No processo submetido à apreciação do juiz substituto Pedro Mallet
Kneipp, em sua atuação na 36ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, uma
trabalhadora pediu o reconhecimento do vínculo de emprego diretamente
com a instituição financeira para a qual prestava serviços, por meio de
empresa interposta. Ela relatou que comercializava empréstimos
consignados e seguros, entendendo que a atividade não poderia ser
terceirizada por se inserir na atividade-fim. Já as reclamadas
insistiram na tese de terceirização lícita, argumentando que o caso era
de correspondente não bancário, com regulamentação pelo Banco Central.
Após
a analisar as provas, o juiz deu razão à trabalhadora. Na sentença, ele
observou que o contrato firmado entre as empresas, de fato, estabelecia
que as atividades encontram-se regulamentadas pela Resolução nº
3.110/2003 do Banco Central. Contudo, não considerou o aspecto capaz de
impedir o reconhecimento do vínculo pretendido. É que as provas
revelaram que as atividades exercidas se inseriam no objetivo social da
instituição financeira. O juiz também identificou, no caso, a presença
da subordinação inerente à relação de emprego, juntamente com os outros
pressupostos fático-jurídicos.
O magistrado explicou que o Banco
Central do Brasil não possui competência legislativa em matéria
trabalhista, conforme previsto no artigo 22, inciso I, da Constituição
da República. Para ele, a Resolução 3.110/2003 não pode significar
barreira à análise da verdadeira relação jurídica havida entre as
partes. A sentença lembrou que a terceirização, regra geral,
especificamente no que se refere à interposição de mão de obra, é vedada
pelo ordenamento jurídico brasileiro. Somente casos expressamente
previstos são ressalvados, como o contrato temporário previsto na Lei nº
6.019/74.
Ainda conforme esclareceu o julgador, a terceirização
de serviços vem sofrendo limites pela jurisprudência trabalhista, que a
admite apenas em casos excepcionais. Exemplos são as situações
envolvendo conservação, vigilância, limpeza e atividades não inseridas
no aspecto produtivo da empresa contratante, também chamadas de
atividades meio. Nesse sentido, destacou o entendimento pacificado pela
Súmula 331 do TST.
Com relação ao caso examinado, a prova
testemunhal deixou claro que a reclamante lidava diretamente com
clientes, oferecendo e vendendo produtos, tudo se valendo dos sistemas
operacionais do banco. Até margem de autonomia para negociar valores,
possuía. Ela se apresentava aos clientes como empregada do banco, assim
como os demais empregados que prestavam serviços no local. Além disso, a
empresa que constava como empregadora apenas atuava em favor do banco,
tomador dos serviços.
Uma declaração do preposto da empresa
prestadora de serviços chamou a atenção do julgador: ele confessou que o
banco reclamado não possuía agências com a finalidade de realizar
empréstimo consignado. Esta atividade era transferida para outras
empresas, em "nítida intermediação de mão de obra não tolerada pelo
ordenamento jurídico", conforme registrou o magistrado.
Nesse
contexto, o juiz não teve dúvidas de que a terceirização apenas visou a
fraudar direitos trabalhistas e, por isso, decidiu declarar o vínculo de
emprego entre a reclamante e a instituição financeira, nos termos do
artigo 9º CLT. A decisão reconheceu a responsabilidade solidária de
ambas as rés em razão da concorrência para o ilícito (art. 942, CC/02).
"Por
qualquer ângulo que se analise a questão, seja sob o aspecto da
terceirização de serviços ou pelo aspecto da intermediação de mão de
obra, a ilicitude é latente, pois presentes os pressupostos da relação
de emprego entre Reclamante e 1ª Reclamada, notadamente a subordinação,
verificada na sua forma objetiva, e, ainda, há vedação quanto à
intermediação de mão de obra para esse tipo de atividade permanente,
não se encontrando amparada pela exceção legal corroborada pela Súmula
n. 331, I, TST", registrou.
A instituição financeira foi
condenada a reconhecer o vínculo de emprego, com pagamento de todas as
parcelas decorrentes, inclusive direitos e vantagens assegurados à
categoria dos bancários. A condenação envolveu também o pagamento de
reflexos de comissões pagas por fora, horas extras, multa por
descumprimento de instrumento coletivo de trabalho e multas previstas
nos artigos 467 e 477, parágrafo 8º, da CLT. As reclamadas foram
responsabilizadas de forma solidária pelo pagamento dos débitos
trabalhistas (artigo 927 e 942 do Código Civil). Há recurso em
tramitação no TRT-MG.
Fonte: TRT/MG