, ao revés, há uma conjunção de pedidos que o credor pode formular: o cumprimento da obrigação principal que não for satisfeita oportunamente, e a penal moratória, devida como punição ao devedor, e indenização ao credor pelo retardamento oriundo da falta daquele" (Instituições de Direito Civil, vol. II, 20ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 155).

Assente que é devida a multa, no valor mensal de 0,5% do valor atualizado do imóvel, deverá esta incidir desde o primeiro dia após o prazo inicial estabelecido para entrega do imóvel, 30-5-2008, sem a tolerância de 180 dias, promovendo, assim, o equilíbrio contratual, pois inexiste cláusula similar prevendo algum privilégio em caso de mora do comprador. A multa é devida até a data em que os compradores deixaram de pagar as prestações do contrato, quando, evidentemente, desistiram do negócio, dado o inadimplemento contratual da construtora.

No que diz respeito aos honorários advocatícios, também têm razão LEANDRO MARQUES e ARIANE GONÇALVES. O MM. Juiz fixou os honorários advocatícios em 5% do valor da condenação, autorizando a sua compensação.

O art. 20, § 3º, do Código de Processo Civil, dispõe que os honorários devem ser fixados entre o mínimo de 10% e o máximo de 20% sobre o valor da condenação, atendidos: a) o grau de zelo do profissional; b) o lugar de prestação do serviço; c) a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.

No caso, possuindo a decisão natureza condenatória, devem ser majorados os honorários advocatícios, pois fixados abaixo do mínimo legal. Analisando os critérios do art. 20, § 3º, do CPC, é justo que sejam majorados para 15% do total da condenação, devendo, evidentemente, ser observada a sucumbência recíproca.

Por fim, descabe a compensação dos honorários advocatícios em razão da sucumbência recíproca, pois é vedada a sua compensação, que exige reciprocidade entre credores e devedores, o que não é o caso, pois os honorários pertencem ao advogado, sendo direito autônomo seu, nos termos do art. 23 da Lei 8.906, de 05-7-1994 (Estatuto da Advocacia).

Pelo exposto, dou provimento ao primeiro recurso, de LEANDRO MARQUES DOS REIS e ARIANE GONÇALVES FERREIRA MARQUES, reformando a sentença para determinar que a CONSTRUTORA TENDA S.A. também seja condenada a pagar a multa mensal de 0,5% do valor atualizado do imóvel, devida de 31-5-2008 até a data em que os compradores deixaram de pagar as prestações, além de majorar o valor dos honorários advocatícios, conforme disposto abaixo, e vedar a sua compensação.

Quanto à segunda apelação, da CONSTRUTORA TENDA S.A., rejeito a preliminar de falta de interesse de agir e, no mérito, nego provimento ao recurso.

Como houve sucumbência recíproca, maior da CONSTRUTORA TENDA, condeno-a a pagar 80% (oitenta por cento) das custas processuais, e honorários advocatícios de 15% (quinze por cento) sobre 80% (oitenta por cento) do total da condenação.

Condeno LEANDRO MARQUES e ARIANE GONÇALVES a pagarem 20% (vinte por cento) das custas processuais, e honorários advocatícios de 15% (quinze por cento) sobre 20% (vinte por cento) do total da condenação, esclarecendo mais uma vez que é vedada a compensação, tendo em vista a ausência de reciprocidade entre credores e devedores. As verbas de sucumbência será exigíveis de LEANDRO e ARIANE somente SE e QUANDO cessar sua condição de pobre no sentido legal, pois beneficiários da assistência judiciária.

Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): ALBERTO ALUÍZIO PACHECO DE ANDRADE e PEREIRA DA SILVA.


Fonte: TJMG