A ação pauliana – processo movido pelo credor contra devedor
insolvente que negocia bens que seriam utilizados para pagamento da
dívida numa ação de execução – não pode prejudicar terceiros que
adquiriram esses bens de boa-fé. Assim, na impossibilidade de desfazer o
negócio, a Justiça deve impor a todos os participantes da fraude a
obrigação de indenizar o credor pelo valor equivalente ao dos bens
alienados.
O entendimento foi firmado pela Quarta Turma do
Superior Tribunal de Justiça (STJ) em julgamento de recurso relatado
pelo ministro Luis Felipe Salomão. A controvérsia foi suscitada pelos
compradores de três terrenos negociados pela empresa Alfi Comércio e
Participações Ltda. A venda dos imóveis havia sido anulada pelo Tribunal
de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), em ação pauliana ajuizada pelo
Banco do Brasil.
No caso julgado,
ficou constatada fraude contra o banco, credor de dívidas no valor de R$
471.898,21 oriundas de cédulas de crédito industrial contratadas em
1995 pela Pregosul Indústria e Comércio Ltda., cuja falência foi
decretada.
Segundo os autos, um casal de fiadores da Pregosul deu
os imóveis em pagamento à Companhia Siderúrgica Belgo Mineira. Depois,
dentro de um acordo judicial, ficou acertada a devolução dos imóveis.
Porém, a pedido do casal, em vez de retornarem para seu patrimônio
pessoal, os bens foram transferidos pela Belgo Mineira à empresa Alfi
Comércio e Participações, constituída apenas dois meses antes em nome da
filha do casal. Por fim, a Alfi vendeu os imóveis a terceiros.
Conforme
constatado pelas instâncias ordinárias, a Alfi foi criada
especificamente para receber a propriedade dos imóveis e evitar que tais
bens ficassem sujeitos a penhora na execução das dívidas.
Na
primeira instância, a ação pauliana do Banco do Brasil foi julgada
procedente, para anular todos os atos jurídicos fraudulentos e declarar
sem eficácia a venda dos imóveis pela Alfi aos últimos adquirentes,
mesmo reconhecendo que estes agiram de boa-fé. De acordo com as
conclusões do juiz, a Belgo Mineira sabia da situação do casal e teve
participação ativa na fraude.
Quanto aos últimos compradores, o
juiz afirmou que teriam de buscar indenização por perdas e danos em ação
própria. O TJRS manteve a decisão.
Em
recurso ao STJ, os compradores alegaram, entre outros pontos, que os
imóveis foram adquiridos “na mais cristalina boa-fé” de uma empresa que
não possuía qualquer restrição, ônus ou gravame; e que a transação foi
cercada de todas as cautelas e formalizada com auxílio e orientação de
corretor de imóveis, o que impediria a anulação do negócio.
Com
base em precedentes e doutrina sobre o instituto da fraude contra
credores, o ministro Luis Felipe Salomão afirmou que os últimos
compradores, cuja boa-fé foi reconhecida na sentença, não poderiam ser
prejudicados pelo desfazimento do negócio.
Segundo o ministro,
como houve alienação onerosa do bem, a solução adotada pelo TJRS
contrariou dispositivo legal que estabelece que, anulado o ato, as
partes serão restituídas ao estado em que antes se encontravam, e não
sendo isso possível, o credor será indenizado no valor equivalente.
“Em
concordância com o decidido no Recurso Especial 28.521, relatado pelo
ministro Ruy Rosado, cabe resguardar os interesses dos terceiros de
boa-fé e condenar os réus que agiram de má-fé”, destacou o relator em
seu voto.
Salomão lembrou que, naquele caso, o STJ aplicou por
analogia o artigo 158 do Código Civil de 1916, vigente à época dos fatos
(correspondente ao artigo 182 do código atual), para concluir que, se o
autor da ação pauliana pediu a anulação dos atos fraudulentos, o que
ele pretende em essência é recompor o patrimônio do devedor.
“Inviabilizado o restabelecimento do status quo ante,
pela transferência do bem a terceiro de boa-fé, inatingível pela
sentença de procedência do pedido, entende-se que o pleito compreendia
implicitamente a substituição do bem pelo seu equivalente”, disse o
ministro. Nesses casos, acrescentou, cabe condenar todos os que agiram
de má-fé a indenizar o autor da ação pauliana, porque contribuíram para a
insolvência do devedor.
Assim, de forma unânime, a Turma deu
parcial provimento ao recurso dos compradores, para condenar o casal de
fiadores, a Alfi e a Belgo Mineira a indenizar o Banco do Brasil pelo
valor equivalente aos imóveis transmitidos em fraude contra o credor, a
ser apurado em liquidação.
Fonte: Direito net