O direito de preferência do locatário, previsto pela Lei 8.245/91
(Lei do Inquilinato), também tem aplicação na hipótese em que a
alienação do imóvel locado ocorre como parte do plano de recuperação
judicial da empresa proprietária.
A decisão é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ),
ao julgar recurso em que se discutia a possibilidade de venda direta do
imóvel, quando aprovada pelos credores no plano de recuperação judicial e
homologada em juízo.
A conclusão da Turma é que a venda ocorrida no âmbito do plano de
recuperação da empresa locadora não caracteriza a venda judicial a que
se refere o artigo 32 da Lei do Inquilinato. Por isso, deve ser
respeitado o direito de preferência do locatário, previsto no artigo 27.
O artigo 27 da lei garante o direito de preferência do locatário na
aquisição do imóvel, mas o artigo 32 dispõe que essa preferência não
alcança a venda por decisão judicial. A Turma entendeu, no caso julgado,
que permanece o direito de preferência e que a contagem do prazo
decadencial para seu exercício deve ter início com a ciência inequívoca
de todas as condições definitivas do negócio.
O caso envolve o prédio onde funciona o Hotel Sofitel, na avenida
Atlântica, em Copacabana, Rio de Janeiro. O imóvel pertence à Veplan
Hotéis e Turismo S/A, empresa em processo de recuperação judicial, e é
alugado à Nova Riotel Empreendimentos Hoteleiros Ltda., que há 15 anos
administra o hotel no local.
Conforme relatado no recurso interposto no STJ, o conselho de
credores aprovou a alienação do imóvel por preço mínimo de R$ 170
milhões, como parte do plano de recuperação judicial da Veplan. O
negócio foi acertado diretamente com uma terceira empresa, ao preço de
R$ 184 milhões.
O juízo da recuperação entendeu que essa proposta poderia não ser a
melhor e determinou que o imóvel fosse a leilão. A decisão foi
contestada no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), que vetou a
realização do leilão e homologou a venda negociada diretamente. Logo
depois de lavrada a escritura de compra e venda, a Nova Riotel
reivindicou o direito de preferência.
O juízo de primeira instância reconheceu a preferência da locatária,
mas o TJRJ reformou a decisão para afastar esse direito e manter a venda
direta. Para o tribunal estadual, a venda foi feita por decisão
judicial, o que afastaria o direito de preferência previsto na Lei do
Inquilinato.
Em seu recurso para o STJ, a locatária alegou que não se tratou de
venda por decisão judicial, pois o negócio entabulado diretamente entre a
Veplan e os compradores decorreu da vontade exclusiva das partes,
enquanto na venda judicial não há manifestação de vontade do
proprietário.
Além disso, afirmou que, na venda judicial, o procedimento de
alienação é público, o que lhe possibilitaria participar do leilão. A
locatária afirmou que a perda do seu direito de preferência afronta o
artigo 47 da Lei 11.101/05 (Lei de Recuperação Judicial e Falência),
tendo em vista que teria oferecido proposta mais vantajosa.
Segundo o relator no STJ, ministro João Otávio de Noronha, o conteúdo
do plano de recuperação é proposição do próprio devedor, negociada com
os credores. A modalidade de venda direta ali realizada, disse Noronha,
encontra respaldo no artigo 145 da Lei 11.101, que prevê homologação do
juiz para a alienação aprovada pelos credores. Isso, acrescentou, não
converte a alienação na venda por decisão judicial de que trata o artigo
32 da Lei 8.245.
“Ainda que tal venda possa ter sido a única alternativa para tornar
viável o plano de recuperação da empresa, não se pode afirmar que
decorre de decisão judicial. Note-se que, a teor do parágrafo 3º do
artigo 56 da Lei 11.101, qualquer alteração no plano que fosse aprovada
na assembleia de credores dependeria de anuência do devedor. Portanto,
sua manifestação de vontade em momento algum é subtraída ou
desrespeitada pelos credores ou mesmo pelo juiz”, afirmou Noronha.
Para o ministro, a “venda por decisão judicial”, apontada no artigo
32 da Lei do Inquilinato como hipótese de exceção ao direito de
preferência do locatário, “abrange aqueles casos em que a alienação do
bem decorre da vontade soberana do estado, seja no bojo de uma execução
forçada, seja no bojo de um procedimento de jurisdição voluntária, porém
decorrente de uma exigência legal”.
Com o provimento do recurso, a Terceira Turma reconheceu o direito de preferência da locatária na aquisição do prédio.
Fonte: Direito net