Um reclamante que trabalhava como ajudante geral numa empresa do ramo
da construção civil procurou a Justiça do Trabalho requerendo a
rescisão indireta do seu contrato de trabalho. Alegou atraso no
pagamento dos salários e descumprimento das obrigações contratuais pela
empregadora. Combatendo sua tese, a ré argumentou que ele pediu demissão
e que recebeu tudo o que lhe era devido, com apenas alguns atrasos nos
salários. O caso foi analisado pela juíza Maria José Rigotti Borges, em
exercício na 4a Vara do Trabalho de Uberlândia. Após constatar que o
trabalhador era analfabeto, ela concluiu pela nulidade do pedido de
demissão que havia sido assinado por ele. A magistrada observou ainda
que a ré atrasou o pagamento dos salários em quase todos os meses do
contrato, além de não ter comprovado os depósitos regulares do FGTS na
conta vinculada do empregado. Por essas razões, julgou procedente o
pedido de rescisão indireta do contrato e condenou a empresa no
pagamento das parcelas decorrentes.
A empresa apresentou o
pedido demissão assinado pelo trabalhador. Mas o advogado dele sustentou
que o reclamante não conhecia o conteúdo do documento que assinou
porque não sabe ler, sendo capaz apenas de escrever o próprio nome. Ao
prestar depoimento, o empregado confirmou esses fatos. Disse que foi
informado de que seria dispensado e que "acertariam as contas",
recebendo um papel para assinar. Mas, nas palavras do trabalhador, "ele
não sabia o que estava assinando porque não sabe ler". Buscando
averiguar a verdade, a magistrada pediu, na própria audiência, que o
reclamante lesse determinado texto, quando, então, ele respondeu: "não tenho leitura não".
Conforme
observou a juíza, o preposto da empresa sustentou que o trabalhador, na
contratação, escondeu que era analfabeto, tendo, inclusive, apresentado
uma declaração de escolaridade exigida pela empresa na época, feita do
seu próprio punho. Mas, a magistrada determinou que a ré apresentasse o
documento e, ao examiná-lo, notou que ele revelava exatamente o
contrário do afirmando pela empresa: "Somente é possível entender,
com algum esforço, alguns números, a data e a assinatura, sendo as
demais partes escritas prova absoluta de que o Reclamante não sabe
escrever e, por consequência, como de regra, não sabe ler", ponderou. Nesse quadro, a condição de analfabeto do trabalhador ficou clara para a julgadora.
Ela
explicou que, apesar de a CLT tratar da validade de recibo dado pelo
empregado analfabeto (art. 464), a lei é omissa quanto ao procedimento
adequado no caso de pedido de demissão do analfabeto, antes que complete
um ano de serviço. Entretanto, é possível encontrar uma série de normas
legais que visam a resguardar o direito dos analfabetos, diante da
dificuldade que possuem para expressar livremente a sua vontade, ou
mesmo pelo fato de que podem ser induzidos a erro, conforme esclareceu a
magistrada. Como exemplo, ela citou o artigo 595 do Código Civil, que
estabelece que o contrato de prestação de serviço poderá ser assinado
por duas testemunhas, quando qualquer das partes não souber ler, nem
escrever.
Assim, diante da evidente condição de analfabeto do
trabalhador, a empresa deveria ter tido o cuidado de solicitar a
presença de testemunhas, ou mesmo a assistência sindical, quando efetuou
a rescisão do contrato, frisou a juíza. Como isso não foi feito, ela
concluiu pela nulidade do suposto "pedido de demissão" do reclamante.
Além do mais, o documento consistiu apenas em formulário digitado e
pré-constituído, com um "X" na opção "indenizarei o aviso prévio" e a
assinatura do empregado, o que, para a julgadora, reforçou ainda mais a
conclusão de que o "pedido de demissão" não traduziu a real vontade do
trabalhador.
"Pelo princípio da boa-fé que deve reger as
relações contratuais, em especial a relação trabalhista, cuja assimetria
é patente notadamente em face de empregado analfabeto, deveria a
Reclamada ter proporcionado condições para que o trabalhador tivesse
pleno conhecimento do conteúdo do documento que estava assinando, assim
como das consequências do seu ato, como forma de preservar a higidez na
manifestação de vontade do empregado", ponderou a magistrada, que
também estranhou o fato de o "pedido de demissão" ter sido assinado pelo
empregado depois que ele ajuizou a ação trabalhista, requerendo a
rescisão indireta do contrato.
Em razão da tentativa de fraude à
legislação trabalhista, a juíza reconheceu a nulidade do pedido de
demissão, nos termos dos artigos 9º da CLT e 166, VI, do Código Civil.
Por fim, ela observou que a empresa não comprovou a regularidade dos
depósitos do FGTS e nem o pagamento dos salários no prazo legal, sendo
que os extratos bancários do trabalhador revelaram o atraso no pagamento
dos salários em quase todos os meses do contrato de trabalho. Assim,
acolheu o pedido de rescisão indireta do contrato, nos termos da alínea
"d", do artigo 483 da CLT, deferindo ao reclamante os direitos
trabalhistas decorrentes, com a condenação subsidiária da empresa
tomadora (Súmula 331, IV, do TST), por ter havido terceirização dos
serviços executados pelo trabalhador.
Fonte: TRT/MG