sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Prazo de tolerância em contratos imobiliários

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS - CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL - ATRASO NA ENTREGA - PRAZO DE TOLERÂNCIA DE 180 (CENTO E OITENTA) DIAS - PREVISÃO DE MULTA APENAS PARA O ADQUIRENTE DO IMÓVEL EM CASO DE COBRANÇA JUDICIAL - APLICAÇÃO DA MULTA À CONSTRUTORA - INVERSÃO - DESPESAS COM ALUGUEIS - DANOS MATERIAIS E MORAIS EXISTENTES.

Em contrato de promessa de compra e venda de imóvel, a previsão de um prazo de tolerância de 180 (cento e oitenta) dias para a entrega do imóvel é perfeitamente admissível, tendo em vista que não consubstancia um período de tempo irrazoável ou desproporcional.

"[...] Seja por princípios gerais do direito, seja pela principiologia adotada no Código de Defesa do Consumidor, seja, ainda, por comezinho imperativo de equidade, mostra-se abusiva a prática de se estipular penalidade exclusivamente ao consumidor, para a hipótese de mora ou inadimplemento contratual, ficando isento de tal reprimenda o fornecedor - em situações de análogo descumprimento da avença. Assim, prevendo o contrato a incidência de multa moratória para o caso de descumprimento contratual por parte do consumidor, a mesma multa deverá incidir, em reprimenda do fornecedor, caso seja deste a mora ou o inadimplemento. Assim, mantém-se a condenação do fornecedor - construtor de imóveis - em restituir integralmente as parcelas pagas pelo consumidor, acrescidas de multa de 2% (art. 52, § 1º, CDC), abatidos os aluguéis devidos, em vista de ter sido aquele, o fornecedor, quem deu causa à rescisão do contrato de compra e venda de imóvel." (STJ, REsp 955134/SC, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, 28/12/2012).

A existência de cláusulas contratuais prevendo penalidades mais graves para o adquirente do imóvel, no que tange ao pagamento mensal e imediato de encargos moratórios e ao ajuizamento de ação para assegurar o cumprimento do contrato, configura abuso que deve ser afastado pelo Poder Judiciário, para que referidas penalidades se apliquem também à construtora, mantendo-se, pois, o equilíbrio contratual.

O comprador tem direito ao ressarcimento do valor correspondente ao aluguel mensal do imóvel onde reside, uma vez que referida despesa decorre do descumprimento contratual, caracterizado pela injustificada demora na entrega do imóvel habitacional adquirido.

"O demasiado atraso na entrega de um imóvel para o comprador, além de causar indiscutíveis prejuízos de ordem financeira, acarreta, de modo evidente, um dano moral, que decorre da grave frustração advinda do fato de se ter quitado um imóvel, confiando na idoneidade da empresa construtora, e de não se poder para ele se mudar, em razão de injustificado atraso na conclusão da obra." (TJMG, Apelação Cível n° 1.0024.10.279905-3/004, Rel. Des. Evandro Lopes da Costa Teixeira).

Primeiro recurso provido em parte; segundo recurso não provido.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0145.12.018827-4/001 - COMARCA DE JUIZ DE FORA - 1º APELANTE: NEOVANDER APARECIDO TEODORO DE ALMEIDA - 2º APELANTE: API SPE 26 PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO DE EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁR - APELADO(A)(S): API SPE 26 PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO DE EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁR, NEOVANDER APARECIDO TEODORO DE ALMEIDA, ASACORP EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES S/A

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 10ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em DAR PARCIAL PROVIMENTO AO PRIMEIRO RECURSO E NEGAR PROVIMENTO AO SEGUNDO.

DES. VEIGA DE OLIVEIRA

RELATOR.

DES. VEIGA DE OLIVEIRA (RELATOR)

V O T O

Trata-se de apelações interpostas por NEOVANDER APARECIDO TEODORO DE ALMEIDA (1º Apelante) e API SPE 26 - PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO DE EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA. (2ª Apelante) contra sentença do Meritíssimo Juiz da 8ª Vara Cível da comarca de Juiz de Fora, proferida nos autos da ação de obrigação de fazer c/c indenizatória por danos materiais e morais ajuizada pelo 1º Apelante contra a 2ª Apelante e Asacorp Empreendimentos e Participações S/A.

Em sua sentença, o douto Juiz primevo suscitou, de ofício, preliminar de ilegitimidade passiva da parte Asacorp Empreendimentos e Participações S/A., julgando, quanto a ela, o processo extinto, sem resolução de mérito, condenando o 1º Apelante ao pagamento de 20% (vinte por cento) das custas do processo.

De outro norte, julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados pelo 1º Apelante para (fls. 102/103):

1) fixar a "pena convencional de 0,5% do preço da unidade, por mês ou fração de mês de atraso, à vista, nos termos da cláusula sexta, XXII, a ser posteriormente apurada e exigível 05 dias úteis após a entrega da unidade";

2) condenar a 2ª Apelante a pagar ao 1º Apelante a quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a título de compensação por danos morais, atualizada pelos índices da Corregedoria-Geral de Justiça, a partir da data da prolação da sentença, e acrescidos de juros de 1% (um por cento) ao mês contados da data do evento danoso, qual seja, novembro de 2011, prazo final para a entrega do imóvel;

3) condenar a 2ª Apelante a restituir ao 1º Apelante os valores por ele despendidos a título de alugueis referentes aos meses de novembro de 2011, data prevista para a entrega do imóvel, dezembro de 2011 e janeiro e fevereiro de 2012, cada qual no valor de R$ 390,00 (trezentos e noventa reais), atualizados pelos índices da Corregedoria-Geral de Justiça e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, a partir dos respectivos desembolsos.

Por fim, condenou a 2ª Apelante ao pagamento de 50% (cinqüenta por cento) das custas processuais e honorários advocatícios fixados em 20% (vinte por cento) sobre o valor total e atualizado da condenação, condenando o 1º Apelante a arcar com o restante das custas do processo e honorários advocatícios de 10% (dez por cento) sobre o valor total e atualizado da condenação.

O 1º Apelante pleiteia a reforma da sentença para que sejam julgados procedentes seus demais pedidos, quais sejam:

1) determinar a entrega imediata da unidade habitacional do 1º Apelante, com expedição de mandado de imissão na posse;

2) declarar a nulidade da cláusula contratual que institui a carência/tolerância do prazo de entrega pactuado;

3) majorar a cláusula penal para 1% (um por cento) sobre o valor atualizado do imóvel, determinando-se que seja paga de forma mensal;

4) inverter a multa prevista na cláusula nona, V, em benefício do 1º Apelante;

5) condenar a 2ª Apelante ao pagamento dos danos materiais referentes aos alugueis desde a data de entrega pactuada, qual seja, maio de 2011, até a data da efetiva entrega;

6) majorar o valor fixado a título de compensação por danos morais, fixando-o em quantia acima de R$ 20.000,00 (vinte mil reais).



A 2ª Apelante, por seu turno, pede a reforma da sentença para que sejam julgados improcedentes os pleitos iniciais relativos à indenização por danos materiais e compensação por danos morais. Sucessivamente, pede a diminuição do valor fixado a título de compensação por danos morais.

Intimada, a 2ª Apelante apresentou contrarrazões, suscitando preliminar de não conhecimento do recurso e, no mérito, rebatendo os argumentos expendidos pelo 1º Apelante, pugnando pelo desprovimento do recurso.

O 1º Apelante não apresentou contrarrazões, conquanto devidamente intimado.

É este, em epítome, o relatório. Decido.

Conheço dos recursos, uma vez que se encontram presentes os pressupostos de admissibilidade.

A 2ª Apelante suscita, em suas contrarrazões, preliminar de não conhecimento do recurso interposto pelo 1º Apelante, em virtude de ausência de fundamentação e de ataque às razões presentes na sentença.

A preliminar improcede.

As razões recursais do primeiro apelo deixam clara a insurgência do 1º Apelante contra os pontos da sentença que lhe foram desfavoráveis, e foram devidamente apontados os fundamentos de fato e de direito que amparam suas pretensões recursais.

Sem maiores delongas, rejeito a preliminar.

Passa-se à análise da primeira apelação, interposta por NEOVANDER APARECIDO TEODORO DE ALMEIDA, em relação aos itens "a", "b", "c" e "d" elencados em sua peça recursal (fls. 113), no tocante à imediata entrega do imóvel, à cláusula que prevê prazo de tolerância para entrega do imóvel, ao encargo moratório e à multa por necessidade de cobrança em Juízo. Os demais itens serão analisados em conjunto com a segunda apelação, uma vez que tratam da mesma matéria referente aos danos materiais e morais que o 1º Apelante alega ter suportado.

Inicialmente, salienta-se que no caso dos autos não restam dúvidas de que se aplicam os benefícios do CDC, uma vez que se trata de relação de consumo, ante a aquisição ou utilização pelo 1º Apelante de produto ou serviço como destinatário final, nos termos do caput do artigo 2o, bem como do § 2o, do artigo 3o, todos do referido Diploma Legal.

Dessa forma, em sendo aplicável o Código de Defesa do Consumidor, é permitida a revisão das cláusulas contratuais pactuadas, ante o fato de que o princípio do pacta sunt servanda, há muito, vêm sofrendo mitigações, mormente diante dos princípios da boa-fé objetiva, da função social dos contratos e do dirigismo contratual. O princípio do pacta sunt servanda não pode servir de escudo à prevalência de estipulações leoninas, não sendo motivo a impedir que o Judiciário declare a ineficácia de eventuais cláusulas abusivas.

Desse modo, tem-se que merece acolhida o pedido do 1º Apelante relativo à entrega imediata da unidade habitacional adquirida.

É incontroverso que, até a presente data, a 2ª Apelante não entregou ao 1º Apelante o imóvel objeto do contrato firmado entre as partes. A 2ª Apelante não nega, em suas razões recursais, que o 1º Apelante está em dia com suas obrigações contratuais e que ainda não lhe entregou o imóvel em comento.

Ora, se o 1º Apelante cumpriu e cumpre com as obrigações contratuais assumidas, deve a 2ª Apelante também proceder ao cumprimento de suas obrigações, especialmente no tocante à entrega do imóvel, cujo termo para cumprimento já foi alcançado há mais de ano.

Assim, a 2ª Apelante deve ser compelida a entregar ao 1º Apelante, imediatamente, o imóvel por ele adquirido, sob pena de incidir o encargo moratório previsto no contrato firmado entre as partes, conforme será exposto a seguir.

Em relação ao pleito de declaração de nulidade da cláusula contratual que institui prazo de tolerância para a entrega do imóvel, sem razão o 1º Apelante.

Conforme bem observado pelo Juiz primevo, tem-se que a previsão no contrato de promessa de compra e venda pactuado entre as partes acerca da existência de um prazo de tolerância de cento e oitenta (180) dias para a entrega do imóvel (Cláusula Sexta, item VII - fls. 25) é perfeitamente admissível, tendo em vista que não consubstancia um período de tempo irrazoável ou desproporcional.

O Eg. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, quando do julgamento da apelação de n° 70048800296, de relatoria da Em. DES.ª LIÉGE PURICELLI PIRES ao decidir sobre questão idêntica, inclusive com o mesmo prazo de tolerância, assim se manifestou:

"Os autores, em suas razões recursais, sustentam que deve ser desconsiderado o prazo de tolerância previsto no contrato quanto à entrega do imóvel, declarando-se nula tal cláusula (9.1), haja vista que, na qualidade de consumidores, foram vinculados à oferta no sentido de que o bem lhes seria entregue em outubro de 2009. Requerem seja este o marco inicial considerado para fins de incidência dos encargos moratórios fixados na sentença.

Não lhes assiste razão quanto a tal aspecto.

Apesar de efetivamente vinculada a oferta no sentido de que o imóvel seria entregue em outubro de 2009, os autores consentiram com a previsão do prazo de tolerância de 180 dias previsto na cláusula n. 9.1 do pacto (fl. 38).

Tal previsão contratual está redigida em letras grandes, foi alcançado o contrato aos autores, tanto que o acostaram à inicial, e não se vê qualquer abusividade, pois é sabida dificuldade do ramo da construção quanto à mão de obra e dias que não se mostram úteis para o trabalho. É normal, portanto, que haja um prazo de tolerância para fins de entrega do imóvel. Esperar o contrário seria realmente ótimo, mas infelizmente não é a realidade brasileira. Correto o construtor, portanto, ao não iludir o consumidor e prever, no pacto com ele firmado, que pode ser elastecido o prazo para a entrega.

Por tais motivos, não há ofensa ao art. 30 do Código de Defesa do Consumidor, pois o prazo de outubro de 2009 integrou o contrato, assim como o prazo de tolerância de 180 dias. Tampouco há falar em ofensa ao art. 54, §4º, do mesmo Diploma, pois as cláusulas acerca da possibilidade de tolerância estão redigidas em título com destaque ('IX. A CONSTRUÇÃO E O PRAZO DA OBRA'), permitindo sua imediata e fácil compreensão pelo consumidor."



Portanto, não há que se falar em abusividade do item VII, da cláusula sexta, que prevê um prazo de tolerância para a entrega do imóvel de cento e oitenta (180) dias.

No que tange à majoração da cláusula penal - fixada a favor do 1º Apelante, em caso de mora da 2ª Apelante - para 1% (um por cento) sobre o valor atualizado do imóvel, determinando-se o seu pagamento mensal por parte da 2ª Apelante, e inversão da multa prevista na cláusula nona, item V, em benefício do 1º Apelante, conclui-se que razão lhe assiste em parte.

O percentual fixado a título de cláusula penal não deve ser alterado. É de se ver que os encargos moratórios previstos para cada uma das partes - cláusula segunda, item XV, em caso de mora do 1º Apelante, e cláusula sexta, item XXII, em caso de mora da 2ª Apelante - foram estabelecidos de forma equilibrada, observando-se que cada qual é calculado tendo como base quantias diversas. Ao fim e ao cabo, os valores eventualmente devidos por uma ou outra parte, em caso de mora, mostram-se razoáveis e suficientes para atingir o fim a que se destinam.

Da leitura da cláusula segunda, item XV, vê-se que os juros moratórios, a multa e a correção monetária que incidiriam caso o 1º Apelante atrasasse os pagamentos teriam como base de cálculo o valor das parcelas em atraso. Vale dizer, se o valor da parcela for de R$ 220,36 (duzentos e vinte reais e trinta e seis centavos), conforme apontado pelo 1º Apelante às fls. 07, os juros de 1% (um por cento) ao mês, a multa de 2% (dois por cento) e a correção monetária seriam calculados em relação a esse valor, sendo de fácil constatação que o montante que seria pago pelo 1º Apelante a título de encargos moratórios se mostraria razoável e adequado.

De outro norte, o encargo moratório previsto na cláusula sexta, item XXII, para o caso de não entrega do imóvel pela 2ª Apelante depois de transcorrido o prazo de tolerância, foi fixado em 0,5% (meio por cento) sobre o preço da unidade, ou seja, sobre R$ 76.000,01 (setenta e seis mil reais e um centavo). Mais uma vez, constatasse facilmente que o montante que seria pago pela 2ª Apelante ao 1º Apelante, em caso de sua mora, seria razoável e adequado.

Não obstante, a parte final da cláusula sexta, item XXII, prevendo que o encargo moratório a ser eventualmente pago pela 2ª Apelante somente seria exigível cinco (05) dias úteis após a entrega da unidade, mostra-se iníqua, abusiva, sendo certo que os encargos moratórios devidos pelo 1º Apelante seriam cobrados e exigidos tão logo se configurasse a sua mora, inseridos nas parcelas subseqüentes devidas por ele.

Finalmente, quanto à inversão da multa prevista no item V, da Cláusula Nona, tem-se que é devida, por clara ofensa ao inciso XII, do artigo 51, do Código de Defesa do Consumidor.

Quanto às conclusões dos dois parágrafos imediatamente anteriores a este, mister salientar que, em recente decisão publicada em 29/08/2012, a 4ª Turma do Colendo Superior Tribunal de Justiça proferiu, de forma unânime, decisão de relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão que considerou abusiva a previsão de penalidade apenas ao consumidor, no caso de mora ou inadimplemento contratual, ficando isento de qualquer reprimenda o fornecedor.

A ementa do referido acórdão ficou assim redigido:

"DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. RESCISÃO POR CULPA DA CONSTRUTORA (VENDEDOR). DEFEITOS DE CONSTRUÇÃO. ARBITRAMENTO DE ALUGUÉIS EM RAZÃO DO USO DO IMÓVEL. POSSIBILIDADE. PAGAMENTO, A TÍTULO DE SUCUMBÊNCIA, DE LAUDO CONFECCIONADO EXTRAJUDICIALMENTE PELA PARTE VENCEDORA. DESCABIMENTO. EXEGESE DOS ARTS. 19 E 20 DO CPC. INVERSÃO DE CLÁUSULA CONTRATUAL QUE PREVIA MULTA EXCLUSIVAMENTE EM BENEFÍCIO DO FORNECEDOR, PARA A HIPÓTESE DE MORA OU INADIMPLEMENTO DO CONSUMIDOR. POSSIBILIDADE.

1. Apesar de a rescisão contratual ter ocorrido por culpa da construtora (fornecedor), é devido o pagamento de aluguéis, pelo adquirente (consumidor), em razão do tempo em que este ocupou o imóvel. O pagamento da verba consubstancia simples retribuição pelo usufruto do imóvel durante determinado interregno temporal, rubrica que não se relaciona diretamente com danos decorrentes do rompimento da avença, mas com a utilização de bem alheio. Daí por que se mostra desimportante indagar quem deu causa à rescisão do contrato, se o suporte jurídico da condenação é a vedação do enriquecimento sem causa. Precedentes.

2. Seja por princípios gerais do direito, seja pela principiologia adotada no Código de Defesa do Consumidor, seja, ainda, por comezinho imperativo de equidade, mostra-se abusiva a prática de se estipular penalidade exclusivamente ao consumidor, para a hipótese de mora ou inadimplemento contratual, ficando isento de tal reprimenda o fornecedor - em situações de análogo descumprimento da avença. Assim, prevendo o contrato a incidência de multa moratória para o caso de descumprimento contratual por parte do consumidor, a mesma multa deverá incidir, em reprimenda do fornecedor, caso seja deste a mora ou o inadimplemento. Assim, mantém-se a condenação do fornecedor - construtor de imóveis - em restituir integralmente as parcelas pagas pelo consumidor, acrescidas de multa de 2% (art. 52, § 1º, CDC), abatidos os aluguéis devidos, em vista de ter sido aquele, o fornecedor, quem deu causa à rescisão do contrato de compra e venda de imóvel.

3. Descabe, porém, estender em benefício do consumidor a cláusula que previa, em prol do fornecedor, a retenção de valores a título de comissão de corretagem e taxa de serviço, uma vez que os mencionados valores não possuem natureza de cláusula penal moratória, mas indenizatória.

4. O art. 20, caput e § 2º, do Código de Processo Civil enumera apenas as consequências da sucumbência, devendo o vencido pagar ao vencedor as "despesas" que este antecipou, não alcançando indistintamente todos os gastos realizados pelo vencedor, mas somente aqueles "endoprocessuais" ou em razão do processo, quais sejam, "custas dos atos do processo", "a indenização de viagem, diária de testemunha e remuneração do assistente técnico". Assim, descabe o ressarcimento, a título de sucumbência, de valores despendidos pelo vencedor com a confecção de laudo extrajudicial, mediante a contratação de perito de sua confiança. Precedentes.

5. Recurso especial parcialmente provido." (STJ, REsp 955134 / SC, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, 28/12/2012).



Extrai-se o seguinte excerto do voto:

"4. No que concerne à cláusula contratual que previa reprimenda por mora/inadimplemento apenas em benefício do vendedor/fornecedor, para abarcar a hipótese de mora do comprador/consumidor, apenas em parte assiste razão à recorrente.

4.1. De fato, não se percebe, pela literalidade das disposições do Código de Defesa do Consumidor (CDC), regra expressa que preveja a inversão, em benefício do consumidor, de cláusula penal que amparava com exclusividade o fornecedor.

Não obstante, o espírito do Codex, de forma eloquente, informa ser imperiosa a adoção dessa providência.

Cumpre ressaltar, primeiramente, que o Código de Defesa do Defesa optou por fórmulas abertas para a nunciação das chamadas 'práticas abusivas' e 'cláusulas abusivas', lançando mão de um rol meramente exemplificativo para descrevê-las.

Daí a menção não exauriente contida nos arts. 39 e 51:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas [...];

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que [...].

As técnicas de interpretação do Código de Defesa do Consumidor devem levar em conta o art. 4º daquele diploma, o qual contém uma espécie de lente pela qual devem ser examinados os demais dispositivos, notadamente por estabelecer os objetivos da política nacional das relações de consumo e princípios que devem ser respeitados - dentre os quais se destacam, no que interessa ao caso concreto, a 'harmonia das relações de consumo' e o 'equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores'.

O magistério de Eros Roberto Graus explicita bem a forma pela qual devem ser entendidos os objetivos e princípios adotados pelo CDC, sobretudo, no artigo 4º:

[...] eu diria que o art. 4º do Código de Defesa do Consumidor é uma norma-objeto, porque define os fins da política nacional das relações de consumo, quer dizer, ela define resultados a serem alcançados. Todas as normas de conduta e todas as normas de organização, que são as demais normas que compõem o Código do Consumidor, instrumentam a realização desses objetivos, com base nos princípios enunciados no próprio art. 4º. Para que existem, por que existem essas normas? Para instrumentar a realização dos fins definidos no art. 4º. Assim, todas as normas de organização e conduta contidas no Código do Consumidor, devem ser interpretadas teleologicamente, finalisticamente, não por opção do intérprete, mas porque essa é uma imposição do próprio Código. O que significa isso? Sabemos que a interpretação não é uma ciência, é uma prudência. Nela chegamos a mais de uma solução correta, tendo de fazer uma opção por uma delas do de fazer uma opção por uma delas. A circunstância de existirem normas-objeto que determinam a interpretação de normas de organização e de conduta estreita terrivelmente a possibilidade dessa opção, porque a única interpretação correta é aquela que seja adequada à instrumentação da realização dos fins, no caso, os fins estipulados no art. 4º do CDC. (GRAU, Eros Roberto. Direito do consumidor: fundamentos do direito do consumidor. Cláudia Lima Marques e Bruno Miragem (org.). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, Coleção doutrinas essenciais, v. I), pp. 165-166, sem grifo no original).

A par da exigência de que as relações entre consumidores e fornecedores sejam equilibradas (art. 4º, inciso III), tem-se também como um direito básico do consumidor a 'igualdade nas contratações' (art. 6º, inciso II) e outros direitos não previstos no CDC, mas que derivem 'dos princípios gerais de direito' e da 'equidade' (art. 7º).

Não fosse o bastante, o art. 51, ao enumerar algumas cláusulas tidas por abusivas, deixa claro que nos contratos de consumo deve haver reciprocidade de direitos entre fornecedores e consumidores, mostrando-se abusivas, por exemplo, as cláusulas contratuais que:

IX - deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor;

XI - autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor;

XII - obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor;

Relevante notar também que a Portaria n. 4, de 13.3.1998, da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça (SDE/MJ) previu como abusivas as cláusulas que: '6- estabeleçam sanções em caso de atraso ou descumprimento da obrigação somente em desfavor do consumidor'.

Ressalte-se, por outro lado, que as disposições contidas em normas infralegais, por expressa disposição do CDC, inserem-se na categoria de outros direitos 'decorrentes [...] de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes' (art. 7º, CDC).

E o próprio Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 1.990/DF, que impugnava o Decreto n. 2.181/97 e a Portaria n. 3, de 19.3.1999, da SDE/MJ, sufragou a tese de ser possível a existência de novas cláusulas abusivas acrescentadas ao sistema consumerista pelo legislador infraconstitucional - como foi o caso do mencionado Decreto e das Portarias da SDE/MJ -, não havendo se falar, segundo o entendimento do STF, de ofensa ao texto constitucional (ADI 1990/DF, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Tribunal Pleno, julgado em 5/5/1999, DJ 25-6-1999).

Finalmente, ressalto que essa tendência é mundial, de se exigir reciprocidade entre as penalidades impostas ao consumidor e ao fornecedor, tendo sido adotada na Diretiva n. 93/13, do Conselho da Comunidade Econômica Européia (CEE), de 5.4.93, nos termos do art. 1º, alínea 'd', do Anexo:

1. Cláusulas que têm como objetivo ou como efeito:

[...]

d) Permitir ao profissional reter montantes pagos pelo consumidor se este renunciar à celebração ou execução do contrato, sem prever o direito de o consumidor receber do profissional uma indenização de montante equivalente se for este a renunciar.

4.2. Com efeito, seja por princípios gerais do direito, ou pela principiologia adotada no Código, seja, ainda, por comezinho imperativo de equidade, mostra-se abusiva a prática de se estipular penalidade exclusivamente ao consumidor, para a hipótese de mora ou inadimplemento contratual, ficando isento de tal reprimenda o fornecedor - em situações de análogo descumprimento da avença.

Assim, prevendo o contrato a incidência de multa moratória para o caso de descumprimento contratual por parte do consumidor, a mesma multa deverá incidir, em reprimenda do fornecedor, caso seja deste a mora ou o inadimplemento."



Dessa forma, deverá a 2ª Apelante estar sujeita também à incidência e possibilidade de cobrança mensal da penalidade a ela imposta pela cláusula sexta, item XXII, desde a data em que deveria ter entregue o imóvel ao 1º Apelante até a data de sua efetiva entrega, além de ser compelida ao pagamento da multa de 10% (dez por cento) um virtude de ter descumprido cláusulas contratuais e de ter sido necessário ao 1º Apelante ingressar em Juízo para exigir o seu cumprimento por parte da 2ª Apelante.

Passa-se, agora, à análise dos recursos de ambas as partes no que tange aos danos materiais e morais que o 1º Apelante alega ter suportado. Os danos materiais guardam relação com os alugueis de imóvel residencial pagos pelo 1º Apelante em virtude da não entrega do imóvel na data pactuada, e os danos morais se vinculam ao longo e injustificado atraso dessa entrega.

No que tange aos danos materiais, em sintonia com a orientação jurisprudencial do Colendo Tribunal Superior, deve a 2ª Apelante ressarcir ao 1º Apelante o valor correspondente ao aluguel custeado em razão do descumprimento do contrato. A razão para o pagamento dessa indenização é a mesma dos casos em que o comprador pleiteia lucros cessantes, vendo-se impossibilitado de locar seu imóvel em virtude do atraso injustificado da vendedora. Em ambos os casos, há perdas materiais ocasionadas por descumprimento contratual da vendedora do imóvel.

Nesse sentido:

"DIREITO CIVIL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL EM CONSTRUÇÃO. INADIMPLEMENTO PARCIAL. ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL. MORA. CLÁUSULA PENAL. PERDAS E DANOS. CUMULAÇÃO. POSSIBILIDADE.

1.- A obrigação de indenizar é corolário natural daquele que pratica ato lesivo ao interesse ou direito de outrem. Se a cláusula penal compensatória funciona como pre-fixação das perdas e danos, o mesmo não ocorre com a cláusula penal moratória, que não compensa nem substitui o inadimplemento, apenas pune a mora.

2.- Assim, a cominação contratual de uma multa para o caso de mora não interfere na responsabilidade civil decorrente do retardo no cumprimento da obrigação que já deflui naturalmente do próprio sistema.

3.- O promitente comprador, em caso de atraso na entrega do imóvel adquirido pode pleitear, por isso, além da multa moratória expressamente estabelecida no contrato, também o cumprimento, mesmo que tardio da obrigação e ainda a indenização correspondente aos lucros cessantes pela não fruição do imóvel durante o período da mora da promitente vendedora.

4.- Recurso Especial a que se nega provimento." (REsp 1355554/RJ - RECURSO ESPECIAL 2012/0098185-2 - Relator: Ministro Sidnei Beneti - Órgão Julgador: T3 - Terceira Turma do STJ - Data do Julgamento: 06/12/2012).



Logo, restando incontroverso o descumprimento contratual pela 2ª Apelante, o que impôs e impõe ao 1º Apelante despesas afetas à locação de imóvel residencial, é devida a condenação da 2º Apelante o pagamento ao 1º Apelante, a título de indenização por danos materiais, dos aluguéis por ele despendidos desde o mês subseqüente ao prazo de tolerância de cento e oitenta (180) dias, contados após a data prevista para entrega do imóvel, qual seja, 31 de novembro de 2011 (fls. 19), até a data em que se efetivar a entrega do imóvel adquirido.

Os valores dos alugueis pagos pelo 1º Apelante deverão ser calculados em fase de liquidação, sendo certo que a apresentação dos comprovantes de pagamento na contestação ou junto com a petição recursal não influenciam no julgamento do mérito da ação e dos recursos.

Finalmente, quanto aos danos morais, tem-se que não assiste razão a nenhuma das partes.

O dano moral pode ser conceituado de maneira simples e precisa como sendo aquele que provoca uma lesão a um direito da personalidade. Assim, o dano moral, independentemente de prejuízo material, fere direitos personalíssimos, isto é, todo e qualquer atributo que individualiza cada pessoa, tal como a liberdade, a honra, dignidade, a vida íntima e privada, além da atividade profissional, a reputação, as manifestações culturais e intelectuais, entre outros.

O dano é ainda considerado moral quando os efeitos da ação, embora não repercutam na órbita de seu patrimônio material, originam angústia, dor, sofrimento, tristeza ou humilhação à vítima, trazendo-lhe sensações e emoções negativas. É o que se convencionou chamar de dano moral puro.

Embora, em regra, o inadimplemento contratual não permita o reconhecimento de dano moral, no caso concreto verifica-se que o 1º Apelante não sofreu apenas mero aborrecimento, tendo em vista que o atraso injustificado da obra inviabilizou a efetiva utilização do imóvel por um longo período, fazendo com que ele adiasse seus planos de mudança e continuasse pagando alugueis de imóvel residencial.

Nesse sentido já se pronunciou o Em. Relator Evandro Lopes da Costa Teixeira no julgamento da apelação cível 1.0024.10.279905-3/004, nos seguintes termos:

"No que concerne à indenização por danos morais, o STJ tem entendimento pacificado de que o simples descumprimento de contrato não enseja o dano extrapatrimonial.

Também é sabido que o mero dissabor não pode ser alçado ao patamar do dano moral.

No entanto, no caso em exame, não se trata de simples descumprimento de contrato de que tenha decorrido mero dissabor.

Isso porque a propriedade, em nosso ordenamento jurídico, está atrelada a uma função social, sendo de conhecimento comum que o brasileiro, em especial da sofrida classe média, sonha com a casa própria para nele residir com sua família, para isso envidando todos os esforços.

Por essa razão, o demasiado atraso na entrega de um imóvel para o comprador, além de causar indiscutíveis prejuízos de ordem financeira, acarreta, de modo evidente, um dano moral, que decorre da grave frustração advinda do fato de se ter quitado um imóvel, confiando na idoneidade da empresa construtora, e de não se poder para ele se mudar, em razão de injustificado atraso na conclusão da obra.

Por conseqüência, em casos como o dos autos, é forçoso reconhecer a ocorrência do dano moral."



Portanto, resta caracterizada situação ensejadora do dano moral passível de compensação.

Com relação ao quantum fixado a título de danos morais, entende este Relator que o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) se coaduna com os danos morais sofridos pelo 1º Apelante, levando-se em consideração a proporcionalidade e razoabilidade, a fim de suprir o caráter punitivo-pedagógico do dano moral, não se afigurando, pelo seu montante, como exagerado a ponto de se constituir em fonte de renda, já que tem o nítido caráter compensatório.

Ex positis, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao primeiro apelo, determinando à 2ª Apelante que proceda à entrega imediata da unidade habitacional adquirida pelo 1º Apelante, condenando-a a pagar ao 1º Apelante a quantia de 0,5% (meio por cento) do preço da unidade, por mês ou fração de mês de atraso, desde a data de 31 de novembro de 2011 até a data da entrega do imóvel adquirido por ele, determinando que os valores são e serão exigíveis pelo 1º Apelante a cada mês em que a 2ª Apelante esteve e estiver em mora. Para tanto, declaro a nulidade da parte final da cláusula sexta, item XXII, no que tange à data de exigibilidade desses valores.

Condeno a 2ª Apelante a pagar ao 1º Apelante a quantia de 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado do contrato, em observância à cláusula nona, item V, do contrato firmado entre as partes, tendo-se em vista que ele precisou ingressar em Juízo para assegurar o cumprimento do contrato por parte dela.

Finalmente, condeno a 2ª Apelante a pagar ao 1º Apelante os valores de todos os alugueis que foram e vierem a ser comprovadamente pagos por ele, relativos ao imóvel residencial que precisou alugar em virtude da não entrega do imóvel em comento na data final estabelecida no contrato. Esses valores são devidos a partir da data de 31 de novembro de 2011 até a data da efetiva entrega do imóvel adquirido pelo 1º Apelante, e deverão ser calculados em sede de liquidação.

De outro norte, NEGO PROVIMENTO à segunda apelação.

Tendo-se em vista a sucumbência recíproca das partes, maior da 2ª Apelante, condeno-a ao pagamento de 80% (oitenta por cento) das custas e despesas processuais e recursais, e honorários de sucumbência no importe de 20% (vinte por cento) do valor total da condenação.

O 1º Apelante deverá arcar com 20% (vinte por cento) das custas e despesas processuais e recursais, e com honorários de sucumbência no percentual de 10% (dez por cento) do valor total da condenação, podendo ser operada a compensação.

DESA. MARIÂNGELA MEYER (REVISORA) - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. PAULO ROBERTO PEREIRA DA SILVA - De acordo com o(a) Relator(a).

SÚMULA: "PRIMEIRO RECURSO PROVIDO EM PARTE; SEGUNDO RECURSO NÃO PROVIDO"

Fonte: TJMG