Uma das situações mais nebulosas enfrentadas pelos juízes
trabalhistas surge quando eles têm de decidir se a situação real vivida
pelas partes caracteriza o contrato de representação comercial ou se é,
de fato, uma relação de emprego mascarada. A distinção entre os dois
contratos é tênue e forma a chamada "zona cinzenta" da seara
trabalhista, que incomoda aplicadores do Direito e de
quantos juristas se debrucem sobre o assunto.
A solução para o dilema
parece estar mesmo na análise de um quesito essencial: a presença ou não
de autonomia, por parte do trabalhador/representante, na execução do
objeto do contrato. Se ficar provada a subordinação do contratado ao
esquema empresarial da contratante (como, por exemplo, o estabelecimento
de rotas e metas de vendas), estará caracterizada a relação de emprego,
ainda que o trabalhador tenha sido contratado como pessoa jurídica.
Recentemente,
um tormentoso caso desses bateu à porta da 1ª Vara do Trabalho de Belo
Horizonte. E, depois de uma exaustiva instrução, em que considerou
minuciosamente os depoimentos de várias testemunhas e os detalhes do
contrato em questão, o juiz João Alberto de Almeida entendeu provada a
relação de emprego e descaracterizou o contrato de representação
comercial firmado entre um grupo paulista fabricante de acessórios de
moda e a empresa constituída em nome do reclamante.
"O contrato
típico de trabalho tem pontos em comum com o de representação
comercial, tais como: pessoalidade, não eventualidade e onerosidade. O
de representação também mostra certo grau de subordinação do
representante ao representado, eis que o primeiro deve prestar contas
sobre o andamento dos negócios, observar os preços e instruções do
segundo (artigos 28 e 29 da Lei 4.886/65). Porém, não pode apresentar o
grau de subordinação da relação de emprego, sob pena de afronta ao
artigo 9º da CLT", registrou o juiz. E, dito isso, se lançou a um exame minucioso sobre a realidade do contrato em questão.
O
julgador constatou que o reclamante tinha empresa de representação
aberta em seu nome e celebrou com a reclamada contrato de representação
comercial. Mas ele trabalhava sozinho, sem nenhum empregado, e não podia
se fazer substituir. Além do contato por telefones e emails, recebia
visitas constantes do supervisor da reclamada na região. Para as
visitas, ele elaborava o roteiro que era acompanhado diariamente pelo
gerente. Uma testemunha afirmou que os representantes "tinham certa autonomia, desde que seguissem as normas de política financeira, área de atuação e roteiro fixado pelo supervisor".
A própria testemunha da ré informou que era interessante para o
representante perseguir o parâmetro de vendas traçado pela empresa, já
que ele recebe premiação em razão do atingimento de metas. Por sua vez, o
gerente regional disse que a desídia do representante se caracteriza,
quando por 03 meses consecutivos ou 06 meses alternados, ele não
corresponde às vendas. O contrato do reclamante foi rompido justamente
porque ele não cumpriu as metas e houve até reclamações de clientes.
Diante desse panorama, o juiz concluiu provada a existência de relação de emprego entre as partes. "O
reclamante prestava serviços subordinado aos supervisores da reclamada,
que, inclusive, fiscalizavam seu trabalho, principalmente, através de
e-mail e telefone, bem como na escolha de seus roteiros e clientes e no
seu rendimento de suas vendas", frisou.
Segundo pontuou o
magistrado, o fato de o reclamante prestar serviços através de empresa
da qual é sócio não o torna verdadeiro empresário, já que a situação
vivida está longe de caracterizar posição de comando e autonomia na
condução de seus negócios. Ele considerou que o modo de prestação dos
serviços deixam evidente que ele não possuía qualquer liberdade ou poder
de decisão quanto aos negócios, dependendo em tudo do comando da ré.
Assim,
ele se convenceu de que o reclamante não era representante comercial
autônomo, mas, sim, empregado da reclamada. Por isso, condenou ré a
anotar a CTPS do autor e julgou procedentes os pedidos de aviso prévio,
férias com 1/3, repousos semanais e FGTS de todo o período, com multa de
40%.
Ao analisar o recurso da empresa, na 1ª Turma do TRT-MG, confirmou a decisão, por maioria de votos.
Fonte: TRT/MG