A 5ª Vara do Trabalho de Juiz de Fora recebeu a ação civil pública
ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho contra um ex-prefeito de
Juiz de Fora e a Associação Municipal de Apoio Comunitário - AMAC. Por
meio da ação civil pública, o MPT denunciou que a AMAC, apesar da sua
natureza de pessoa jurídica de direito público, adotou a prática de
preencher seu quadro de pessoal sem a realização de concurso público, o
que contraria a legislação que disciplina a matéria. De acordo com as
denúncias do MPT, a AMAC tem realizado intermediação ilícita de mão de
obra em benefício do município de Juiz de Fora. Por essas razões, o
autor reivindicou que sejam declarados nulos os atos de contratação dos
trabalhadores e que seja reconhecida a responsabilidade solidária do
ex-prefeito pelas contratações ilegais, entre outros pedidos. A decisão
da juíza substituta Ana Luíza Fischer Teixeira de Souza Mendonça, que
deu provimento parcial aos pedidos formulados na ACP, teve grande
repercussão na região.
Em resumo, os réus se defenderam alegando
que a AMAC é pessoa jurídica de direito privado, constituída como
associação civil de fins beneficentes e não lucrativos e regida por
normas de direito comum, inclusive quanto à contratação de seus
empregados. Afirmaram que a parceria entre a AMAC e o município de Juiz
de Fora é situação antiga e consolidada, sendo que a decisão da juíza no
sentido de acatar os pedidos do MPT instalaria o caos, na medida em que
interromperia projetos nas áreas da saúde e educação, além de lançar ao
desemprego inúmeros trabalhadores.
Entretanto, esses argumentos
não convenceram a julgadora. Para a análise do caso, ela se baseou
principalmente nos princípios da impessoalidade e da legalidade. Com
base nesses princípios, a magistrada enfatizou que é nulo o ingresso a
cargos e empregos na administração pública se não for atendida a
exigência do concurso público. Sob essa ótica, a julgadora salientou que
a solução do caso depende da conclusão acerca da natureza jurídica da
AMAC.
Examinando as provas juntadas ao processo, a juíza
verificou que a AMAC foi criada pelo município de Juiz de Fora com a
finalidade de atuar, em harmonia com os órgãos da Administração Direta e
Indireta do Município e com as Fundações por ele instituídas, na
programação e no desenvolvimento de atividades de caráter comunitário,
sempre dirigidas para a população de baixa renda ou carente, entre
outros objetivos. Dessa forma, como constatou a magistrada, a AMAC,
desde o seu nascimento, funcionou como verdadeiro braço do Município de
Juiz de Fora, se assemelhando, por isso, a um órgão da prefeitura como
se fosse mesmo resultado de verdadeira desconcentração administrativa.
Assim, de acordo com a conclusão da juíza, a atipicidade formal não
esconde o fato de que a AMAC compõe efetivamente a administração pública
municipal e, mais, possui natureza jurídica de direito público.
Para
confirmar o caráter público da entidade, a magistrada observou que a
sede da Associação foi estabelecida nas dependências da Prefeitura
Municipal. Além disso, a AMAC foi concebida para ser chefiada pelo
prefeito, a quem o superintendente por ele nomeado subordina-se e presta
contas. A ingerência do prefeito pode ser observada também na nomeação e
exoneração de servidores que exercem cargos de comissão. A juíza
verificou ainda que a receita da entidade foi delineada para ser
constituída de dotações consignadas no orçamento do Município de Juiz de
Fora, além de outras fontes.
Tudo isso é apenas uma amostra dos
dados significativos que, na avaliação da juíza, tornam evidentes o
caráter público da entidade. Prova disso também é a atuação do Sindicato
dos servidores públicos municipais - que também é réu no processo - em
defesa dos trabalhadores contratados pela Associação. "Nesse
contexto, e partindo-se de uma interpretação teleológica e sistemática
da Constituição da República, a conclusão inescapável é a de que
entidades como a Associação Ré devem atender aos princípios destacados
no caput do artigo 37, uma vez que mantida pelo patrimônio dos
contribuintes. Inaceitável, diante desse mesmo contexto jurídico,
conceber que a Ré possa ter ampla disponibilidade de numerário público
sem o atendimento aos limites impostos à administração pública", ressaltou a julgadora.
Conforme
declarou a preposta da Associação, dos cerca de 2.100 empregados,
apenas 15 a 20% submeteram-se a processo seletivo. Mas, como reiterou a
juíza, essa situação ilegal não pode continuar, sequer deveria ter sido
iniciada. Por essa razão, a magistrada decidiu que os contratos de
trabalho firmados pela AMAC não precedidos de concurso público decorrem
de atos nulos. E, como a desconformidade com a lei atinge o ato em suas
origens, a anulação produz efeitos retroativos à data em que foi
realizado. Aplicando ao caso o entendimento expresso na Súmula 363 do
TST, a julgadora esclareceu que os servidores em situação irregular
terão direito somente ao pagamento da remuneração pactuada, em relação
ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário
mínimo, além dos valores referentes aos depósitos do FGTS.
A
julgadora rebate o argumento relativo ao desemprego de vários
servidores, pontuando que esses trabalhadores em nada se diferenciam dos
milhões de brasileiros que prestam serviços à iniciativa privada e que
vivem sujeitos ao desemprego involuntário: "É dizer: não há sequer
razão principiológica que justifique a manutenção no emprego daqueles
que se beneficiaram de irregularidade administrativa para obter seu
posto de trabalho e que estão, em verdade, sendo pré-avisados da perda
do emprego com o prazo muito superior àquele aplicável aos contratos de
trabalho regulares", completou.
Quanto à responsabilidade do
ex-prefeito de Juiz de Fora, a magistrada entende que não compete à
Justiça do Trabalho apreciar e julgar a matéria. Isso porque a
Constituição estabelece que as pessoas jurídicas de direito público e as
de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos
danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros,
assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo
ou culpa. Isso significa que as entidades ou órgãos públicos podem ser
ressarcidos dos prejuízos causados por seus agentes, mas essa questão
deve ser examinada pela Justiça Comum.
A juíza explicou que essa
conclusão decorre do próprio princípio da impessoalidade. É que a
responsabilidade da administração pública é, neste caso, objetiva e,
portanto, não ultrapassa a pessoa jurídica pública que desempenhou o ato
e não se confunde com a eventual responsabilidade (esta, subjetiva) do
agente. Por isso, a magistrada entende que o ex-prefeito, na condição de
administrador público que foi, não deve responder pelas ilegalidades em
um processo de natureza trabalhista.
Por esses fundamentos, a
juíza sentenciante acolheu parcialmente os pedidos do MPT para
determinar que a AMAC promova a rescisão de todos os contratos de
emprego formados após 5/10/1988, sem o cumprimento do requisito da
prévia aprovação em concurso público, ressalvadas as contratações para
cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração. Para o
cumprimento desta determinação, diante da quantidade de contratos a
serem rescindidos e também em face das limitações trazidas pela Lei
9.504/97 - considerando-se o fato de que a decisão foi proferida em ano
eleitoral -, a juíza estabeleceu o prazo de um ano, contado a partir do
trânsito em julgado da decisão, para que as rescisões sejam
concretizadas, sob pena de multa de R$ 5.000,00 para cada empregado
encontrado em situação irregular.
A sentença determinou ainda que
a AMAC se abstenha de admitir empregados sem prévia aprovação em
concurso público dotado de critérios objetivos, ressalvadas as
contratações para cargo em comissão (direção, chefia ou assessoramento)
ou os casos de legítima e justificada contratação por tempo determinado.
De acordo com a sentença, a AMAC não poderá promover concursos ou
recrutamentos internos ou mistos para provimento de cargos ou empregos,
nem realizar intermediação ilícita de mão de obra, assim entendida como
aquela destinada a terceirizar suas atividades-fim. Há recurso
aguardando julgamento no TRT mineiro.
Fonte: TRT/MG