É público e notório que nenhum veículo, nem mesmo de brinquedo, de
plástico, é vendido por R$ 0,01. Nada há no mercado que se negocie por
tal valor." Com este fundamento, a 4ª Vara Cível de São Paulo negou
indenização para um consumidor que moveu ação contra uma concessionária.
Ele queria comprar um Ágile, anunciado ao preço de R$ 0,01. A Justiça
entendeu que não existe "seriedade apta a obrigar a oferta". Para a
primeira instância, tanto a "lealdade como a boa-fé devem nortear todas
as relações jurídicas".
O consumidor alegou que a concessionária
anunciou o veículo a "preço de banana" e, na hora da compra, vendeu o
carro com o preço normal. Ele pediu indenização de R$ 34 mil, valor do
veículo que iria comprar. A primeira instância acatou os argumentos da
concessionária, representada pelo escritório,
e entendeu que o autor da ação "em flagrante litigância de má-fé,
utilizou-se do processo para alcançar objetivo ilegal". Para a Justiça,
no caso dos autos, não se compreende "que tenha o autor intimamente
acreditado que na seriedade dos argumentos utilizados" no anúncio. Cabe
recurso.
Ele argumentou que foi na concessionária porque havia um
anúncio na fachada com as frases: "Deu a louca no gerente. Veículos a
preço de banana". Depois de verificar os modelos dos carros, escolheu um
Ágile, anunciado ao preço de R$ 0,01. Ele chamou uma das vendedoras e
mostrou interesse na aquisição do bem. Contudo, ao lhe ser entregue a
nota fiscal, agora pelo gerente, constava o valor de R$ 34.500,00.
Questionado pelo consumidor sobre a diferença de preço, o gerente disse
que aquele anúncio servia apenas para atrair clientes e que não poderia
vender o veículo por R$ 0,01. Com base no artigo 30 do Código de Defesa
do Consumidor, o cliente alegou que poderia exigir o que foi ofertado.
A
primeira instância entendeu que, além da análise literal do artigo, é
necessária uma interpretação sistemática de todo o ordenamento jurídico
vigente, entre os quais se destaca a boa-fé. De acordo com o juiz que
analisou o caso, toda oferta deve ser minimamente aceitável — o que não é
o caso dos autos.
O juiz concluiu que não houve a formação de uma
justa expectativa, que pudesse vir a ser posteriormente frustrada,
diante da propaganda veiculada pela concessionária. "Qualquer pessoa
dotada de médio discernimento poderia chegar à compreensão inarredável
de que a propaganda era simbólica. Não houve, outrossim, propaganda
enganosa, o que ocorre somente quando é capaz de induzir o consumidor em
erro".
Veja a íntegra da decisão:
Vistos.
C. F. A. J. move ação de obrigação de fazer c.c. indenização por danos morais em face de NOVA CHEVROLET TATUAPÉ.
Em
suma, alega o autor que no mês de setembro p.p., acompanhado de algumas
pessoas, compareceu até a agência da requerida, no bairro do Tatuapé, a
fim de adquirir um veículo. Entrou naquele local porque havia um
anúncio afixado na fachada da empresa com os seguintes dizeres: “Deu a
louca no gerente. Veículos a preço de banana.” Após verificar os modelos
disponíveis, observou a existência de um Ágile, anunciado ao preço de
R$ 0,01. Chamou uma das vendedoras e mostrou interesse na aquisição do
bem. Contudo, ao lhe ser entregue ao autor a nota fiscal, agora pelo
gerente, constava o valor de R$ 34.500,00. Indagado sobre a diferença de
preço, o gerente disse que aquele anúncio servia apenas para atrair
clientes e que não poderia vender o veículo por R$ 0,01. Invoca o artigo
30 do CDC, que entende lhe autoriza a exigir o que foi ofertado.
Tece
considerações acerca da boa-fé objetiva e dos direitos básicos do
consumidor. Aduz, ainda, que a conduta da ré causou-lhe grande
frustração e vários transtornos, reclamando uma indenização por danos
morais no importe de R$ 34.000,00. A inicial veio acompanhada de
documentos (fls. 11/19). Citada, a ré ofertou contestação alegando que a
ação é “sem pé nem cabeça” e desprestigia todo o trabalho desenvolvido
em prol dos que realmente necessitam a tutela jurisdicional. Nega a
afixação do cartaz mencionado na inicial na fachada da empresa, o que
não é hábito da contestante. Ainda que assim não fosse, deveriam ser os
dizeres interpretados de forma figurativa. Afirma que as fotos tiradas
pelo autor, e juntadas com a inicial, representam tão somente uma tela
de computador (print screen) do estoque da ré, e não uma nota fiscal. E
tal informação nunca esteve afixada no veículo, como se fosse uma
etiqueta. Requer a improcedência da demanda e a condenação do autor como
litigante de má-fé (fls. 27/47).
A contestação veio acompanhada
de documentos (fls. 49/75). Réplica a fls. 78/81. Instadas as partes a
especificarem provas, manifestaram-se a fls.86 e 88.
É O RELATÓRIO.
FUNDAMENTO E DECIDO.
O
feito comporta julgamento antecipado, sendo desnecessária a dilação
probatória. A ação é manifestamente improcedente. Equivocado o
entendimento defendido pelo autor que, invocando a tutela protetiva
agasalhada no artigo 30 do Código Consumerista, pretende compelir a ré a
uma obrigação iníqua, além de obter vultosa indenização indevida, com
flagrante dolo de aproveitamento. Da atenta análise dos argumentos
expendidos na inicial, contudo, verifica-se, de forma cristalina, total
subversão do ordenamento jurídico, o que não se pode deixar de lamentar.
O
Código de Defesa do Consumidor veio em boa hora, representando avanço
no sentido de se conferir segurança às inúmeras relações e negócios
travados entre o destinatário final (consumidor) de bens e serviços e
seus fornecedores. Não se pode admitir, entretanto, que ocorra o seu
desvirtuamento, desprestigiando-se os princípios e fundamentos
inspiradores do instituto. É certo que há expressa previsão no sentido
que "Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada
por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e
serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer
veicular ou dela se utilizar e integra o contraio que vier a ser
celebrado." (artigo 30 do Código de Defesa do Consumidor). A
interpretação literal de referido dispositivo legal poderia levar ao
singelo entendimento que toda oferta vincula aquele que a emitiu nos
exatos termos propostos. Menos certo não é, contudo, que faz-se
necessário uma interpretação sistemática, à luz dos princípios
informadores, não só da legislação consumerista, mas de todo o
ordenamento jurídico vigente, entre os quais se destaca a boa-fé.
Toda
oferta deve ser crível, ou seja, minimamente aceitável, capaz de levar a
erro o consumidor deve corresponder à natureza e condições do negócio
usualmente utilizadas no mercado, inteligência do artigo 427 do Código
Civil. É público e notório que nenhum veículo, nem mesmo de brinquedo,
de plástico, é vendido por R$ 0,01. Nada há no mercado que se negocie
por tal valor. Disso decorre que não houve a formação de uma justa
expectativa, que pudesse vir a ser posteriormente frustrada, frente à
propaganda veiculada pela ré, como quer fazer crer o autor. A oferta
veiculada pela ré não era hábil a enganar ou mesmo sugerir, de forma
legítima e válida, que seria efetivada a venda de um veículo pelo valor
simbólico de R$ 0,01, a menor expressão monetária da economia
brasileira. Qualquer pessoa dotada de médio discernimento poderia chegar
à compreensão inarredável de que a propaganda era simbólica. Não houve,
outrossim, propaganda enganosa, o que ocorre somente quando é capaz de
induzir o consumidor em erro.
Não se ignora entendimentos no
sentido que o que vincula o fornecedor não é sua vontade, mas sim a
mensagem publicitária veiculada. Isso não ocorre, contudo, quando a
publicidade não puder ser recebida como real pelo consumidor. Inexiste
seriedade apta a obrigar a oferta. Tanto a lealdade como a boa-fé devem
nortear todas as relações jurídicas, dai porque a melhor interpretação
das relações consumeristas não prescinde da análise sob essa ótica.
E
devem existir perante os dois pólos da relação. A ratio legis do Código
de Defesa do Consumidor não é a proteção total e incondicional do
consumidor, mesmo quando a razão não lhe socorra. A norma tem por escopo
trazer o desejado equilíbrio à relação consumerista, sem prescindir da
análise do caso concreto e de suas peculiariedades. Discorrendo sobre a
boa-fé objetiva, da qual trata o Código de Defesa do Consumidor, Arnaldo
Rizzardo, uma das vozes mais autorizadas na matéria, assim preleciona:
“O
princípio da boa-fé estampado no artigo 4º da lei consumerista tem,
então, como função viabilizar os ditames constitucionais da ordem
econômica, compatibilizando interesses aparentemente contraditórios,
como a proteção ao consumidor e o desenvolvimento econômico e
teconológico. Com isso, tem-se que a boa-fé não serve somente para a
defesa do débil, mas sim como fundamento para orientar a interpretação
garantidora da ordem econômica, que, como vimos, tem na harmonia dos
princípios constitucionais do art. 170 sua razão de ser.” (in CURSO DE
DIREITO DO CONSUMIDOR: com exercícios / Rizzato Nunes – 2 ed.rev.modif. e
atual. – São Paulo:Saraiva, 2005 – p. 128).
Sem razão, pois,
busca o autor a aquisição do veículo automotor pelo valor de R$ 0,01.
Quanto à pretensão de dano moral, igualmente descabida. Não houve ato
ilícito, como também inexistiu dano de natureza extrapatrimonial, não
comportando o tema maiores digressões a respeito dada a vileza do
pedido.
Por fim, não se pode desprezar o fato que o autor, em
flagrante litigância de má-fé, utilizou-se do processo para alcançar
objetivo ilegal. O divisor para caracterizar a hipótese é, segundo
entendem doutrina e jurisprudência, é a ciência da falta de
fundamentação adequada dos argumentos postos em Juízo. É o conhecimento
que a pretensão não prospera, mas ainda assim se busca alcançar o
objetivo ilegal. É o caso dos autos, porquanto não se compreende –
repita-se – que tenha o autor intimamente acreditado que na seriedade
dos argumentos utilizados.
O Juiz pode e deve aplicar, até mesmo
de ofício, a pena por litigância de má-fé, na forma do artigo 18 do CPC,
como forma de desestimular a conduta reprovável da parte que,
aventureira e irresponsavelmente, utiliza-se de instrumento idôneo, como
é o processo, para tentar atingir objetivo moralmente ilegítimo. Cabe
ao juiz cuidar para que os interesses privados das partes não se
sobreponham aos interesses maiores que regem a vontade estatal, da qual é
representante. Cabe-lhe, deste modo, assegurar que do processo não se
sirvam as partes para alcançar objetivo ilegal, ilegítimo ou imoral,
rechaçando todo e qualquer intento que atende contra a dignidade da
justiça.
Nessa esteira, convencida pelas circunstâncias que cercam
o caso, entendo necessária a aplicação da multa prevista no artigo 18
do Código de Processo Civil, pois a forma como agiu o autor causa
desprestígio à justiça.
Posto isso, ((NG))JULGO IMPROCEDENTE((CL))
o pedido. Condeno o autor no pagamento das custas e despesas
processuais, bem como honorários advocatícios que arbitro em R$
1.000,00, por equidade, ressalvados os benefícios da assistência
judiciária gratuita que lhe foram concedidos. Condeno, ainda, o autor
por litigância de má-fé, com fundamento no artigo 17, inc. III, Código
de Processo Civil, no pagamento da multa de 0,5% do valor atualizado da
causa, não abrangido pelas benesses da Lei n. 1060/50.
Fonte: Conjur