"A Lei n.º 10.260/2001 instituiu o Fundo de Financiamento de
Ensino Superior (FIES), destinado à concessão, para alunos carentes, de
financiamento dos encargos concernentes ao curso superior em instituições
particulares de ensino.
A norma em questão substituiu a
Lei n.º 8.436/92, que cuidava do Programa de Crédito Educativo – CREDUC. Ela
visa concretizar a política pública, constitucionalmente exigida, de promoção
da igualdade material e democratização do acesso aos níveis superiores de
ensino “segundo a capacidade de cada um” (art. 208, V, CF).
De fato, sabe-se que dificilmente
os estudantes mais pobres conseguem ingressar nas universidades públicas e
gratuitas, que costumam ser as mais rigorosas nos seus processos seletivos, em
razão da baixa qualidade do ensino fundamental e médio ministrado pela rede
pública. Por outro lado, sem o auxílio do Poder Público, torna-se inviável para
estes estudantes o custeio do curso superior em instituições privadas, tendo em
vista o preço elevado das mensalidades cobradas.
Assim, a omissão total ou parcial
do Estado nesta seara alimenta o perverso mecanismo de elitização do ensino
superior, que impede a ascensão social de estudantes das camadas mais humildes,
frustra o desenvolvimento de vocações genuínas e congela o triste quadro de
desigualdade presente na sociedade brasileira.
Impende notar que a educação
superior torna-se, cada vez mais, um requisito de fato para a plena inclusão
social. Estender o seu acesso a parcelas cada vez maiores da população
representa não apenas o cumprimento de uma diretriz constitucional ligada aos
direitos humanos, como também um pressuposto para o desenvolvimento da Nação.
Portanto, afigura-se vital a
criação de instrumentos, como o FIES, que possibilitem o acesso dos alunos
carentes ao ensino superior da rede privada, sem prejuízo da implementação de
mecanismos que facilitem também o ingresso destes mesmos estudantes nas
universidades públicas, como as políticas de ação afirmativa.
Neste sentido, a iniciativa
legislativa de implementação do FIES deve ser louvada. Prevê a Lei n.º
10.260/2001, no seu artigo 4º, que o fundo em questão pode financiar até 70%
(setenta por cento) dos encargos educacionais cobrados dos alunos
comprovadamente carentes por instituições particulares de ensino superior, que
tenham avaliação positiva do MEC.
A gestão do FIES, nos termos do
art. 3º da referida Lei, cabe ao MEC, “na qualidade de formulador da
política de oferta de financiamento e de supervisor da execução das operações
do Fundo”, e à
Caixa Econômica Federal,“na
qualidade de agente operador e de administradora dos ativos e passivos,
conforme as normas baixadas pelo Conselho Monetário Nacional”.
No entanto, a obrigação de
apresentação, pelos candidatos, de um ou mais fiadores, como condição para
inscrição no FIES, importa, na prática, na exclusão dos candidatos dos estratos
sociais mais baixos, em franca desarmonia com o vetor constitucional que
inspira o programa em questão.
A referida exigência encontra-se
fundamentada no art. 5º,inciso III, da Lei n.º 10.260/2001, segundo o qual os
financiamentos concedidos com recursos do FIES devem observar “o
oferecimento de garantias adequadas pelo estudante financiado”.
Não é difícil concluir que os
estudantes mais pobres – exatamente aqueles que, por imperativo constitucional
inafastável, teriam de ser o foco principal de uma política pública como o FIES
– muito dificilmente conseguem obter um ou mais fiadores que tenham a renda
mínima exigida para a celebração do contrato.
Com efeito, pelas regras
ordinárias de experiência, sabe-se que, em geral, as pessoas têm no seu círculo
mais íntimo de relações outras pessoas com condição social semelhante. Por
outro lado, é muito difícil que alguém se disponha a ser fiador pessoal de quem
não prive da sua intimidade. Assim, é implausível que um estudante realmente
carente logre obter um ou mais fiadores com a renda mínima necessária para
ingresso no FIES. Portanto, na prática, acabam sendo alijados do programa
exatamente aqueles que deveriam figurar como o seu alvo primordial.
Desta forma, foi instaurado, no
âmbito desta Procuradoria da República, o Procedimento Administrativo n.º
1.18.000.002737/2004-17, com a finalidade de que a apresentação de fiadores,
por parte dos estudantes, não mais fosse exigida.
No transcorrer do referido
Procedimento Administrativo, verificou-se a existência da Ação Civil Pública
n.º 2003.51.01.016703-0, movida pelo Ministério Público Federal no Estado do
Rio de Janeiro, com alcance nacional, através do Procurador da República Daniel
Sarmento, em face da União e da Caixa Econômica Federal, tendo por objeto a
dispensa da exigência de apresentação de garantia fidejussória, por meio de
fiança pessoal, para os estudantes celebrarem o contrato de financiamento com
recursos do FIES.
Naquela demanda, o Juízo da 27ª
Vara Federal do Rio de Janeiro não acolheu o pedido de antecipação dos efeitos
da tutela pretendida, que objetivava dar efeito à pretensão do Parquet antes da prolação da sentença.
No entanto, da referida decisão
interlocutória, o Ministério Público Federal interpôs o Agravo de Instrumento
n.º 2003.02.01.010789-4, que foi distribuído à 3ª Turma do Tribunal Regional
Federal da 2ª Região, a qual, acompanhando o voto-vencedor do Des. Federal
Francisco Pizzolante, deu provimento ao recurso, concedendo-lhe efeito
suspensivo ativo, de modo a dispensar a exigência do fiador como condição para
inscrição no FIES. A referida decisão teve alcance nacional.
Naquela ocasião, asseverou o
Desembargador que "se o Estado tem a obrigação constitucional de dar
educação, quem tem que prestar essa garantia é o Estado, não o próprio aluno,
que não tem condições de pagar. A União é que deve ser fiadora."
Porém, não se conformando com a
acertada decisão proferida pelo Egrégio Tribunal Regional Federal da 2ª Região,
a Caixa Econômica Federal interpôs o Agravo de Instrumento n.º
2004.02.01.008442-4, no qual foi decidido que a eficácia erga
omnes da Ação
Civil Pública n.º 2003.51.01.016703-0 circunscrever-seia aos limites da
jurisdição da competência territorial da 2ª Região da Justiça Federal, que
compreende os Estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo."
Fonte: TJ/RJ