quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

A redução dos juros dos financiamentos habitacionais pode ser obtida pela via Judicial

Centenas de milhares de mutuários de todo o Brasil firmaram contratos de financiamentos, na modalidade de adesão, comprometendo-se a pagar juros remuneratórios sobre os empréstimos nas taxas e condições fixadas pelas entidades financeiras habitacionais.

A Caixa Econômica Federal que é uma entidade pública e não visa lucros, é a entidade financeira que tem os melhores juros e, por consequência, detém a maior carteira de empréstimos no país.

As taxas de juros remuneratórios dos empréstimos habitacionais, mantidos essencialmente com recursos da poupança e do FGTS, tanto na Caixa Econômica quanto nos demais bancos, à época dos empréstimos eram elevadas mas compatíveis com o momento econômico.

Entretanto, a realidade econômica mundial mudou, e as taxas de juros caíram e vão continuar caindo, portanto, agora, já se tornaram excessivamente onerosas para os mutuários.

Diante desta nova realidade a Caixa Econômica Federal baixou os seus juros e montou uma estrutura para financiar e receber transferências de financiamentos de outros bancos, via portabilidade bancária, com o discurso de beneficiar os mutuários que contrataram financiamento com os demais bancos.

Com estas medidas está operando diariamente milhares de financiamentos, com atendimento pleno e até filas.

Contudo, a Caixa Econômica Federal não se lembrou de estruturar um programa para reexaminar os seus juros de financiamentos antigos para os patamares atuais,  e está cobrando dos mutuários por dia, indevidamente, milhões de reais com diferencial dos juros excessivos que os mutuários antigos estão pagando.  

O resultado é que os mutuários que compraram seus imóveis antes de junho deste ano estão pagando juros fora da realidade e não têm para onde correr. Os juros da Caixa Econômica Federal são os menores e o processo de financiamento é o mais simples e rápido, contudo, as prestações antigas se tornaram excessivamente onerosas.

Considerando as circunstâncias e o prejuízo cada vez maior, os mutuários se perguntam se há alguma coisa que se possa fazer para recuperar os valores já pagos e corrigir as prestações futuras.

Vamos examinar juridicamente esta indagação.


Financiamento habitacional é protegido pelo CDC

E oportuno ressaltar que atividade de financiamento habitacional  é inequivocamente uma relação de consumo, inclusive sumulada pelo STJ.

STJ Súmula nº 297 - 12/05/2004 - DJ 09.09.2004
Código de Defesa do Consumidor - Instituições Financeiras - Aplicação
O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.


Acrescente-se que a Jurisprudência é pacífica:

STJ
AgRg no Recurso Especial nº 802.206 - SC (2005⁄0202053-6)
Relatora:  Ministra Nancy Andrigui   
“Conforme salientado na decisão agravada, a jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que são aplicáveis os regramentos do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de mútuo habitacional."

STJ
REsp 678431⁄MG, 1ª T., Min. Teori Albino Zavaski
“A jurisprudência desta Corte é firme no sentido da aplicação do CDC aos contratos de financiamento habitacional, considerando que há relação de consumo entre o agente financeiro do SFH e o mutuário)”.


Assim, os consumidores mutuários podem aproveitar as disposições do Código de Defesa do Consumidor para exercer seus direitos contra a cobrança de juros remuneratórios desarrazoados.


Do contrato de adesão

Os contratos de financiamento habitacional, conforme dispõe a lei e em sintonia com a jurisprudência pacífica dos tribunais, são dotados do caráter de contrato de adesão por excelência.

O Artigo 54 da Lei 8.078 do CDC é absolutamente claro:

Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.


Fato superveniente

Os recursos do Sistema Financeiro da Habitação SFH eram e são originários das aplicações em Caderneta e Poupança e das contas do FGTS, portanto recursos sociais.

O custo de captação, nos últimos anos foi extraordinariamente reduzido em face de várias normas esparsas e especialmente com a vigência da Lei  12.703/12 que atrelou o valor do rendimento da poupança ao desempenho dos  juros da taxa SELIC.


“Lei 12.703/2012 -  Art. 12....
II - como remuneração adicional, por juros de:

a) 0,5% (cinco décimos por cento) ao mês, enquanto a meta da taxa Selic ao ano, definida pelo Banco Central do Brasil, for superior a 8,5% (oito inteiros e cinco décimos por cento); ou

b) 70% (setenta por cento) da meta da taxa Selic ao ano, definida pelo Banco Central do Brasil, mensalizada, vigente na data de início do período de rendimento, nos demais casos.


Apenas para comparar importa registrar que a Caderneta de Poupança, em junho deste ano remunerou os depósitos em 0,5000 + TR e, em setembro deste mesmo ano  a remuneração já caiu para  0,4273%  + TR.

Ou seja, por conta da lei, a remuneração dos juros da poupança no mês de junho deste mesmo ano era 17% (dezessete por cento) maior que a remuneração atual (variação em três meses). 

Mas esta assertiva é até irrelevante porque este é apenas um dos reflexos, os efeitos da lei se revelarão totalmente ao longo dos próximos anos, enquanto a queda de juros em geral, no país e fora dele, já é uma realidade irretorquível.

A queda nas remunerações de juros tem uma explicação simples e lógica: os juros estão se adaptando à inflação controlada e à realidade do mundo globalizado com tendência a quedas mais acentuadas.


Desequilíbrio do contrato

 A Caixa Econômica Federal, como não podia ser diferente, frente à nova realidade financeira nacional e internacional, já há três anos começou a reduzir os juros remuneratórios dos seus contratos de financiamentos que hoje, em média, estão pelo menos 25% menores que os juros praticados nos últimos cinco anos.

Todavia, inexplicavelmente a Caixa Econômica Federal não fez refletir a queda do custo de captação de capitais sobre os juros das prestações continuadas de longa duração, dos contratos antigos, deixando coexistir, assim, duas categorias de mutuários da habitação dentro da sua própria carteira de financiamentos.

a) Antigos mutuários sufocados e sujeitos a todos os tipos de sacrifícios possíveis para manter seus pagamentos cobrados com os juros elevados de antigamente e os

b) Novos mutuários, já beneficiados com os juros atuais significativamente inferiores, mas que serão os antigos mutuários de amanhã.

É imperioso observar que todo o estoque de financiamentos, tanto os atuais como os antigos, são remunerados pelo baixo custo da captação, portanto, em relação aos contratos antigos a Caixa Econômica Federal obtém um lucro desproporcional,  sem causa,  muito  além do previsto à época do contrato .

Ou seja: A Caixa Econômica Federal, embora consciente da queda da taxa de remuneração da captação de recursos financeiros insiste em não atender ao princípio da relatividade dos contratos de prestação continuada de longa duração.

È claro, pacífico e notório, considerando a vulnerabilidade do mutuário, que é obrigação da Caixa Econômica Federal  garantir o equilíbrio nos contratos de adesão, principalmente os de prestação continuada e de longo prazo em face do seu dirigismo contratual.


Onerosidade excessiva

Todo cidadão que depende de financiamento bancário para adquirir o seu teto e abrigar sua família dignamente, ao pagar juros excessivamente elevados, se submete a algum tipo de restrição.

Ora, a diferença monetária dos juros remuneratórios produz efeitos no orçamento familiar e, não raro é crucial para comprar material didático; melhorar a qualidade ou a quantidade de alimentação; comprar um medicamento; pagar um médico especialista; pagar uma dívida; pagar um curso destinado a melhor qualificação própria ou dos familiares; adquirir outros bens de consumo.

Enfim, o pouco ou mínimo torna-se excessivamente oneroso quando representa uma privação qualquer para o consumidor.  Mas, o mais importante, é que qualquer valor será sempre excessivamente oneroso quando violenta a fronteira do mercado.


Enriquecimento sem causa

A  Caixa Econômica Federal   reconheceu formalmente a onerosidade excessiva da taxa de juros imposta aos seus mutuários via contrato de adesão, tanto que hoje já pratica sistematicamente taxas de juros significativamente menores nos seus atuais financiamentos.

A Caixa Econômica Federal também aceita a “portabilidade bancária” em relação aos empréstimos feitos a outros bancos para que os devedores possam migrar sua dívida para a carteira da Caixa Econômica Federal e, por consequência pagar taxas de juros menores.

Contudo, por uma incoerência injustificável, a Caixa Econômica Federal não aceita reajustar ou rever as taxas de juros de seus próprios financiamentos.

Isso quer dizer que aquele mutuário que contratou financiamento habitacional com outros bancos pode agora se valer de juros mais benéficos oferecidos e praticados pela Caixa Econômica Federal, via portabilidade bancária, contudo, os próprios clientes da Caixa Econômica Federal não gozam desse mesmo direito.

O justo, correto e aceitável é que, sendo inequívoco que as taxas de juros, tanto da captação quanto do empréstimo já caíram consideravelmente, as taxas antes contratadas em instrumentos de prestações sucessivas de longo prazo  deveriam ter sido objeto de revisão espontânea pela entidade financeira que detém o dirigismo contratual.

E mais, tudo  isso, de forma imediata e contínua, como medida de respeito à lei e demonstração de  boa-fé contratual.

A omissão ou atraso na correção das taxas de juros ora absurdas, implica em descarada confissão de que a Caixa Econômica Federal busca o enriquecimento sem causa e provoca deliberadamente empobrecimento do  mutuário.


Do direito à revisão contratual e a repetição do indébito

Assim, considerando os fatos que são públicos e notórios, os contratos de financiamentos então firmados pelos consumidores mutuários e a Caixa Econômica Federal, se encontram sujeitos à modificação ou revisão de cláusulas contratuais, com fundamento no art. 6º, inc. V, do CDC, senão vejamos:

CDC - Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:

V. A modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas. Destaques nossos.
 
É inequívoca a onerosidade excessiva em decorrência de fato superveniente (queda geral de juros), que autoriza a aplicação da tipicidade legal consumerista.

E mais, a revisão deve ser imediata, a lei não fixa prazo, portanto, é bastante que haja a ocorrência de fato superveniente excessivamente oneroso.

Assim, ante a ocorrência de um fato superveniente que implicou na onerosidade excessiva para um dos contratantes e um benefício exagerado para o outro, é dever da instituidora do contrato de adesão diligenciar na sua adequação à nova realidade, sob pena de caracterizar agressão ao princípio de boa-fé.

E mais, no caso de enriquecimento sem causa, com todas as letras, já se encontra previsto também no Código Civil a obrigação de repetição do indébito (restituição do valor pago a maior) devidamente atualizado.

Código Civil - Lei 10406/02

Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.
...
Art. 885. A restituição é devida, não só quando não tenha havido causa que justifique o enriquecimento, mas também se esta deixou de existir.

A Jurisprudência dos Tribunais é clara e pacífica.

STJ - AgRg no Ag 1394166 / SC
Relator: Ministro Raul Araujo
DJe 04/06/2012
“É permitida a revisão das cláusulas contratuais pactuadas, diante
do fato de que o princípio do pacta sunt servanda vem sofrendo
mitigações, mormente ante os princípios da boa-fé objetiva, da
função social dos contratos e do dirigismo contratual.”

STJ –  Resp 615012/RS
Relator: Ministro Luiz Felipe Salomão
DJe 08/06/2010
“A compensação de valores e a repetição de indébito são cabíveis
sempre que verificado o pagamento indevido, em repúdio ao
enriquecimento ilícito de quem o receber, independentemente da
comprovação do erro.”

STJ - AgRg no REsp 993879 / SP
Relator: Ministro Vasco Della Giustina
DJe 12/08/2009
“É possível a apreciação do contrato e de suas cláusulas para
afastar eventuais ilegalidades, mesmo em face das parcelas já pagas,
em homenagem ao princípio que impede o enriquecimento sem causa,
sendo inclusive prescindível a discussão a respeito de erro no
pagamento.”


O caminho é a justiça

O que o mutuário deve perseguir é a via judicial  para a revisão das taxas de juros remuneratórios pactuados via contrato de adesão.

Ou seja: buscar o direito de pagar os mesmos juros remuneratórios já praticados pela Caixa Econômica Federal em relação aos novos mutuários, e o recebimento dos valores pagos a maior, retroativamente à data de assinatura de cada contrato dos autores e até a data que for efetivada a revisão.

O reequilíbrio dos contratos antigos ensejando o estancamento da onerosidade excessiva e do enriquecimento sem causa, além do tratamento isonômico no pagamento das taxas de juros remuneratórios, é um direito do consumidor, portanto do mutuário.

Já a repetição do indébito (direito de receber o valor corrigido do que indevidamente já foi pago), se refere exclusivamente à diferença entre os valores dos juros recalculados e os valores efetivamente pagos pelos mutuários, dentro do período não prescrito (lembrando que a prescrição é de três anos).

Assim, além de corrigir o valor das prestações, o juiz poderá determinar que a Caixa Econômica Federal  também devolva, em dinheiro, o excesso de juros cobrados.

No caso examinamos a situação da Caixa Econômica Federal, contudo, a legislação é aplicável para todas as instituições financeiras em relação aos financiamentos de longo prazo e prestação continuada.   

É certo que algumas entidades de consumidores já estão se movimentando para ajuizar as ações coletivas, contudo, os mutuários que conseguirem entender a mecânica dos juros e possuir os documentos necessários, também poderão se valer dos Juizados Especiais.

Artigo de Danilo Santana

Fonte: JurisWay