Surpresa. Essa foi a reação da desembargadora Mônica Sette Lopes ao
se deparar com o caso de uma empregada doméstica que trabalhava em uma
fazenda em Sabará. Isto porque ficou demonstrado no processo que ela não
recebia dinheiro, pois era obrigada a comprar mercadorias no armazém
que existia na propriedade. No final do mês, o salário já estava todo
comprometido com dívidas e a trabalhadora nada recebia em espécie. Uma
infração trabalhista grave e que surpreendeu os julgadores da 9ª Turma
do TRT-MG por ainda acontecer nos dias de hoje.
Tudo era anotado
em cadernetas: acertos de débito/crédito, compras, vales, salários,
férias, 13º salários, ficando a reclamante com dívidas para o mês
seguinte. Uma testemunha contou que os empregados só podiam comprar em
outros estabelecimentos os produtos que não eram comercializados no
armazém da fazenda. Relatou ainda que já viu a reclamante pedindo
dinheiro à esposa do réu e "com muito custo, arranjava algum".
Para
a relatora, um caso típico de aplicação do princípio constitucional da
intangibilidade salarial contido no artigo 7º, inciso VI, da
Constituição. Ela lembrou que a Lei 5.852/72, que dispõe sobre a
profissão de empregado doméstico, proíbe, em seu artigo 2º-A, o
empregador doméstico de efetuar descontos no salário por fornecimento de
alimentação. Além disso, o parágrafo 1º do dispositivo legal apenas
autoriza o desconto de despesas de moradia quando se referir a local
diverso da residência em que ocorrer a prestação de serviço. Para tanto,
a lei exige um prévio acordo entre as partes.
"Quase 70 anos
após a entrada em vigor da CLT, num município que integra a região
metropolitana de Belo Horizonte, ainda se adota essa prática rechaçada
de todos os modos pela implicação que traz na vinculação do empregado ao
seu local de trabalho e na limitação de sua liberdade de ser para além
do trabalho", destacou a magistrada no voto, surpreendendo-se com a
situação constatada. Segundo a relatora, a conduta atenta contra a
liberdade que deve existir quanto à destinação do próprio salário.
"O empregado não pode ser obrigado a comprar ou a fazer qualquer coisa
com os valores que recebe. Ele tem o direito de ir ao comércio e
pesquisar preços e de comprar onde e como lhe aprouver, sem qualquer
ingerência do empregador", acrescentou.
Nesse contexto, a
Turma de julgadores considerou ilícitos os descontos efetuados e
determinou o pagamento das verbas salariais não pagas. No entanto, a
condenação foi reduzida por considerar que a trabalhadora se valeu dos
produtos adquiridos. Foi determinado que o Ministério Público do
Trabalho tome conhecimento dos fatos para que adote as providências que
entender cabíveis. No processo ainda foi revelado que a empregada nunca
gozou ou recebeu férias e que a esposa do réu a ofendeu verbalmente, o
que também acabou gerando uma condenação por danos morais.
Fonte: TRT/MG