sexta-feira, 7 de junho de 2013

Contrato do FIES sem fiador

"A Lei n.º 10.260/2001 instituiu o Fundo de Financiamento de Ensino Superior (FIES), destinado à concessão, para alunos carentes, de financiamento dos encargos concernentes ao curso superior em instituições particulares  de ensino.
A norma em questão substituiu a Lei n.º 8.436/92, que cuidava do Programa de Crédito Educativo – CREDUC. Ela visa concretizar a política pública, constitucionalmente exigida, de promoção da igualdade material e democratização do acesso aos níveis superiores de ensino “segundo a capacidade de cada um” (art. 208, V, CF).
De fato, sabe-se que dificilmente os estudantes mais pobres conseguem ingressar nas universidades públicas e gratuitas, que costumam ser as mais rigorosas nos seus processos seletivos, em razão da baixa qualidade do ensino fundamental e médio ministrado pela rede pública. Por outro lado, sem o auxílio do Poder Público, torna-se inviável para estes estudantes o custeio do curso superior em instituições privadas, tendo em vista o preço elevado das mensalidades cobradas.
Assim, a omissão total ou parcial do Estado nesta seara alimenta o perverso mecanismo de elitização do ensino superior, que impede a ascensão social de estudantes das camadas mais humildes, frustra o desenvolvimento de vocações genuínas e congela o triste quadro de desigualdade presente na sociedade brasileira.
Impende notar que a educação superior torna-se, cada vez mais, um requisito de fato para a plena inclusão social. Estender o seu acesso a parcelas cada vez maiores da população representa não apenas o cumprimento de uma diretriz constitucional ligada aos direitos humanos, como também um pressuposto para o desenvolvimento da Nação.
Portanto, afigura-se vital a criação de instrumentos, como o FIES, que possibilitem o acesso dos alunos carentes ao ensino superior da rede privada, sem prejuízo da implementação de mecanismos que facilitem também o ingresso destes mesmos estudantes nas universidades públicas, como as políticas de ação afirmativa.
Neste sentido, a iniciativa legislativa de implementação do FIES deve ser louvada. Prevê a Lei n.º 10.260/2001, no seu artigo 4º, que o fundo em questão pode financiar até 70% (setenta por cento) dos encargos educacionais cobrados dos alunos comprovadamente carentes por instituições particulares de ensino superior, que tenham avaliação positiva do MEC.
A gestão do FIES, nos termos do art. 3º da referida Lei, cabe ao MEC, “na qualidade de formulador da política de oferta de financiamento e de supervisor da execução das operações do Fundo”, e à Caixa Econômica Federal,“na qualidade de agente operador e de administradora dos ativos e passivos, conforme as normas baixadas pelo Conselho Monetário Nacional”.
No entanto, a obrigação de apresentação, pelos candidatos, de um ou mais fiadores, como condição para inscrição no FIES, importa, na prática, na exclusão dos candidatos dos estratos sociais mais baixos, em franca desarmonia com o vetor constitucional que inspira o programa em questão.
A referida exigência encontra-se fundamentada no art. 5º,inciso III, da Lei n.º 10.260/2001, segundo o qual os financiamentos concedidos com recursos do FIES devem observar “o oferecimento de garantias adequadas pelo estudante financiado”.
Não é difícil concluir que os estudantes mais pobres – exatamente aqueles que, por imperativo constitucional inafastável, teriam de ser o foco principal de uma política pública como o FIES – muito dificilmente conseguem obter um ou mais fiadores que tenham a renda mínima exigida para a celebração do contrato.
Com efeito, pelas regras ordinárias de experiência, sabe-se que, em geral, as pessoas têm no seu círculo mais íntimo de relações outras pessoas com condição social semelhante. Por outro lado, é muito difícil que alguém se disponha a ser fiador pessoal de quem não prive da sua intimidade. Assim, é implausível que um estudante realmente carente logre obter um ou mais fiadores com a renda mínima necessária para ingresso no FIES. Portanto, na prática, acabam sendo alijados do programa exatamente aqueles que deveriam figurar como o seu alvo primordial.
Desta forma, foi instaurado, no âmbito desta Procuradoria da República, o Procedimento Administrativo n.º 1.18.000.002737/2004-17, com a finalidade de que a apresentação de fiadores, por parte dos estudantes, não mais fosse exigida.
No transcorrer do referido Procedimento Administrativo, verificou-se a existência da Ação Civil Pública n.º 2003.51.01.016703-0, movida pelo Ministério Público Federal no Estado do Rio de Janeiro, com alcance nacional, através do Procurador da República Daniel Sarmento, em face da União e da Caixa Econômica Federal, tendo por objeto a dispensa da exigência de apresentação de garantia fidejussória, por meio de fiança pessoal, para os estudantes celebrarem o contrato de financiamento com recursos do FIES.
Naquela demanda, o Juízo da 27ª Vara Federal do Rio de Janeiro não acolheu o pedido de antecipação dos efeitos da tutela pretendida, que objetivava dar efeito à pretensão do Parquet antes da prolação da sentença.
No entanto, da referida decisão interlocutória, o Ministério Público Federal interpôs o Agravo de Instrumento n.º 2003.02.01.010789-4, que foi distribuído à 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, a qual, acompanhando o voto-vencedor do Des. Federal Francisco Pizzolante, deu provimento ao recurso, concedendo-lhe efeito suspensivo ativo, de modo a dispensar a exigência do fiador como condição para inscrição no FIES. A referida decisão teve alcance nacional.
Naquela ocasião, asseverou o Desembargador que "se o Estado tem a obrigação constitucional de dar educação, quem tem que prestar essa garantia é o Estado, não o próprio aluno, que não tem condições de pagar. A União é que deve ser fiadora."
Porém, não se conformando com a acertada decisão proferida pelo Egrégio Tribunal Regional Federal da 2ª Região, a Caixa Econômica Federal interpôs o Agravo de Instrumento n.º 2004.02.01.008442-4, no qual foi decidido que a eficácia erga omnes da Ação Civil Pública n.º 2003.51.01.016703-0 circunscrever-seia aos limites da jurisdição da competência territorial da 2ª Região da Justiça Federal, que compreende os Estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo."

Fonte: TJ/RJ