O juiz Carlos Roberto Barbosa, ao atuar como convocado na 9ª Turma do
TRT-MG, relatou o recurso de um trabalhador que insistia no
reconhecimento do vínculo de emprego com uma empresa que operava no
mercado de financeiro de forma ilegal. A "empresa" aplicava o golpe da
pirâmide, conhecido como golpe do lucro fácil. Amplamente divulgado na
mídia, o esquema possibilita que os primeiros aplicadores ganhem
dinheiro, mas a maioria termina prejudicada, já que a pirâmide, mais
cedo ou mais tarde, acaba se rompendo.
Após analisar as provas do
processo, o relator se convenceu de que o reclamante ajudava no
esquema, sendo conivente com a atividade ilegal. Por se tratar de objeto
ilícito, a Turma de julgadores decidiu manter a decisão de 1º Grau que
extinguiu o processo sem resolução de mérito. Ou seja, o processo foi
encerrado sem julgamento dos pedidos, porque um dos requisitos para que a
Justiça possa analisar um processo é que o objeto do pedido seja
lícito. E, no caso, como a atividade na qual o reclamante trabalhava era
ilegal, não há como serem analisados os seus pedidos relativos a
direitos trabalhistas. "Por certo que o direito busca a paz social
através da resolução de lides em torno de bens jurídicos, não se podendo
reconhecer juridicidade a bens provenientes de infração penal" , pontuou o relator.
A
tese defendida pelo reclamante era a de que os serviços por ele
prestados relacionavam-se à atividade-fim do empreendimento, atuante no
mercado de capitais. Por isso, ele pediu o reconhecimento do vínculo de
emprego. Mas, conforme observou o magistrado, na própria inicial consta a
informação de que o sócio administrador das reclamadas estaria sendo
investigado por estelionato, com mandado de prisão já expedido, tendo
causado prejuízos a terceiros que ultrapassam 10 milhões de reais. O
relator verificou que o reclamante agia como "consultor financeiro" do
grupo, captando clientes para investimentos com promessa de juros muito
acima dos praticados pelo mercado formal. Atividade que classificou como
ilícita e sem possibilidade de ser amparada pelo ordenamento jurídico.
"Tem-se por impossível, juridicamente, tutelar uma relação jurídica
entre vendedor e estelionatário, quando o objeto do contrato, embora
travestido da venda de produto e mútuo, é rechaçado pelo ordenamento
jurídico nacional" , destacou.
O magistrado não se convenceu
de que o consultor desconhecesse a ilegalidade dos negócios. Pelo
contrário, o seu depoimento trouxe a certeza de que era um verdadeiro
representante da empresa. Ele era primo do chefe do esquema e relatou
que se apresentava aos clientes como investidor no mercado financeiro.
Ao oferecer os investimentos, ele dizia aos clientes que investia
recursos junto com o cabeça do negócio no mercado financeiro. Ainda
segundo o reclamante, apenas ele ficava no escritório de Belo Horizonte e
conseguiu captar cerca de 600 mil reais em recursos no sul do país. O
consultor afirmou que não sabia como eram calculados os recursos que
receberia dos investimentos captados. E em outro depoimento chegou a
admitir que endossava os percentuais dos rendimentos dos investimentos
prometidos pelo chefe, de 1,5% a mais de 5% de rentabilidade ao mês.
Diante
desse contexto, o relator não teve dúvidas de que o reclamante
participava das "artimanhas" levadas a efeito pelo esquema. Conforme
ponderou, o caso não comporta a aplicação do princípio do in dúbio pro
misero, ou seja, na dúvida decide-se em favor do trabalhador. Nem mesmo
para evitar o enriquecimento sem causa. Isto porque a atividade é ilegal
e o reclamante sabia muito bem o que estava fazendo. Ele tinha
conhecimento de que a "empresa" aplicava golpes e não pode agora tirar
vantagem dessa situação. "Se o reclamante foi conivente com a
prática de atividade ilegal, não deve lograr benefícios decorrentes de
sua atividade contrária à lei, pois, antes de tudo, os direitos nascem
de atos jurídicos perfeitos, o que não ocorre neste caso" , destacou o magistrado. E citando o Ministro Galba Velloso, o relator registrou: "Quem se aventura onde a norma incrimina, não pode esperar dessa mesma norma proteção" .
Considerando,
pois, a ilicitude tanto do objeto do contrato de trabalho como da
atividade desenvolvida pelo prestador de serviços, o relator concluiu
que o contrato firmado no caso do processo não produz efeitos. "O
contrato é nulo ex tunc e não gerará nenhum efeito no mundo jurídico,
desde a aproximação entre as partes para a formação do vínculo
contratual. Nenhum dos dois contratantes terá direito a qualquer
prestação jurisdicional da Justiça do Trabalho, para quaisquer efeitos" , destacou no voto.
Com
base nesse entendimento, a Turma de julgadores reconheceu não apenas a
inexistência da relação de emprego como também de qualquer outra
vinculação enquadrável no campo de competência da Justiça do Trabalho.
Como resultado, foi mantida a sentença que extinguiu o processo sem
resolução do mérito, nos termos do artigo 267, VI do CPC.
Fonte: TRT/MG