A Constituição Federal proíbe, em seu artigo 7º, inciso XXXIII,
qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a
partir de 14 anos. Com base nesse dispositivo, a 9ª Turma do TRT-MG,
acompanhando o voto da juíza convocada Cristiana Maria Valadares
Fenelon, por maioria, proibiu um grande clube de futebol de manter
menores de 14 anos alojados em suas dependências.
Ao julgar a
ação civil pública, a juíza de 1º Grau havia entendido que as atividades
de esporte não se confundem com relação de trabalho, salvo quando
praticado profissionalmente, conforme previsto no capítulo V da Lei
9.615/98, conhecida como Lei Pelé. No modo de entender da juíza
sentenciante, a proibição em relação à idade não seria aplicável, razão
pela qual a pretensão do Ministério Público do Trabalho nesse sentido
foi julgada improcedente. A ação foi julgada procedente apenas para
determinar que o clube cumpra algumas obrigações concernentes à
contratação de menores, como autorização dos pais, questões de saúde, de
documentação e de melhoria nos sanitários.
Inconformado, o MPT
recorreu e conseguiu obter entendimento diferente da Turma de
julgadores. Sob o enfoque da Lei Pelé, a relatora concluiu que os
menores acolhidos para treinamento nas categorias de base praticam o
desporto de rendimento no modo não-profissional, conforme previsto no
artigo 3º da Lei 9.615/98. Para ela, apesar de não se tratar de relação
de emprego, a relação é claramente de trabalho.
"Os menores
selecionados e alojados pelo clube, conquanto recebam vários benefícios,
como acompanhamento médico, fisioterápico, odontológico, psicológico,
escola e moradia, obrigam-se a treinar com o fim de se aperfeiçoarem na
prática do esporte, visando à profissionalização. E o sucesso de seu
desempenho trará vantagem econômica futura para o clube. Vale recordar
que a relação de trabalho tem como objeto a atividade pessoal de uma das
partes e no caso em apreço, os menores se obrigavam ao treinamento,
donde se conclui que a hipótese envolve, sim, esse tipo de vínculo
jurídico", ponderou no voto.
Nesse contexto, a julgadora
entendeu aplicável o artigo 7º, XXXIII, da Constituição, que proíbe o
trabalho ao menor de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de
14 anos. Ela lembrou que a restrição é reproduzida no artigo 403 da
CLT, sendo a diretriz contida também no artigo 29, § 4º, da Lei
9.615/98. Este último dispositivo restringe a idade do atleta não
profissional em formação ao mínimo de 14 anos. Na avaliação da relatora,
a conclusão que daí se extrai é clara: os clubes de futebol não podem
manter alojados em suas dependências menores de 14 anos. Por esse
motivo, o réu foi condenado a afastar os menores dessa faixa etária que
se encontrarem em treinamento e providenciar a transferência escolar,
arcando com todos os custos necessários para o retorno ao local de
residência da família. Também foi determinado que ele providencie
acompanhamento psicológico do atleta em formação.
Contrato de aprendizagem no futebol
No recurso também foi analisada a situação dos menores com idade
entre 14 e 16 anos. Após analisar o processo, a relatora decidiu que
eles devem ser contratados não apenas de acordo com as regras próprias
do desporto, como também, em caráter complementar, das disposições
relativas ao contrato de aprendizagem, no que forem compatíveis. A
jornada foi limitada ao máximo de quatro horas, fora do horário escolar,
nos termos do artigo 29, parágrafo 2º, da Lei 9.615/98. Várias
vantagens foram asseguradas aos menores, como seguro de vida e
assistência educacional, psicológica, médica e odontológica,
alimentação, transporte e convivência familiar, em reforço ao que já era
garantido pelo clube.
A relatora lembrou que a convivência
familiar é garantida pelo artigo 227 da Constituição da República e
também prevista no artigo 2º, II, "c", da Lei 9.615/98. Para ela, o
clube deve assegurar aos menores alojados no clube a visita à família,
pelo menos cinco vezes no ano, sendo duas durante o período de férias
escolares, além de arcar com todas as despesas de deslocamento. Na
decisão foi determinado que o clube providencie a autorização firmada
pelos pais ou responsáveis para alojamento dos menores.
As
retificações determinadas na sentença com relação às condições do espaço
físico oferecido aos atletas foram consideradas suficientes pela
relatora para assegurar aos menores alojados o uso de instalações
adequadas. Ela apenas advertiu o réu de que ele deverá manter a mesma
qualidade de atendimento prestado até o momento, além de garantir o
prosseguimento do atendimento médico, odontológico, fisioterápico,
psicológico e escolar que vem concedendo aos menores. O réu ficou
proibido de exigir dos atletas em formação a execução de serviços de
limpeza dos alojamentos e sanitários, imposição que, segundo a
magistrada, contraria a NR 24, item 24.5.28.
Socialização dos menores
A socialização dos menores alojados também foi objeto de
apreciação. A juíza convocada constatou que o réu deixa de adotar
medidas capazes de incentivar a interação na comunidade, agravando o
isolamento do menor. Ela destacou que a conduta por ele adotada ofende o
Estatuto da Criança e do Adolescente, decidindo acolher o pedido feito
pelo Ministério Público do Trabalho de providências no aspecto. Também
acolheu a pretensão de implementação do programa de atendimento médico e
psicológico dos adolescentes, com o objetivo de garantir sua saúde
física e mental, prevenindo doenças, especialmente aquelas advindas da
prática desportiva de rendimento. A magistrada lembrou que os menores
aprendizes têm direito a diversas garantias trabalhistas, inclusive
proteção integral da saúde.
A relatora considerou razoável a
fixação do período de duração dos testes em uma semana, pois assim se
garante a frequência escolar do adolescente. Também estabeleceu regras
no que concerne à prévia autorização dos pais e comprovação de
frequência escolar, submissão do menor a exames médicos e manutenção dos
registros, para conferir maior transparência ao procedimento. Porém,
não considerou a eventual cobrança de taxa ilegal. Ademais, estabeleceu a
responsabilidade dos parceiros autorizados a utilizar o nome do clube
para manter escola de futebol.
Dano moral coletivo
Por fim, o recurso do Ministério Público foi julgado favorável
para condenar o réu ao pagamento de indenização por dano moral coletivo,
a ser revertida ao Fundo Estadual para a Infância e Adolescência. A
julgadora deu razão ao autor quanto à alegação de que o clube de futebol
colocou crianças em situação de trabalho. Embora para a relatora,
devesse ser deferido o valor integral pedido pelo autor, prevaleceu na
Turma de julgadores a fixação da reparação em R$ 100 mil reais.
Nesses
termos, a Turma de julgadores, por maioria de votos, deu provimento ao
recurso do Ministério Público do Trabalho para julgar parcialmente
procedentes os pedidos formulados na inicial, impondo ao clube de
futebol o cumprimento de inúmeras obrigações em relação à contratação de
menores. O réu terá o prazo de 60 dias, a partir da publicação do
acórdão, para o réu cumprir as providências determinadas.
Fonte: TRT/MG