Empregados que desempenham funções incompatíveis com a fixação e
fiscalização do horário de trabalho ficam excluídos do regime de duração
de jornada. Em consequência, não terão direito ao recebimento de horas
extras. A exceção também se aplica àqueles que ocupam cargos de
confiança, com padrão salarial diferenciado. É o que está expresso no
artigo 62 da CLT.
Essa questão veio à tona em julgado recente da
9ª Turma do TRT de Minas, no qual o gerente de vendas de uma
concessionária de veículos pleiteou o recebimento de horas extras. E
obteve sucesso em 1º grau, já que o juiz, conjugando as contradições na
defesa com o fato de o estatuto social da ré prever que apenas o
presidente e o vice-presidente detinham capacidade de gestão efetiva dos
negócios, afastou a excludente do artigo 62, II, da CLT e condenou a
empregadora ao pagamento de horas extras. Protestando contra a
condenação, a concessionária invocou novamente, em seu favor, essa norma
de exceção, afirmando que o ex-empregado ocupava cargo de confiança,
com poder de mando e gestão, com salário mais elevado que os demais
trabalhadores a ele subordinados.
Ao relatar o recurso da empresa,
a desembargadora Mônica Sette Lopes explicou que há uma confusão na
compreensão do sentido do art. 62, II, da CLT: as pessoas que se
enquadram neste padrão de exceção do regime geral de limitação de
jornada normalmente dedicam à empresa muito mais tempo que o empregado
ordinário. Segundo ponderou, a importância desse profissional para a
gestão das diversas áreas da empresa é tanta, que eles podem ser
acessados a qualquer hora, mesmo quando não estejam no estabelecimento
e, lá estando, é comum que sejam os primeiros a chegar e os últimos a
sair. Portanto, o fato de não assinarem ponto é irrelevante porque há
uma demanda do tempo deles que pode ser percebida na própria atividade. E
nem é preciso que eles decidam sobre todas as questões. Como exemplo,
citou que admitir e demitir empregados é uma tarefa como qualquer outra,
executada segundo parâmetros técnicos, e, por isso, ela não define, por
si só, a natureza do cargo. Também não se exige que esses empregados de
confiança estejam no ponto mais alto da estrutura hierárquica: eles
podem, simplesmente, exercer atividades de gestão. A característica
fundamental para que se configure o gestor de confiança é que este seja
remunerado de forma substancialmente alta em relação à empresa e também
em relação aos padrões de mercado.
E, no caso, a desembargadora
constatou que o empregado, de fato, exercia um cargo de confiança, já
que alegou ter sido admitido na função de gerente de vendas, tendo uma
equipe de vendedores sob o seu comando. A média remuneratória declarada
foi de R$5.200,00. A conclusão da julgadora foi de que ele se
enquadrava na exceção do artigo 62, II, da CLT, em razão do seu padrão
remuneratório diferenciado. Ela esclareceu que o fato de os vendedores
receberem comissões em valores superiores ao gerente é razoável em
determinada época do ano, levando em consideração o ramo de negócios da
empresa. Mas essa circunstância não impede que se reconheça que o
empregado ocupava um ponto destacado da estrutura hierárquica da ré,
estando subordinado apenas ao Diretor Comercial, um dos seus sócios.
Ressaltou a relatora que o teor do estatuto social da empresa não exclui
o poder desse Diretor quanto à capacidade de gerir a pasta de vendas,
sendo a natureza de suas atividades diversa dos diretores estatutários.
De
acordo com a relatora, o que conta, no caso, é que o regime jurídico do
empregado tem sua regulação peculiar, que inclui o tratamento da
limitação de jornada:"Ainda que a testemunha ouvida informe os
horários de trabalho do reclamante, não há discrepância nisso. Qualquer
trabalhador, de que nível for, tem o seu horário habitual de presença no
estabelecimento da empresa. Como se afirmou, para o art. 62, II da CLT,
não se impõe como pressuposto a ausência de controle de jornada, até
porque é normal que os chefes mais bem remunerados permaneçam parte
significativa do dia na empresa. Poder-se-ia até admitir que esse tempo
de permanência do exercente de cargo em confiança fosse registrado. Se
ele receber valor de salário acima do padrão, a ele se aplica o art. 62,
II da CLT. Se isso não ocorrer, pouco importa o fato de não registrar
jornada", esclareceu, registrando que o patamar salarial do gerente
de vendas, cujo pagamento de salário não contabilizado foi reconhecido
em juízo, fixa sua situação jurídica na faixa de exclusão do regime
geral de limitação de jornada.
"Há uma consonância
interpretativa que conjuga esses dois pontos. O resultado seria outro se
não se fixasse a extensão remuneratória que decorre da prova. O autor
tinha posição diferenciada compatível com o previsto no art. 62, II da
CLT", finalizou a desembargadora, dando provimento ao recurso da
empresa para excluir da condenação as horas extras. O entendimento foi
acompanhado pelos demais julgadores da Turma.
Fonte: TRT/MG