segunda-feira, 31 de março de 2014

Atraso na entrega de imóvel

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS MATERIAIS E MORAIS C/C MULTA CONTRATUAL- DANOS MATERIAIS - PAGAMENTO DE ALUGUÉIS DESPENDIDOS PELOS APELADOS - POSSIBILIDADE - MULTA CONTRATUAL - QUESTÃO ANALISADA NA SENTENÇA PRIMEVA- DANOS MORAIS CARACTERIZADOS- VALOR RAZOÁVEL. 1. Demonstrados gastos a título de aluguéis, em momento posterior à data prevista para a entrega do imóvel, são eles devidos, a título de danos materiais.2. desnecessário analisar o pedido de aplicação da cláusula VI, inciso XXII do contrato, visto que a sentença primeva já dispõe nesse sentido. 3. O atraso na entrega do imóvel e a clara despreocupação em cumprir com o avençado no contrato gera muito mais do que meros dissabores, tratando-se de dano moral indenizável. 4. O valor arbitrado pelo juiz sentenciante é razoável, já que não torna os apelados mais ricos pelo seu recebimento, mas por outro lado, atinge os cofres do promovido, repercutindo na sua contabilidade, a fim de que se atente e cumpra o seu dever de propiciar segurança nos serviços que oferece.5. Negado provimento ao recurso.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0145.12.050261-5/001 - COMARCA DE JUIZ DE FORA - APELANTE(S): API SPE 26 PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO DE EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIO - APELADO(A)(S): CARMEN LUCIA BENTO FERNANDES, SILAS LEONARDO DE OLIVEIRA SOUZA E OUTRO(A)(S) - INTERESSADO: PDG REALTY S/A EMPREENDIMENTOS E PARTICIAÇÕES

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 11ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.

DESA. MARIZA DE MELO PORTO

RELATORA.

DESA. MARIZA DE MELO PORTO (RELATORA)

V O T O

I - RELATÓRIO

1. Cuida-se de APELAÇÃO interposta por API SPE 26 Planejamento e Desenvolvimento de Empreendimentos Imobiliários Ltda da sentença (fl. 169/174) proferida nos autos da Ação de Indenização por perdas e danos materiais e morais c/c multa contratual, proposta por Silas Leonardo de Souza e Carmen Lúcia Bento Fernandes, que julgou parcialmente procedente o pedido inicial, "para condenar a parte ré a pagar à autora a importância de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) a título de danos morais, bem como, por danos materiais, o montante correspondente aos valores gastos com o pagamento dos aluguéis a partir de 27 de novembro de 2011 até a entrega do imóvel, valor a ser apurado em liquidação, mediante a apresentação dos recibos pela parte autora". Condenou, ainda, o réu "ao pagamento da pena convencional, nos termos da cláusula VI, inciso XXII do contrato de compra e venda firmado entre as partes". (fl. 174)

2. Aduz o apelante, em síntese, que: a) - não há previsão contratual acerca do pagamento de aluguéis mensais em razão do atraso na entrega do imóvel e, portanto, não é possível a referida condenação; b) - deve ser aplicada a multa contratual prevista na cláusula 6ª, XXII, no percentual de 0,5% (meio por cento) do preço da unidade, a partir de dezembro de 2011 até a efetiva entrega do imóvel; c) - é incabível a condenação por danos morais; d) - se eventualmente, for mantida a condenação por danos morais, deve o quantum indenizatório ser minorado.

3. Contrarrazões às fls. 205/208, pugnando pela manutenção da sentença.

4. Sem interferência obrigatória da Procuradoria-Geral da Justiça.

5. Preparo à fl. 201.

É o relatório.

II - JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE

6. Vistos os pressupostos de admissibilidade, conheço da APELAÇÃO.

III - DO MÉRITO

a) Danos materiais

7. Ab initio, o apelante questiona a obrigação do pagamento de aluguéis mensais, em decorrência do atraso na entrega do imóvel, haja vista que não há previsão contratual acerca da referida mensalidade.

8. Verifica-se da sentença primeva que o apelante foi condenado a ressarcir os aluguéis suportados pelos apelados a partir de 27 de novembro de 2011 até a data de efetiva entrega do imóvel.

9. Constata-se da leitura dos autos que a razão dessa condenação encontra-se no atraso de entrega do imóvel, que estava previsto para ser entregue no dia 31/05/2011, contendo o contrato uma cláusula de tolerância de 180 dias, vencendo, portanto no dia 27/11/2011. (cláusula sexta- inciso VII - fl. 20).

10. Feita o resumo fático passemos a análise da validade da penalidade imposta pela sentença a quo.

11. Tenho para mim que a referida obrigação imposta é logicamente válida, porquanto o apelante não cumpriu com o contrato realizado, de forma que, os apelados, que teriam o seu próprio imóvel em, no máximo, novembro de 2011, viram tal prazo postergar-se indefinidamente, e por via de consequência, foram obrigados a continuar arcando com o valor dos aluguéis, apesar de terem cumprido com todos os deveres inerentes ao pacto firmado. Nesse sentido:

APELAÇÃO CÍVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ATRASO NA ENTREGA DE UNIDADE HABITACIONAL. FATO SUFICIENTEMENTE COMPROVADO. Demonstrado a extrapolação do prazo de entrega da unidade habitacional, devidamente ajustado no contrato, possível a indenização por prejuízos materiais. Fatores externos, como dificuldade na liberação de financiamento da obra por instituição financeira, relacionam-se com os riscos do empreendimento, não podendo a empreendedora dividir esses riscos com o promissário comprador. ALUGUÉIS. GASTOS A ESTE TÍTULO DEMONSTRADOS. Demonstrados gastos a título de aluguéis, em momento posterior à data prevista para a entrega do imóvel, são eles devidos, a título de danos materiais. MULTA CONTRATUAL. PENALIDADE INCIDENTE. PREVISÃO NO PACTO FIRMADO. RECURSO DE APELAÇÃO DESPROVIDO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70056952872, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Pedro Celso Dal Pra, Julgado em 28/11/2013)

12. Quanto ao mais, o apelante não apresentou nos autos qualquer fato extraordinário que tivesse o condão de justificar o atraso na entrega do imóvel, se restringindo a afirmar que as obras estavam atrasadas. Vejamos:

"Superada a preliminar acima, e atenção ao princípio da eventualidade e realização da ampla defesa e do contraditório, no que tange os argumentos despendidos pelos Autores de que o prazo limite para entrega do imóvel venceu em maio/2011, e ainda por estarem as obras muito atrasadas, inviabilizou sua entrega na data correta, cumpre esclarecer o seguinte.

A data da entrega do imóvel estipulada no contrato estava prevista para 31.05.2011, havendo, porém um prazo de carência de 180 dias. A obra está sendo finalizada, com previsão de entrega para dezembro/2012, no entanto estava pendente a emissão do HABITE-SE, procedimento já em adiantado estado de formalização final." (contestação - fl. 75/76)

13. Ainda nesse sentido, afirma o juiz de primeiro grau:

"Ademais, as reclamações referentes aos atrasos na entrega das habitações são fatos notórios nesta cidade, dando ensejo, à atuação do Ministério Público, na figura do Promotor de Justiça de Defesa do Consumidor, Plínio Lacerda, com a realização de audiência pública, em 11 de setembro de 2011, na Agência de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon), o que demonstra a proporção tomada pelo descumprimento contratual levado a efeito pela parte ré."(sentença - fl. 173)

14. Portanto, comprovados os danos materiais sofridos, deve o valor dos aluguéis ser ressarcido aos apelados, nos termos da sentença primeva.

b) Multa moratória

15. Dispõe a cláusula VI, iniciso XXII do contrato:

CLÁUSULA SEXTA - ENTREGA DO IMÓVEL E CONSTRUÇÃO

XXII - Fica pactuado que se a PROMITENTE VENDEDORA não concluir as obras do empreendimento até a data estipulada no ÌTEM 5, da folha de rosto, observado ainda o prazo de carência/tolerância descrito no subitem VII, acima, desta cláusula, pagará aos PROMISSÀRIOS COMPRADORES, à titulo de pena convencional, uma multa de 0,5% (meio por cento) do preço da unidade, à vista, conforme descrito no ÍTEM 3, também da folha de rosto, por mês ou fração de mês de atraso, sendo que o eventual valor apurado, somente será exigível 5 (cinco) dias úteis após a entrega da unidade.

16. Nesse diapasão, pugna o apelante "pela reforma da r. sentença, devendo assim ser aplicado a multa contratual prevista na cláusula VI, XXII, no percentual de 0,5% (meio por cento) do preço da unidade, à vista, a partir de dezembro de 2011, ATÉ A DATA DA EFETIVA ENTREGA DO IMÓVEL. (fl. 192)

17. Ocorre que esse pedido não necessita de análise, visto que a decisão de primeiro grau já se posiciona dessa mesma forma, senão vejamos:

"Com relação ao pedido de aplicação de multa prevista na cláusula VI, inciso XXII do contrato de compra e venda pactuado, verifico que seu acolhimento também se impõe.

Desse modo, consoante jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça, faz-se possível a cumulação de tal penalidade com indenização por perdas e danos, arcando a parte inadimplente com o ônus de seu descumprimento contratual, a fim de ressarcir os prejuízos causados ao credor. (sentença - fl. 171)

E mais:

Condeno, ainda, ao pagamento da pena convencional, nos termos da cláusula VI, inciso XXII do contrato de compra e venda firmado entre as partes (sentença - fl. 174)

18. Portanto, desnecessário analisar o pedido de aplicação da cláusula VI, inciso XXII do contrato, visto que a sentença primeva já dispõe nesse sentido.

c) Danos morais

19. Inicialmente, visando analisar o cabimento da indenização por danos morais no caso em voga, hei por bem transcrever um trecho elucidador da sentença a quo:

"No que concerne ao dano moral, embora este Juízo tenha considerado indevida o recebimento de indenização em casos semelhantes, evoluiu no sentido a seguir exposto, alterando sua percepeção.

Com efeito, tal mudança de entendimento tem como base os inúmeros processos, frutos de fatos idênticos aos versados nos presentes autos, que tramitam perante este Juízo, bem como a reiteração da conduta da ré em não cumprir com os prazos pactuados nos contratos para a entrega das unidades habitacionais adquiridas.

Ademais, as reclamações referentes aos atrasos na entrega das habitações são fatos notórios nesta cidade, dando ensejo, inclusive, à atuação do Ministério Público, na figura do Promotor de Justiça de Defesa do Consumidor, Plínio Lacerda, com a realização de audiência pública, em 11 de setembro de 2011, na Agência de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon), o que demonstra a proporção tomada pelo descumprimento contratual levado a efeito pela parte ré."

20. Resta claro que a atitude da apelante quanto ao descumprimento do prazo para entrega do imóvel é reiterada, dando ensejo, inclusive à mudança de posicionamento do juízo primevo.

21. Sendo assim, se fosse um caso isolado, no qual houvesse comprovação com razões fáticas dos motivos do atraso, poderia o douto julgador eximir o apelante da responsabilidade. Todavia, face aos repetidos casos de descumprimento contratual, percebe-se que o apelante não está diligenciando de forma a cumprir com os deveres contratuais pactuados.

22. Reforçando a negligência do apelante, nota-se que já existe no contrato a cláusula de tolerância, tendo em mente os riscos elevados de atrasos no caso de obras. Entrementes, o apelante não entregou o imóvel sequer no decurso desse prazo, e conforme a peça contestatória, a previsão de entrega era dezembro de 2012, ou seja, mais de um ano e meio do prazo inicialmente previsto.

23. Indo além, não restam dúvidas acerca do dano moral sofrido pelos apelados que compraram o imóvel próprio, cumpriram com seus deveres contratuais e mesmo assim, viram-se impossibilitados de adentrar no bem, por descumprimento unilateral da parte apelante.

24. Sabe-se que, nos dias atuais, o imóvel próprio é o sonho da maioria das famílias brasileiras que, muitas vezes, comprometem grande parte de sua renda e, por via de consequência, vivem uma fase de instabilidade financeira, visando cumprir com as parcelas do financiamento do imóvel.

25. Entendo que o atraso na entrega do imóvel e a clara despreocupação em cumprir com o avençado no contrato gera muito mais do que meros dissabores, tratando-se de dano moral indenizável. Nesse sentido:

APELAÇÃO CÍVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. SENTENÇA EXTRA PETITA E ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM AFASTADAS. EMPREENDIMENTO IMOBILIÁRIO. ATRASO NA ENTREGA. EQUILÍBRIO CONTATUAL RESTABELECIDO MEDIANTE ADITIVO CONTRATUAL. CORREÇÃO MONETÁRIA PELO INCC ATÉ ENTREGA DO IMÓVEL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CABIMENTO. QUANTUM FIXADO MAJORADO (...) V. Dano moral. Presente o nexo causal entre a omissão da vendedora e a angústia, ansiedade e transtornos experimentados pelo comprador, decorrentes do atraso injustificado da obra, de ser reconhecida a existência de dano extrapatrimonial. VI. Quantum indenizatório. O quantum indenizatório deve ter o condão de prevenir, de modo que o ato lesivo não seja praticado novamente, bem como deve possuir um caráter pedagógico. Deve-se atentar, ainda, em juízo de razoabilidade, para a condição social da vítima e do causador do dano, da gravidade, natureza e repercussão da ofensa, assim como um exame do grau de reprovabilidade da conduta do ofensor, e de eventual contribuição da vítima ao evento danoso. Majoração do valor fixado a título de danos morais. DERAM PARCIAL PROVIMENTO AOS APELOS. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70057293706, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liege Puricelli Pires, Julgado em 30/01/2014)

26. Então, reconhecido o dano moral, passo a analisar o quantum indenizatório, que há de ser fixado com moderação, visto que não pode propiciar um enriquecimento sem causa, mas deve apenas servir como uma compensação proporcional em face da ofensa recebida.

27. Tal condenação deverá ter o efeito de produzir no causador do mal um impacto econômico capaz de dissuadi-lo a praticar novo ato atentatório à dignidade da vítima. Deve ainda representar uma advertência ao lesante, de modo que possa receber a resposta jurídica aos resultados do ato lesivo.

28. Acrescento que, ao contrário do que alega o apelante, o quantum indenizatório não ultrapassou os limites do razoável. Tenho para mim que os valores arbitrados com o intuito de coibir o abuso e o poderio de tais instituições financeiras não estão atingindo sua finalidade, haja vista a quantidade de ações semelhantes que se multiplicam neste tribunal.

29. O objetivo da indenização é impedir que tais empresas não persistam em sua conduta negligente, mas pode ser que não estejamos tendo sucesso, pois, ao que tudo indica, os valores estão dentro das margens de perdas dessas instituições, que insistem diuturnamente em tais condutas.

30. Assim, o valor arbitrado pelo juiz sentenciante é razoável, já que não torna os apelados mais ricos pelo seu recebimento, mas por outro lado, atinge os cofres do promovido, repercutindo na sua contabilidade, a fim de que se atente e cumpra o seu dever de propiciar segurança nos serviços que oferece.

IV - DISPOSITIVO

31. POSTO ISSO, NEGO PROVIMENTO À APELAÇÃO e mantenho, integralmente, a sentença de primeiro grau.

32. Nos termos do art. 20, §1º do CPC, custas pelo apelante.

É o voto.



DES. PAULO BALBINO (REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. MARCOS LINCOLN - De acordo com o(a) Relator(a).



SÚMULA: "NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO"


Fonte: TJMG