O grande número de reclamações trabalhistas ajuizadas perante a
Justiça do Trabalho mineira versando sobre vínculo doméstico revela que
ainda é comum o descumprimento da legislação trabalhista que rege a
matéria. Muitas vezes isso acontece até por desconhecimento de quem
contrata a pessoa para realizar os serviços domésticos. Os casos de
diaristas contratadas como autônomas, quando, na verdade, a relação
estabelecida preenche todos os pressupostos da relação de emprego, são
inúmeros. Em outros casos, no entanto, fica claro que a intenção é mesmo
burlar o cumprimento das obrigações trabalhistas.
Esta última
situação foi constatada em um processo analisado pelo juiz André Luiz
Gonçalves Coimbra, na 2ª Vara do Trabalho de Formiga. Uma trabalhadora
pediu o reconhecimento do vínculo doméstico alegando que trabalhava de
segunda a sexta-feira em uma casa, com horário fixo, salário mensal, não
se tratando de autônoma. Já o casal reclamado sustentou, na defesa, que
a reclamante trabalhava como faxineira autônoma, apenas nas segundas e
sextas-feiras, e tinha plena liberdade para executar os serviços.
A
ação foi submetida ao rito sumaríssimo e, conforme observou o julgador,
nesses casos, geralmente, ele já tem a solução do caso em mente quando
encerra a instrução. Daí é só julgar. Mas o caso do processo foi
diferente. "Passei 10 dias analisando detalhes e pensando", destacou o juiz. Ele se surpreendeu com o que apurou nos autos. "Meu
entendimento da vida e da moral estava instintivamente se recusando a
acreditar que dois advogados (os reclamados) fossem capazes de contratar
a trabalhadora dos serviços domésticos e esconder a veracidade dos
fatos. Infelizmente, é isso mesmo que aconteceu", registrou na sentença.
Após examinar os recibos apresentados, onde está escrito "prestação de serviços, limpeza ou faxina na casa e escritório",
o juiz concluiu que a reclamante não recebia por dia trabalhado e
somente em dias da semana, como alegaram os réus. Eles próprios
declararam em audiência que a reclamante não fazia a limpeza no
escritório de advocacia dos dois. "Portanto, mentiram, e isto me induz considerar de má fé todos os argumentos defensivos", considerou o magistrado.
A
existência de um recibo com o expressivo valor de R$ 1.100,00 também
chamou a atenção do juiz. Neste documento constou que a importância se
referia ao serviço prestado pela reclamante no período trabalhado de
modo eventual e sem subordinação do dia 31 de julho de 2012 a 30 de
novembro de 2013. A trabalhadora reconhecia que teria decidido não mais
ir ao trabalho, tendo encontrado outro trabalho fixo, para mais nada
reclamar. "Ora, se de fato inexistia a relação de emprego entre as partes, não havia necessidade alguma do acerto final", atentou o magistrado.
Por
fim, o julgador questionou o pagamento do mesmo valor para 4 ou 8
faxinas no mês, conforme recibos de agosto e setembro de 2013, já que a
alegação era de trabalho por dia de faxina. "Diante das
inconsistências acima e da inverdade declarada na audiência, os
argumentos dos réus não fecham com a lógica das coisas", expressou
na sentença, convencendo-se de que a relação entre as partes era de
emprego. E mais: uma testemunha afirmou que via a reclamante na chegada
ou na saída, em frente da casa dos reclamados, nos dias de segunda a
sexta-feira, entre 8 e 14h.
Diante das evidências, os reclamados
foram condenados a pagar as diferenças salariais entre o mínimo legal e
os valores pagos nos recibos anexados, bem como 13º salários e férias,
acrescidas do terço constitucional, deduzindo-se o valor do recibo
apresentado. Os réus recorreram da decisão, mas o TRT de Minas manteve a
condenação.
Fonte: TRT/MG