terça-feira, 18 de outubro de 2011

Bloqueio de bens da Brasil Container

Número do processo: 1.0079.09.927141-7/001

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO ORDINÁRIA -- DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA - LEI Nº 8.884/94, ARTS. 17 E 18 - ART. 50, CC - INDÍCIOS DE FRAUDE - FATO PÚBLICO E NOTÓRIO - EXISTÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS LEGAIS - LIMINAR DEFERIDA O juiz está autorizado a ignorar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica sempre que ela for fraudulentamente manipulada para frustrar interesse legítimo de credor. A aplicação da teoria da desconsideração da pessoa jurídica ocorre quando há prática de atos revestidos de dolo, fraude ou abuso de direito. Assim, existindo fortes indícios de ocorrência de prática de infração da ordem econômica, fraude ou abuso de direito provocado pelos sócios da empresa, há motivo para que o patrimônio particular destes seja compelido a responder por prejuízos causados aos seus clientes.

AGRAVO DE INSTRUMENTO N° 1.0079.09.927141-7/001 - COMARCA DE CONTAGEM - AGRAVANTE(S): MARIA DO CARMO MOURA NASCIMENTO - AGRAVADO(A)(S): BRASIL CONTAINER LTDA - RELATOR: EXMO. SR. DES. MOTA E SILVA

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 18ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM DAR PROVIMENTO AO RECURSO.

Belo Horizonte, 18 de agosto de 2009.

DES. MOTA E SILVA - Relator

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

O SR. DES. MOTA E SILVA:

VOTO

Trata-se de recurso de Agravo de Instrumento interposto por MARIA DO CARMO MORA NASCIMENTO, a fim de reverter decisão de fls. 83 - TJ proferida pelo juízo a quo, MARCOS ALBERTO FERREIRA, que indeferiu pedido de desconsideração da personalidade jurídica e expedição de ofícios para localização e bloqueio de bens, em sede de liminar.

A decisão agravada diz que a desconsideração da personalidade jurídica tem cabimento em ação executiva e, tratando-se de ação cognitiva, só tem legitimidade as partes da relação jurídica material.

A parte Agravante sustenta seu inconformismo alegando que firmou contrato de mútuo com a empresa Agravada, entregando-lhe o valor de R$ 45.000,00 (quarenta e cinco mil reais), garantido o empréstimo por meio de 6 (seis) containeres, com previsão de restituição do valor ao final do contrato, em 25/07/2009, além de renda mensal referente a 4% ao mês, por 12 (doze) meses. Alega que recebeu os juros por 3 (três) meses e que há 9 (nove) a Agravada não efetua o pagamento mensal, desaparecendo de seus endereços comerciais e dos contatos telefônicos.

Diz que foi vítima de golpe denominado "Pirâmide Financeira", sendo público e notório o prejuízo que vem causando a inúmeros investidores.

Traz legislação e julgados para sustentar seu pedido de desconsideração da personalidade jurídica e, ao final, requer a reforma para incluir os sócios VALÉRIO LANA CARDOSO e CARLOS ALBERTO DA SILVA no pólo passivo da demanda, com a expedição de ofícios aos órgãos públicos para localização e bloqueio de seus bens.

O pedido de efeito suspensivo ativo foi indeferido.

A relação processual ainda não havia se formado nos autos originários, razão pela qual se dispensou a intimação da parte agravada.

É o breve relato. Passo a decidir.

O art. 18, da Lei nº 8.884/94, assim diz:

Art. 18. A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

O art. 50, do CC, traz a seguinte redação:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

Assim, atendidos os pressupostos do dispositivo legal acima, nasce a possibilidade de se desconsiderar a personalidade jurídica.

Hei por bem, primeiramente, fazer breve menção ao princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, sabiamente esclarecido por Fábio Ulhoa Coelho, em seu Curso de Direito Comercial, vol. 2, 10ª edição, Editora Saraiva, p. 15/16:

"Sócio e sociedade não são a mesma pessoa, e, como não cabe, em regra, responsabilizar alguém (o sócio) por dívida de outrem (a pessoa jurídica da sociedade), a responsabilidade patrimonial pelas obrigações da sociedade empresária não é dos seus sócios. Em outros termos, a garantia do credor é representada pelo patrimônio do devedor; se devedora é a sociedade empresária, então será o patrimônio social (e não o dos sócios) que garantirá a satisfação dos direitos creditícios existentes contra ela. Somente em hipóteses que excepcionam a regra da autonomia da pessoa jurídica poder-se-á executar o patrimônio, em busca do atendimento de dívida da sociedade.

...Se não existisse o princípio da separação patrimonial, os insucessos na exploração da empresa poderiam significar a perda de todos os bens particulares dos sócios, amealhados ao longo do trabalho de uma vida ou mesmo de gerações, e, nesse quadro, menos pessoas se sentiriam estimuladas a desenvolver novas atividades empresariais."

Há, no direito brasileiro, duas teorias da desconsideração da personalidade jurídica. A primeira, mais elaborada, condiciona o afastamento da autonomia patrimonial da pessoa jurídica à caracterização da manipulação fraudulenta ou abusiva do instituto (teoria maior). A segunda, menos elaborada, condiciona o afastamento do princípio da autonomia à simples insatisfação de crédito perante a sociedade (teoria menor). Para esta teoria, se a sociedade não possui patrimônio, mas o sócio é solvente, isto basta para responsabilizá-lo por obrigações daquela.

O mesmo autor continua:

"a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica independe de previsão legal. Em qualquer hipótese, mesmo naquelas não abrangidas pelos dispositivos da leis que se reportam ao tema (Código Civil, Lei do Meio Ambiente, Lei antitruste ou Código de Defesa do Consumidor), está o juiz autorizado a ignorar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica sempre que ela for fraudulentamente manipulada para frustrar interesse legítimo de credor.

No entanto, filiando-me à teoria maior, a regra da autonomia patrimonial da empresa somente pode ser excepcionada quando necessárias a repressão às fraudes e a coibição do mau uso da forma da pessoa jurídica, e por meio de ação judicial.

Des. Elpídio Donizetti, em Curso Didático de Direito Processual Civil, Ed. Lúmen Júris, 10ª edição, 2008, p.1003, muito bem elucida a questão:

"A desconsideração da personalidade jurídica constitui instituto excepcional, uma vez que o ordinário é a preservação da personalidade jurídica e da responsabilidade civil da sociedade que firmou o negócio jurídico. E, conforme lição de Malatesta, 'o ordinário se presume e o extraordinário se prova'. Assim, no que respeita à eventual fraude atribuível a sócio por meio da desconsideração da personalidade jurídica indispensável é a propositura de ação judicial própria.

Essa opinião é corroborada por Fábio Ulhoa Coelho, para quem 'o juiz não pode desconsiderar a separação entre a pessoa jurídica e seus integrantes senão por meio de ação judicial própria, de caráter cognitivo, movida pelo credor da sociedade contra os sócios ou seus controladores. Nessa ação, o credor deverá demonstrar a presença do pressuposto fraudulento'.

Assim, a responsabilidade patrimonial do sócio, decorrente da violação do contrato ou de gestão abusiva dependerá de ação judicial própria para que seja comprovada a fraude, ou, no mínimo, a oportunidade de contraditório no próprio processo de execução, antes da efetivação da penhora. O que não se admite é a constrição judicial de bens do sócio, sem qualquer possibilidade de defesa ao singelo fundamento de que esse poderá opor embargos de terceiro."

Este o entendimento dos Tribunais:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INEXISTÊNCIA DE PROVAS. - O princípio da distinção entre o patrimônio da pessoa jurídica e das pessoas físicas que a compõem é a regra da qual a desconsideração da personalidade jurídica é exceção, cabível em situações em que haja provas concretas de que o ente vem sendo utilizado para perseguir fins diversos das finalidades legais, de forma a ocultar a prática de fraudes, simulações ou atos abusivos, ou, no caso da relação de consumo, que a empresa se encontre em estado de insolvência ou com suas atividades paralisadas em decorrência de má administração.. - O fato do Sr. Oficial de Justiça certificar que a empresa não se encontra estabelecida no endereço indicado e que os comerciantes locais não tem notícias de sua localização não justifica, por si só, a responsabilização do patrimônio dos sócios, não obstante configure início de prova. (1.0024.95.041204-9/001, rel. HELOISA COMBAT, j. 06/10/2005, p. 26/10/2005) - destaquei.

No caso dos autos, verifica-se que há como aplicar a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, uma vez demonstrada a excepcionalidade que a causa reclama.

Há fundadas suspeitas de que a Agravada vem praticando atos que justifiquem a desconsideração da personalidade jurídica, ou seja, prática de infração da ordem econômica, desvio de finalidade ou confusão patrimonial entre sócios e sociedade, conforme 18, da Lei nº 8.884/94 e art. 50, do CC, sendo público e notório o "golpe" promovido pela Agravada que, após receber valores de seus clientes, desapareceu sem deixar representante e prestar contas, sequer recebendo as citações em inúmeras ações igualmente ajuizadas.

Acrescento que o correto é incluir os sócios no pólo passivo da ação de conhecimento que também tem como objeto o pedido de desconsideração da personalidade jurídica, e não na ação de execução. Isto porque na ação ordinária dá-se oportunidade à parte Ré para apresentar defesa, cabendo à parte Autora o ônus da prova. No caso de se promover a desconsideração da personalidade jurídica em fase de execução, restaria ao Executado defender-se por meio de Embargos, atribuindo a este o ônus da prova.

Desta forma, entendo que o procedimento mais adequado é a inclusão dos sócios neste momento processual, para que apresentem suas defesas. E, diante do risco em ver dissipado o patrimônio dos sócios, uma vez que a empresa desapareceu sem deixar representante e sequer é localizada para fins de citação, vejo que é prudente que se garanta a satisfação do eventual crédito da Agravante com a localização e bloqueio dos bens registrados em nome dos sócios VALÉRIO LANA CARDOSO e CARLOS ALBERTO DA SILVA.

Lado outro, verifico que em outras ações há bloqueios que incidem sobre bens dos sócios, no entanto, sem saber sobre quais pesam a restrição, hei por bem deferir pedido de expedição dos ofícios para localização e bloqueio de bens, como requerido pela Agravante, a fim de dar efetividade à tutela requerida.

Este TJMG já apreciou pedido semelhante, em causas que envolvem a mesma parte Agravada:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - RESCISÃO DE CONTRATO - COMPRA DE CONTAINERES E PAGAMENTO DE LOCAÇÃO - DESCUMPRIMENTO - SUPOSTA FRAUDE - TUTELA ANTECIPADA - BLOQUEIO DE NUMERÁRIO - NECESSIDADE - INCLUSÃO DE SÓCIOS NO PÓLO PASSIVO - POSSIBILIDADE. Se há indícios substanciais da ocorrência de fraude no negócio entabulado entre as partes, com a notícia da cessação de atividades da empresa que entabulou o negócio, regular o deferimento de tutela antecipada que visa a resguardar o direito de crédito ameaçado, de parte no negócio, com o bloqueio de numerário eventualmente localizado em disponibilidade da empresa. Havendo, como noticiado, fortes indícios de fraude, imperativa a desconsideração da personalidade jurídica da empresa, em razão do desvio de finalidade, para que sejam incluídos os seus sócios no pólo passivo da demanda, com a extensão dos efeitos do bloqueio determinado. (1.0079.09.932548-6/001, rel. OTÁVIO PORTES, j. 08/07/2009, p. 24/07/2009)

AGRAVO DE INSTRUMENTO - RESCISÃO DE CONTRATO - COMPRA DE CONTAINERES E PAGAMENTO DE LOCAÇÃO - DESCUMPRIMENTO - SUPOSTA FRAUDE - TUTELA ANTENCIPADA - BLOQUEIO DE NUMERÁRIO - NECESSIDADE - INCLUSÃO DE SÓCIOS NO PÓLO PASSIVO - POSSIBILIDADE. - Se há indícios substanciais da ocorrência de fraude no negócio entabulado entre as partes, com a notícia da cessação de atividades da empresa que entabulou o negócio, regular o deferimento de tutela antecipada que visa a resguardar o direito de crédito ameaçado, de parte no negócio, com o bloqueio de numerário eventualmente localizado em disponibilidade da empresa. - Havendo, como noticiado, fortes indícios de fraude, imperativa a desconsideração da personalidade jurídica da empresa, em razão do desvio de finalidade, para que sejam incluídos os seus sócios no pólo passivo da demanda, com a extensão dos efeitos do bloqueio determinado. (1.0079.09.928700-9/001, OTÁVIO PORTES, j. 01/07/2009, p. 17/07/2009)

Desta forma, presentes os requisitos autorizadores para a concessão da liminar, DOU PROVIMENTO AO RECURSO para reformar a decisão agravada e deferir liminarmente pedido de desconsideração da personalidade jurídica para incluir no pólo passivo da demanda os sócios VALÉRIO LANA CARDOSO e CARLOS ALBERTO DA SILVA e determinar a expedição de ofícios para localização e bloqueio de seus bens.

Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): ELPÍDIO DONIZETTI e FABIO MAIA VIANI.

SÚMULA : DERAM PROVIMENTO AO RECURSO.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1.0079.09.927141-7/001

Fonte: TJMG