terça-feira, 4 de agosto de 2015

A promessa de compra e venda

Uma das grandes dúvidas, recorrentes no tema Direito Contratual é, qual é a diferença entre Contrato de Compra e Venda e Compromisso de Compra e Venda?
Primeiramente devemos entender o que é contrato.
Os contratos são espécies fundamentais de negócios jurídicos, haja vista que através destes, transitam as possibilidades de criar, modificar, extinguir ou conservar direitos e obrigações das partes contratantes.
MARIA HELENA DINIZ em seus ensinamentos, afirma que:
o contrato constitui uma espécie de negócio jurídico, de natureza bilateral ouplurilateral, dependendo, para sua formação do encontro da vontade das partes paraser ato regulamentador de interesses privados”.
Alguns elementos essências convergem para formação dos contratos, podendo ser destacados os seguintes:
- capacidade das partes e legitimidade;
- objeto lícito, possível e determinado/determinável;
- vontade livre e boa-fé das partes;
- forma prescrita ou não defesa em Lei.
Além dos elementos acima destacados, o Código Civil Brasileiro e a Constituição Federal elencam alguns aspectos necessários e fundamentais para validade dos negócios jurídicos, que devem ser respeitados notadamente quando tratamos da seara contratual, para que ocorra a preservação da eficácia do negócio.
Com efeito, os citados aspectos são representados pela concorrência do respeito à autonomia das relações privadas, da função social dos contratos (artigo 421 doCódigo Civil), da boa-fé objetiva (artigo 422 do Código Civil) e pela força obrigacional dos contratos (pactasuntservanda), sendo que este último, sofre modulação pelos demais, podendo vir a romper, no caso de uma das partes restar prejudicada pela ocorrência de eventual desequilíbrio contratual.
O contrato continua sendo a garantia de cumprimento da manifestação da vontade das partes, como sempre foi no ordenamento jurídico pátrio e no Direito comparado.
A vigência do novo Código Civil trouxe inovações relativas aos compromissos de compra e venda, contidas nos arts. 1.225, VII, 1.417, e 1.418, ensejando reflexões no confronto com o art. 108 e com dispositivos de leis especiais não expressamente revogadas pelo novel diploma. Exige abordagem, também, a aplicação dos arts. 467 a 471, que cuidam do contrato com pessoa a declarar, às promessas de compra e venda.
A promessa de compra e venda é espécie de contrato através qual uma pessoa, física ou jurídica, denominada promitente ou compromitente vendedora, se obriga a vender a outra, denominada promissária ou compromissária (ou promitente) compradora, bem imóvel por preço, condições e modos pactuados.
A forma do contrato em foco, seus efeitos e sua execução têm sido alvo de diversas discussões doutrinárias, dando origem a diferentes correntes jurisprudenciais e merecendo, outrossim, atenção do legislador, com sucessivas alterações nas normas referentes aos contratos de promessa de compra e venda, culminando com a introdução, no Código Civil de 2002, dos arts. 1.417 e 1.418, que tratam do direito do promitente comprador.
Na vigência do Código Civil de 1.916 prevaleceu o entendimento de que a promessa de compra e venda de bem imóvel poderia ser celebrada, em qualquer hipótese, por instrumento particular.
Não incluído no rol dos direitos reais na legislação então vigente o direito do promitente comprador, acabou por predominar a corrente que defendia não ser o instrumento público da substância do ato.
Afrânio de Carvalho, Registro de Imóveis, Forense, colacionando decisões do Supremo Tribunal Federal admitindo o instrumento particular na hipótese, concluiu que “a promessa de venda com cláusula de irretratabilidade, seja o seu instrumento público ou particular, arma-se, com a inscrição no Registro de Imóveis, para a execução forçada, podendo versar sobre imóvel loteado, incorporado ou livre de loteamento ou incorporação.” O renomado autor, ao historiar o efeito compulsório da promessa de venda em face do vendedor, cita a alteração do art. 22 do Decreto-lei58/37 pela Lei 649/49, que alongou o direito de adjudicação compulsória aos imóveis não loteados, e utilizou o termo “contrato”, enquanto que na redação anterior constava “escritura”, o que permitiu conclusão de que a troca foi intencional, para o fim da dispensa da escritura pública.
Caio Mário da Silva Pereira menciona a controvérsia, a tendência da doutrina e da jurisprudência na aceitação do instrumento particular, mas leciona que “plantado no terreno do direito real de promessa de venda, não se poderia em tese deixar de exigir a forma pública para a sua integração, uma vez que ela é da substância do ato, em todos os contratos constitutivos ou translativos de direitos reais sobre imóveis de valor superior à taxa legal, excetuado o penhor agrícola” (art. 134, II, do CC de 1916) ressalvando a exceção por lei especial quanto aos terrenos loteados.
Wilson de Souza Campos Batalha, em Comentários à Lei de Registros Publicos, Forense, enfrenta a questão aprofundadamente, à luz da legislação anterior à Lei10.406/02. A tese da inexigibilidade do instrumento público nas promessas de venda de imóveis, loteados ou não, e independentemente do valor, vingou no dizer do autor por predominar em nosso Direito “a opinião de que o contrato preliminar ou pré-contrato origina essencialmente uma obrigação de fazer - a de contrair o contrato definitivo.
Quem promete vender não pratica um contrato translativo de domínio, consistindo a obrigação fundamental do promitente num faciendi, não num dandi, aplicando-se à sua formação, por conseguinte, a regra geral da liberdade de forma consagrada no art. 129 do Cód. Civ. – (de 1916).
Ora, se a promessa de venda não é contrato translativo de domínio, não há porque exigir, para a sua perfeição, a escritura pública”. Invocando Orlando Gomes, o autor diferencia a executividade específica e a natureza real do direito do promitente comprador, para rematar que o registro da promessa não é a causa da admissibilidade da execução in specie, resultando do princípio geral que toda obrigação deve ser cumprida como se pactuou, e da irretratabilidade do compromisso. Assim, a adjudicação compulsória derivava da irretratabilidade, e não do registro da promessa, o que acabou consagrado pelo STJ (Súmula 239).
Maria Helena Diniz, em edição atualizada, de acordo com o novo Código Civil, do Curso de Direito Civil Brasileiro, Saraiva, cita a exigência da escritura pública pelo art. 108 do C. C. De 2002, mas assevera que “razões de ordem prática têm levado nossos juízes e tribunais a aceitar sua constituição por instrumento particular, pois a sua insegurança estaria contrabalançada pela exigência do registro no Ofício de Imóveis, para que o compromissário-comprador adquirisse o direito real”.
O advento do novo Código impõe a análise da instrumentalização da promessa sob outros prismas, pois há dispositivos que infirmam argumentos utilizados para sustentar que o instrumento particular é forma admissível para contratar a promessa de compra e venda de qualquer bem imóvel.
O art. 108 da lei vigente é de teor seguinte: “Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem àconstituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a 30 (trinta) vezes o maior salário mínimo vigente no País”.
O direito do promitente comprador é direito real (art. 1.225, VII), que se adquire com o registro (art. 1.227).
À evidência, a promessa de compra e venda visa a constituição de direito real sobre imóvel, e portanto é da substância do ato a escritura pública. A promessa só terá eficácia, que é a aptidão para produzir efeitos (e dentre eles o de constituir direito real pelo registro), se for lavrada por instrumento público, ressalvadas as exceções, que se verão à frente.
O robusto argumento de que a execução da promessa se fincava na irretratabilidade, e não no registro, e portanto útil seria o instrumento particular, caiu por terra ante à conjugação dos arts. 1.417 e 1.418, pois a adjudicação compulsória só pode ser agitada por titular de direito real, que se adquire mediante registro na serventia registral imobiliária. As normas mencionadas levaram à ineficácia a Súmula 239 do STJ, e garantem efetiva segurança às relações jurídicas, pelos motivos expostos anteriormente.
Decorrendo da promessa direito real de aquisição, assegurado estará o contraherefuturo em sendo adimplente o comprador, o que deixa claro que não se trata de obrigação meramente pessoal, posto que há ingresso no campo do direito real, exercitável erga omnes.
A promessa de compra e venda é uma modalidade de contrato muito usual em nossos tempos, que conforme ficou registrado na introdução deste trabalho, encontra-se situada dentro do Código Civil nos artigos 1.417 e 1.418.
É certo ainda, que o direito do promitente comprador encontra-se inserido no rol dos direitos reais de que trata o artigo 1.225 do Código Civil, especificamente em seu inciso VII.
A promessa de compra e venda é, sem dúvidas, um contrato preliminar que objetiva a realização de um futuro contrato de compra e venda.
É importante lembrar, como descreve ORLANDO GOMES que a promessa de venda (compromisso) não deve ser tratada como um contrato preliminar bilateral costumeiro, na medida, que existe expressa previsão legal, de que na inércia do cumprimento do seu objeto, a parte interessada pode reclamá-lo judicialmente, vindo a sentença substituir o contrato definitivo.
Outra característica que a distancia dos tradicionais contratos preliminares é a atribuição ao promitente comprado de um direito real. ORLANDO GOMES indica que:“A promessa de compra e venda identificada por essas peculiaridades seria contrato preliminar impróprio, isto é, negócio jurídico diferente do contrato propriamente preliminar, que verdadeiramente, não consistiria em promessa recíproca de contratar.”
Sendo assim, podemos entender a promessa de compra e venda como verdadeiramente contrato de compra e venda.
A diferença é que nestes instrumentos, poderá haver cláusula de desistência ou irretratabilidade, o que diferencia um de outro contrato, mas não poder ser considerado um contrato preliminar, mas definitivo, mas deve ser registrado.
Estes são os apontamentos traçados por ARRUDA ALVIM que ao comentar o tema, leciona que: “Coloca-se, ainda, no art. 1.225, VII do novo Código Civil, o compromisso de compra e venda como um direito real. Embora não se diga, neste dispositivo, que este compromisso haja de ser inscrito para ser direito real, esta necessidade de inscrição e os próprios requisitos de que se deva revestir este compromisso se encontram expressados no art. 1.417 do vigente Código Civil. Não poderá haver cláusula de arrependimento para que se possa configurar direito real – conjugando-se o art. 1.471 com o 1.225, VII – acabando-se por concluir que deve o compromisso estar inscrito, para ser direito real.”
PABLO STOLZE ao comentar o tema, afirma que:
“trata-se, pois, do direito real conferido ao promitente-comprador de um imóvel, em virtude de um contrato preliminar especial de compra e venda (compromisso de venda), firmado com o promitente-vendedor, sem cláusula de arrependimento, em instrumento público ou particular, e devidamente registrado no Cartório de Registro de Imobiliário.
Por isso, melhor seria colocá-lo em categoria própria, qual seja, de direito real à aquisição da coisa (ad rem), uma vez que não guarda a suficiente identidade com as duas outras categorias (gozo/fruição ou garantia) para o fim de encontra assento em qualquer delas”
É importante observar, que com o passar do tempo, tanto a doutrina como a jurisprudência vêm abandonando a necessidade de registro do compromisso de compra e venda como requisito necessário para assegurar ao promitente comprador o direito de promover execução coativa do contrato, haja vista que o entendimento de que o promitente-vendedor assume uma obrigação de fazer frente ao promitente-comprador.
Quanto a questão de arrepender-se, é simplificada, quando atingir apenas as arras fixadas pelas partes, devendo ser exercido o direito dentro do prazo previsto. Caso não tenha sido fixado prazo para o exercício do arrependimento, PONTES DE MIRANDA esclarece que:
“O direito de arrependimento tem de ser exercido, na dúvida, antes de se cumprir o contrato ou pré-contrato (arrha pacto imperfecto data) ou de se haver iniciado o cumprimento. Se um dos interessados pede a execução, voluntária ou forçada, o outro tem de exercer o direito de arrependimento, perdendo as arras ou restituindo-as em dobro, ou deixar que o direito formativo preclua. O direito de arrependimento do interessado que pediu o cumprimento já precluíra com o pedido mesmo. Também preclui o direito de arrependimento de quem iniciou o cumprimento (não bastam porém simples atos de aprontamento do cumprimento), ou exigir do credor a prática do ato, positivo ou negativo, necessário ao adimplemento.”
Efeitos importantes nascem a partir do registro do compromisso de compra e venda nos Cartórios de Registro de Imóveis, dos quais, pelas linhas sublinhadas neste trabalho, podemos sintetizá-los nos seguintes apontamentos:
a) Invocação do efeito erga omnes, vez que diante do registro do compromisso, viabilizado estará a direito real conferido ao compromissário comprado, dando publicidade a terceiros da alienação ocorrida.
b) Com o registro do compromisso de compra e venda do imóvel, é possível realizar cessão de seus direitos, independentemente do consentimento do compromissário vendedor, preservada a eficácia de direito real do contrato originário, vez que a cessão estará provida de idêntica eficácia.
c) Outra segurança que o registro do compromisso de compra e venda implica, é que no caso de ser decretada a falência do compromissário vendedor, ou mesmo do compromissário comprador, não ocorre a resolução do compromisso diante do estado da declaração do estado de insolvência, sendo o que se extraí da redação do artigo30 da Lei 6.766/79.
d) Como visto alhures, é certo ainda que a partir do registro do compromisso de compra e venda, não existirá qualquer discussão a respeito da possibilidade do compromissário comprador exercitar seu direito à adjudicação compulsória do bem compromissado, já que as divergências se encontram traçadas no campo de quem postula o exercício de adjudicação compulsória, provido de compromisso sem registro no álbum imobiliário.
e) Outro aspecto relevante do registro encontra-se situado na necessidade de notificação do compromissário comprador, no caso de inadimplência, para que seja facultado ao mesmo a possibilidade de purgar a mora dentro do prazo legalmente previsto para a espécie de contratual praticada entre as partes.
F) Relevante ainda recordarmos que com o registro do compromisso, resta configurado o direito de sequela ao compromissário comprador, já que na ausência do registro, longa discussão foi travada a respeito da possibilidade do compromissário comprador exercitar a defesa do bem em sede de bem embargos de terceiro, sendo necessário, inclusive.
Assim, chegamos a importante conclusões acerca da promessa de compra e venda;
1. A promessa de compra e venda é uma modalidade de contrato muito usual em nossos tempos, que conforme ficou registrado na introdução deste trabalho, encontra-se situada dentro do Código Civil nos artigos 1.417 e 1.418.
2. A promessa de compra e venda é, sem dúvidas, um contrato preliminar que objetiva a realização de um futuro contrato de compra e venda.
3. A destacada modalidade contratual, quando celebrada validamente, produz efeito para todas as partes nela figurante, restando um obrigado a vender e o outro obrigado a comprar.
4. O direito do promitente comprador encontra-se inserido no rol dos direitos reais de que trata o artigo 1.225 do Código Civil, especificamente em seu inciso VII.
5. Os atributos da irretratabilidade e a constituição de direito real em beneficio do promitente comprado, são os elemento cruciais para identificação desta modalidade contratual.
6. Tanto a doutrina como a jurisprudência vêm abandonando a necessidade de registro do compromisso de compra e venda como requisito necessário para assegurar ao promitente comprador o direito de promover execução coativa do contrato, haja vista que o entendimento de que o promitente-vendedor assume uma obrigação de fazer frente ao promitente-comprador.
7. O compromisso de compra e venda deve seguir, os requisitos de validade previstos para formação do negócio jurídico (artigo 104 do Código Civil), podendo, ser celebrado por instrumento público ou instrumento particular, cabendo à vontade das partes adotar o modelo mais conveniente ao ato.
8. O compromisso irretratável de compra e venda, por possuir eficácia de direito real, gera a possibilidade de o compromissário comprador exigir a adjudicação compulsória se quitado o preço.
9. Se o compromisso estiver registrado no Cartório de Registro de Imóveis, com o pagamento do preço ajustado, faculta ao compromissário comprador o exercício do direito de promover ação de adjudicação compulsória em face de compromissário comprador, que tramitará pelo rito sumário, que na hipótese de procedência, o Juiz por sentença, outorgará escritura definitiva do imóvel ao compromissário comprador, conforme orienta a dicção do artigo 275, II, g, do Código de Processo Civil.
10. O combate ao arrependimento, registrado na legislação e na doutrina nasceu para afastar a desonesta prática dos loteadores de se arrepender da venda, após o pagamento do preço do bem.
11. Com o registro do compromisso de compra e venda do imóvel, é possível realizar cessão de seus direitos, independentemente do consentimento do compromissário vendedor, preservada a eficácia de direito real do contrato originário, vez que a cessão estará provida de idêntica eficácia.
Assim, chegamos à conclusão da importância da promessa da compra e venda, que possui validade e efetividade como qualquer outro contrato, não sendo mais necessário o seu registro para oposição à terceiros, obrigando o vendedor a vender e o comprador a comprar o bem.
Em resumo, os contratos de compra e venda de imóveis carregam em seu nome a designação "compromisso" ou "promessa" por convencionarem, entre as partes, obrigações futuras para a realização de um contrato definitivo de compra e venda.
Portanto, é contrato preliminar ou pré-contrato através do qual um dos contratantes assume a obrigação de vender o objeto do contrato ao outro contratante que, por sua vez, também assume a obrigação de adquirir esse objeto.
Texto: Bernardo César Coura